domingo, junho 30, 2013

Vitamina D e risco de mortalidade cardiovascular e não cardivascular

Vitamina D e risco de mortalidade cardiovascular e não cardivascular


Estudos realizados apontam para concentrações plasmáticas mais elevadas de 25-(OH)-vitamina D são inversa, e quase linearmente, associadas com mortalidade de causa vascular ou não vascular, no intervalo de 16-36 μg/ml. Uma duplicação da concentração resultou numa diminuição da mortalidade de 20%, em causas vasculares, e 23%, em causas não vasculares.
Estudos prospectivos demonstraram que concentrações de 25-(OH)-vitamina D mais baixas se correlacionam com riscos mais altos de doença cardiovascular.

Suplementação diária de vitamina D com 400-800 IU pode não ser suficiente para o ano inteiro, e particularmente no Inverno. Níveis inferiores aos pretendidos da concentração de vitamina D são altamente prevalentes no hemisfério Norte, e praticamente em todo o mundo.

A concentração plasmática de 25-(OH)-vitamina D varia substancialmente ao longo do ano. Homens com concentração de 25-(OH)-vitamina D mais alta, eram menos propensos a terem uma história de doença cardiovascular, cancro ou diabetes, assim como menos provável serem-lhes diagnosticado hipertensão, do que homens com baixas concentrações de 25-(OH)-vitamina D.
Homens com concentrações de 25-(OH)-vitamina D mais elevada também tinham um IMC mais baixo do que os que tinham 25-(OH)-vitamina D mais baixa. Em contraste, homens com níveis séricos de 25-(OH)-vitamina D mais elevados, apresentavam mais altas concentrações de LDL, HDL, Apo A1 e albumina séricas, e mais baixas concentrações de PCR e fibrinogéneo, do que os que tinham concentração de 25-(OH)-vitamina D mais baixas.
Concentrações mais elevadas de 25-(OH)-vitamina D, mostraram uma relação inversa, quase linear, no que respeita ao risco de morte de causa vascular e, pelo menos no intervalo 16 μg/ml – 40 μg/ml, no risco de mortalidade não vascular.
Para cada grupo etário, foi encontrado que, uma duplicação da concentração de 25-(OH)-vitamina D plasmática se associa com um abaixamento de cerca de 34% de risco de mortalidade cardiovascular e cerca de 36% do risco de mortalidade não cardiovascular.

Os mecanismos da vitamina D na doença cardiovascular, podem ser mediados por mecanismos independentes de factores de risco cardiovasculares conhecidos. Rigidez vascular aumentada ou calcificações vasculares podem ser uns desses mecanismos, dado o papel  que  a  vitamina  D  joga  no  metabolismo  do  cálcio.  Além  disto,  como  os  receptores  da  vitamina  D  ( VDR ) se encontram em muitas células diferentes, de tecidos diferentes, a vitamina D pode influenciar diversas causas de morte por algum mecanismo fundamental, não ainda completamente entendido. Por exemplo, a vitamina D acredita-se modular a resposta imunológica, que pode influenciar a morte cardiovascular ou não cardiovascular, como o cancro ou infecções.

A concentração óptima de 25-(OH)-vitamina D parece ser de 32-36 μg/ml, embora uma recente meta-análise reporte um aumento do risco de mortalidade com concentrações superiores a 35 μg/ml, dados estes ainda necessitando de serem confirmados. 

sábado, junho 22, 2013

Trombocitose essencial

Trombocitose essencial

Trombocitose essencial é um síndrome mieloproliferativo crónico, tal como a policitémia vera e a mielofibrose primária, caracterizado por uma trombocitose persistente que, ao nível da medula óssea, cursa com hiperplasia megacariocítica e clinicamente apresenta tendência a acompanhar-se de complicações trombóticas e hemorrágicas.


Medula óssea em doente com trombocitose essencial observando-se
hipercelularidade por aumento de megacarioblastos e megacariócitos

Com uma incidência de 0.1 a 2.53 por cada 100000 habitantes e por ano, atinge principalmente pessoas com 60 anos ou mais, e com predomínio do sexo feminino. Só 15-20% dos doentes têm menos de 40 anos. Muitos destes doentes são assintomáticos e são diagnosticados por um hemograma de rotina. Esplenomegalia discreta apresenta-se em 5-10% dos doentes e pode ser, em muitos casos, o único sinal que se encontra no exame físico.
A trombose e a hemorragia são as causas mais frequentes de mortalidade e morbilidade destes doentes. As complicações vasculares podem ser trombóticas, hemorrágicas e oclusões microvasculares. A trombose arterial é mais frequente do que a venosa, afectando, por ordem decrescente de frequência, o território cerebrovascular, vascular periférico e coronário. Já a trombose venosa é mais frequente nas extremidades e, menos frequente, no território vascular esplénico e seios cerebrais. As oclusões microvasculares das arteríolas distais das extremidades ( eritromelalgia, isquémia digital ) ou da circulação cerebral ( originando um acidente isquémico transitório, parestesias, cefaleias ou alterações visuais atípicas ) são frequentes e características da trombocitose essencial.
A hemorragia, fenómeno relativamente raro, está relacionada com administração de antiagregantes plaquetários ou com o síndrome de Von Willebrand adquirido em doentes com trombocitoses superiores a um milhão e quinhentas mil plaquetas/μl.
O diagnóstico de trombocitose essencial é feito por exclusão, nomeadamente de trombocitoses secundárias, trombocitose acompanhante de outros síndromes mieloproliferativo ( LMC, policitémia vera, mielofibrose primária ) e alguns síndromes mielodisplásicos.


Critérios de diagnóstico de TE do PVSG ( Polycythemic Vera Study Group )

Plaquetas > 600000/μl
Hematócrito < 40% ou massa eritrocitária normal ( < 125% do valor normal )
Ferro medular presente ou ferritina sérica normal ou VGM normal
Ausência de cromossoma Filadélfia ou fusão BCR/ABL 1
Fibrose colagénea medular ausente ou menos de 1/3 da área da biópsia óssea, sem
     esplenomegalia nem síndrome leucoeritroblástico acompanhante
Ausência de evidências morfológicas ou citogenéticas de SMD
Ausência de causa para trombocitose reactiva



Critérios de diagnóstico de TE da OMS ( 2001 )

  1. Critérios positivos
Trombocitose persistente > 600000/μl
Biópsia medular com proliferação da série megacariocítica, com aumento dos mega-
       cariócitos maduros e de tamanho grande

2. Critérios de exclusão
Não evidência de policitémia vera
        massa eritrocitária normal ou hemoglobina inferior a 18.5 mg/dl nos homens ou
        16.5 mg/dl nas mulheres
        ferro medular presente, ferritina normal ou VGM normal
       se as condições anteriores não se cumprem, ausência de aumento da massa eritro-
       citária ou da hemoglobina para cifras de policitémia vera após tratamento com Fe
Não evidência de LMC ( cromossoma Filadélfia ou fusão BCR/ABL 1 )
Não evidência de mielofibrose idiopática
       ausência de del(5q), t(3;3)(q21;q26), inv(3)(q21;q26)
       ausência de displasia granulocítica, escassos megacariócitos
Ausência de causa de trombocitose reactiva por inflamação, infecção, neoplasia ou  esplenectomia



A descrição da mutação JAK2V617F nos síndromes mieloproliferativos BCR/ABL 1 negativos, levou a um avanço no diagnóstico da trombocitose essencial. Verificou-se que 50-60% dos doentes com trombocitose essencial apresentam aquela mutação JAK2V617F de forma heterozigótica e são homozigóticos em 1-3% dos casos.
Apesar da mutação JAK2V617F indicar a presença de uma trombocitose clonal, esta mutação não é específica dum fenótipo clínico e, portanto, ter a mutação JAK2V617F não é significativo de, obrigatoriamente, estarmos em presença de uma trombocitose essencial.
40-50% dos doentes com trombocitose essencial são JAK2V617F negativos.


Verificou-se que doentes com trombocitose essencial e com a mutação JAK2V617F apresentam, à data do diagnóstico, valores mais altos de hemoglobina, leucócitos, neutrófilos, concentração de eritropoietina, concentração de ferritina, e maior tendência à microcitose, ou seja, um fenótipo mais semelhante ao da policitémia vera. Quando o paciente se apresenta com trombocitose e sem estes dados referidos, é mais frequente serem JAK2V617F negativos.
Estes doentes sem a mutação apresentam, no entanto, alterações características de síndrome mieloproliferativo, nomeadamente esplenomegalia, alterações citogenéticas, crescimento endógeno ou espontâneo de colónias de eritrócitos, sobreexpressão de PRV-1 e transformação para leucemia aguda e mielofibrose, todos estes dados sendo inequívocos de mieloproliferação.
A biópsia medular, dos doentes com a mutação JAK2V617F, apresenta maior celularidade global e mielopoiese, apesar de nem sempre se observarem diferenças entre o grupo com mutação JAK2V617F em relação aos doentes sem esta mutação, relativamente aos megacariócitos, seja no aspecto do núcleo ou tendência a agrupamento, ou no padrão da reticulina.
Os doentes com a mutação costumam ser mais velhos do que os que a não possuem, têm maior tendência a tromboses no ano anterior ao do diagnóstico e tendem, mais frequentemente, a evoluir para a policitémia vera, o que levou a ser proposta a hipótese de que a trombocitose essencial JAK2V617F positiva e a policitémia vera possam ser um contínuo biológico e não duas entidades distintas. Na trombocitose mutada, a eritrocitose pode ser influenciada por factores genéticos e/ou fisiológicos.
De referir que o número mínimo de plaquetas para o diagnóstico de trombocitose essencial JAK2V617F positiva, poder ser feito, é de 450000 plaquetas/μl, e não o limite mínimo anteriormente proposto de 600000 plaquetas/μl.

Critérios diagnósticos para Trombocitose Essencial

                                             JAK2V617F negativo              JAK2V617F positivo

Plaquetas                       > 600000/μl em 2 determinações             > 450000/μl
                                           com 1 mês de intervalo
Mutação                                            Não                                         Sim

Trombocitose reactiva                    Exclusão                                         -

Ferritina                                        > 20 μg/l                                         -

Exclusão de outras neo-                     LMC                                  PV, mielofibrose
plasias, essencialmente                 mielofibrose,                               mielodisplasia
                                                    PV, SMD                           JAK2V617F positiva

Diagnósticos diferenciais:
  1. Leucemia mielóide crónica: o rearranjo BCR/ABL 1 deve ser negativo nos casos de trombocitémia essencial, excluindo-se assim a LMC; não se aceita a existência de trombocitose essencial cromossoma Filadélfia positivo ou BCR/ABL 1 positivo uma vez que o oncogéneo vABL não se apresenta na trombocitémia essencial, mas sim a mutação JAK2V617F

    Leucemia mielóide crónica

  2. Policitémia vera: a exclusão de eritrocitose, com absoluta certeza, só se pode fazer quando se demonstra que a massa eritrocitária é inferior a 125% do valor calculado depois de excluir ou tratar uma ferropenia. A combinação de massa eritrocitária aumentada e JAK2V617F positivo é praticamente patognomónica de policitémia vera. A massa eritrocitária nem sempre se correlaciona com aumento da citémia. 7-19% dos doentes com trombocitose isolada, tinham policitémia vera, de acordo com os valores obtidos da massa eritrocitária, e teriam sido erradamente diagnosticados de trombocitose essencial se se tivesse em consideração apenas os valores de hemoglobina propostos pela OMS ( 18.5 mg/dl para os homens, 16.5 mg/dl para as mulheres ). Estes doentes eram todos JAK2V617F positivos, enquanto os negativos para esta mutação tinham uma citémia normal. Também para o diagnóstico diferencial da trombocitose essencial, relativamente à policitémia vera, podemos utilizar, com interesse, a concentração de eritropoietina diminuída, a presença de crescimento endógeno de colónias eritróides e a histologia medular. A concentração de eritropoietina diminuida e a presença de crescimento endógeno de colónias eritróides não são, no entanto, específicas da trombocitose essencial, e podem observar-se também na policitémia vera. O padrão histológico medular numa policitémia vera com início trombocitémico é de difícil avaliação e pouca reprodutibilidade interobservadores.

    Intensa hiperplasia hematopoiética global

  3. Trombocitose secundária: com o objectivo de excluir uma hipossiderémia, a concentração de ferritina deve ser normal ou aumentada na ausência de marcadores inflamatórios ( VS, PCR, fibrinogéneo ) 


    Trombocitose secundária

  4. SMD: além da displasia morfológica granulocítica e megacariocítica, deve constactar-se ausência de certas alterações citogenéticas que podem acompanhar a trombocitose


  5. Mielofibrose primária: a trombocitose essencial é de muito difícil diferenciação com a mielofibrose primária que mostre esplenomegalia, síndrome leucoeritroblástico, dacriócitos e fibrose medular. A biópsia medular pode dar informações importantes por mostrar marcada fibrose. A histologia típica da trombocitose essencial, denominada de true ET, caracteriza-se por hipercelularidade, com megacariócitos com núcleo multilobulado e aspecto maturo, com tendência a se agruparem, sem aumento da eritropoiese nem granulopoiese, e ausência de fibrose. O achado importante morfológico no reconhecimento das formas iniciais de mielofibrose primária é a observação de hipercelularidade, proliferação neutrófila e atipía dos megacariócitos que apresentam núcleos com lobulação anormal e cromatina atípica. A reticulina, nas formas ainda prefibróticas, não se encontra aumentada. CD34 é um marcador característico da mielofibrose primária, mas não é ainda observado nas formas pré-fibróticas.
  6. Trombocitoses familiares hereditárias: entidades transmissíveis de forma autossómica dominante, onde se observam mutações do gene c-Mpl ou do gene da trombopoietina, embora estas alterações genéticas não sejam sempre positivas.

Estudos clínicos retrospectivos mostram que a esperança de vida destes doentes não é alterada, relativamente à da população em geral, ainda que este facto talvez só se observe nos primeiros 10 anos da evolução da doença. De referir, no entanto, que a trombocitose essencial é uma doença de pessoas idosas. A esperança de vida, contudo, após a segunda década de evolução da doença, parece ser diminuída devido à transformação clonal mielóide.




quarta-feira, junho 12, 2013

Alterações da eritropoiese, granulopoiese e trombopoiese

Alterações da eritropoiese, granulopoiese e trombopoiese


Englobam-se neste grupo de patologias, alterações hematológicas não neoplásicas, sejam congénitas ou adquiridas, que afectam uma linhagem celular predominantemente, seja ela eritróide, granulocítica ou megacariocítica.
O diagnóstico, nestas situações, é baseado no esfregaço do sangue periférico e estudo do mielograma e biópsia óssea, bem como em outros análises de vária ordem.

Anemia por deficiência de ferro


Esfregaço de sangue periférico em anemia por deficiência de ferro

A anemia por deficiência de ferro resulta de baixo aporte, aumento das perdas ou uma combinação das 2 situações. O diagnóstico é feito, geralmente, pelo estudo do sangue periférico e análises bioquímicas. Em casos mais complexos, o mielograma pode dar ajudas importantes, mas já o mesmo não se pode dizer da biópsia óssea que apenas poderá, e nem sempre, dar informações marginais.
No sangue periférico observa-se, de início, anemia normocrómica normocítica que, com o agravar do déficit do ferro, passa a hipocrómica microcítica. Os eritrócitos mostram anisocitose, anisocromia, poiquilocitose particularmente com presença de eliptócitos. Podem ser observados trombocitose ou trombocitopenia e neutrófilos hipersegmentados.


Anemia por deficiência de ferro

No mielograma observa-se um aumento moderado da celularidade, devido ao aumento da eritropoiese com micronormoblastos, com os eritroblastos sendo mais pequenos que os normais e apresentando escasso citoplasma, ou vacuolização citoplasmática. Há uma ligeira diseritropoiese. Na coloração de Perls, observa-se uma grande diminuição dos depósitos de ferro, ou mesmo ausência destes depósitos intracelulares, e há uma ausência dos depósitos extracelulares.


Anemia ferropénica

Na anemia por deficiência de ferro, na medula óssea podem ser observados metamielócitos gigantes mas, para além desta particularidade, a granulopoiese e a trombocitopoiese são normais.


Metamielócito gigante típico da anemia ferropriva

Os doentes, onde os depósitos de ferro medulares são diminuídos mas a eritropoiese é normal, devem ser vistos como tendo deplecção de ferro e não deficiência de ferro.




Anemia sideroblástica


Anemia sideroblástica: depósitos de ferro

Anemia sideroblástica, quando componente de uma SMD, apresenta-se como uma anemia refractária, com sideroblastos em anel ou citopenia refractária com displasia multilinhagem. A anemia sideroblástica pode ser herdada ou secundária a drogas ou álcool, cloranfenicol, isoniazida, ácido fusídico e linezolid. Deficiência de cobre, muitas vezes resultado de excesso de zinco, pode causar eritropoiese sideroblástica adquirida. O mielograma é o melhor exame para diagnóstico de anemia sideroblástica.


Sideroblasto em anel

No sangue periférico, na anemia sideroblástica, observa-se hipocromia e microcitose, o que distingue a anemia sideroblástica adquirida ou congénita da observada quando faz parte de um SMD em que há macrocitose.


Sideroblasto em anel

O esfregaço do sangue periférico pode ser dimórfico, com eritrócitos hipocrómicos e microcíticos. A anemia pode ser moderada a grave, nos casos congénitos, enquanto nas situações adquiridas a anemia é menos grave, indo de leve a moderada.


Coloração de Perls observando-se depósitos de ferro

No mielograma observa-se leve hipercelularidade e ligeira hiperplasia eritróide. Alguns eritroblastos são micronormoblastos com hemoglobinização alterada e vacuolização citoplasmática. Sideroblastos em anel podem ser observados. Os depósitos de ferro estão aumentados e os plasmócitos podem conter hemossiderina.


Corpos de Pappenheimer

Anemia hemolítica

A anemia hemolítica, que pode ser hereditária ou adquirida, tem vários factores etiológicos, mecanismos patogénicos e dados morfológicos variados. O estudo de sangue periférico é de muita importância, mas o mielograma ajuda pouco.
No sangue periférico, as anemias hemolíticas apresentam policromasia e reticulocitose. Macrocitose é um dado comum, particularmente nos doentes com hemólise severa.


Anisocitose com macrocitose

No mielograma observa-se uma medula óssea hipercelular, consequente a hiperplasia eritróide que se observa sendo tanto maior a eritropoiese quanto menor a semi-vida eritrocitária. A eritropoiese é frequentemente macronormoblástica. Deseritropoiese pode ser marcada.
Quando a hemólise é extravascular, há um aumento dos macrófagos medulares, e estes contêm detritos celulares. Os depósitos de ferro costumam estar aumentados excepto nas situações de hemólise intravascular grave com perda de ferro do organismo.

Anemia megaloblástica


Anemia megaloblástica

Anemia megaloblástica é, geralmente, provocada por deficiência de vitamina B12 ou ácido fólico, podendo ser secundária a drogas que interferem com a síntese do DNA. Pode também cursar com LMA ou SMD. O estudo do esfregaço sanguíneo pode ser suficiente para o diagnóstico, podendo ser necessário o estudo do mielograma se não são observados no sangue periférico os sinais de eritropoiese megaloblástica, ou se dados atípicos estão presentes, levando a confusão com outras patologias.


Medula óssea em anemia megaloblástica

No sangue periférico há anemia macrocítica, com ovalócitos. Os casos de anemia megaloblástica mais leves, apresentam macrocitose sem anemia. Anisocitose e poiquilocitose são frequentes e, quando a anemia é grave, dacriócitos, fragmentos basofílicos e corpos de Howell-Jolly e megaloblastos circulantes estão presentes.


Dacriócitos


Corpos de Howell-Jolly

Neutrófilos hipersegmentados são frequentes no sangue periférico, sendo altamente sugestivos, embora não patognomónicos de anemia megaloblástica. Leucopenia e trombocitopenia podem ser observadas em casos graves.


Neutrófilo hipersegmentado

No mielograma observa-se hipercelularidade, com eritropoiese hiperplásica caracterizada pela presença de megaloblastos com cromatina mais primitiva do que a que seria normal para o padrão de maturação citoplasmático.
Megaloblastos podem estar completamente hemoglobinizados e sem basofilia citoplasmática. Eritropoiese é ineficaz com as células mais imaturas da linhagem eritróide hiper-representadas. Macrófagos, estão aumentados em número, e contêm restos de eritrócitos e seus precursores. Pela coloração de Perls observam-se grânulos sideróticos proeminentes e, por vezes, sideroblastos em anel. Depósitos de ferro estão aumentados. Os plasmócitos podem conter depósitos de ferro.
Na anemia megaloblástica, para além das alterações da linhagem eritróide descritas, também se verificam alterações da granulopoiese, com hiperplasia, embora menos acentuada que a verificada na eritropoiese. Metamielócitos gigantes são observados com um tamanho duplo ou triplo dos metamielócitos normais e, frequentemente, o núcleo dos metamielócitos tem formas atípicas em E ou Z mais que na forma normal de U. Mielócitos e promielócitos podem, também, ter um tamanho aumentado em relação com o normal, mas menos acentuado do que o dos metamielócitos. A presença de metamielócitos gigantes é particularmente importante para o diagnóstico, principalmente nos casos onde a uma anemia megaloblástica se sobrepõe um déficit de ferro.
Megacariócitos são hiperlobulares e apresentam cromatina mais fina . Diagnóstico diferencial da anemia megaloblástica com LMA M6 do grupo FAB é importante. Em ambas as doenças a medula óssea mostra aspectos de paragem da maturação e deseritropoiese marcadas, mas enquanto na LMA M6 do grupo FAB se observa um aumento dos mieloblastos, este aumento não se observa na anemia megaloblástica. Neutrófilos hipersegmentados e metamielócitos gigantes não são um dado da LMA. A confirmação é feita pelo doseamento da vitamina B12 e ácido fólico.

Anemia das doenças crónicas

Caracteristicamente, é uma anemia normocrómica normocítica, que, quando grave, se apresenta hipocrómica microcítica. É secundária a doenças inflamatórias, infecciosas ou malignas.
O diagnóstico é baseado nos dados do esfregaço de sangue periférico e dados bioquímicos. Bioquimicamente determinam-se diminuição de ferro e transferrina, com ferritina aumentada ou normal. Concentração dos receptores da transferrina sérica são normais.
No esfregaço de sangue periférico observa-se hipocromia e microcitose, e pode ver-se a formação de rouleaux e a coloração basofílica do background, devidos ao aumento das proteínas séricas. Este aumento das proteínas séricas também provoca aumento da VS.
O estudo do mielograma, na anemia das doenças crónicas, revela uma normocelularidade. A eritropoiese é mantida ou podem haver micronormoblastos com redução da hemoglobinização.

Na coloração de Perls, observam-se depósitos de ferro aumentados. Os eritroblastos mostram, no entanto, granulações sideróticas diminuídas ou ausentes. Alterações inflamatórias inespecíficas, como aumento dos plasmócitos, mastócitos e macrófagos, são observadas.

Neoplasias mieloproliferativas e mielodisplásicas/mieloproliferativas e condições relacionadas

Neoplasias mieloproliferativas e mielodisplásicas/mieloproliferativas e condições relacionadas


As neoplasias mieloproliferativas são um grupo de doenças que apresentam, em comum, resultarem da proliferação de um clone neoplásico de células mielóides, derivadas de uma stem cell hemopoiética que sofreu mutação. Mesmo nos casos em que a diferenciação é predominantemente de células de uma só linhagem, a alteração provêm duma stem cell mielóide pluripotente ou, no mínimo, duma stem cell pluripotencial que origina linhagem mielóide e linfóide. Mutações nos genes tirosina quinase ( JAK2V617F, BCR/ABL1, Tel/PDGFRbeta, BCR/JAK 2, etc.) , com importância na patogénese, têm sido encontradas. Nas neoplasias mieloproliferativas, a maturação das células neoplásicas é relativamente normal, e as células mantêm alguma resposta a controladores fisiológicos normais, pelo que podem ser consideradas patologias, relativamente, benignas. No entanto, estas patologias apresentam propensão para evoluirem para neoplasia maligna semelhando leucemia aguda, com evolução rápida para a morte.


A neoplasia mieloproliferativa difere da SMD em que, precocemente no curso da doença, a hemopoiese é eficaz com hiperprodução celular, pelo menos de uma linhagem. Displasias estão ausentes ou não são proeminentes. No entanto, com a progressão da doença, a hemopoiese pode tornar-se ineficaz e displasias podem surgir. Em alguns doentes é difícil, ou mesmo impossível, distinguir entre neoplasia mieloproliferativa ou síndrome mielodisplásico, dado que apresentam sinais tanto mieloproliferativos como mielodisplásicos, e estes doentes caem então, no que se convencionou chamar, neoplasias mielodisplásicas/mieloproliferativas.
Reticulina na medula óssea ou fibrose por colagéneo pode ser proeminente na neoplasia mieloproliferativa/mielodisplásica, bem como na neoplasia mieloproliferativa.
Por vezes, como no caso da leucemia mielóide crónica ( LMC ), nestas patologias, o estudo do sangue periférico dá mais informação do que o estudo do mielograma.


Leucemia mielóide crónica


Leucemia mielóide crónica ( LMC ), também chamada leucemia granulocítica crónica ou leucemia mielogénea crónica BRC-ABL1 positiva, é uma condição, rara, que provêm da proliferação neoplásica dum precursor hematopoiético precoce, que se pode diferenciar em granulócitos, monócitos, eritrócitos, megacariócitos e, em certas condições, linfócitos.
Em cerca de 95% dos casos, os doentes com LMC apresentam o cromossoma Filadélfia, que é uma alteração adquirida por translocação recíproca, entre os braços longos do cromossoma 9 e 22, sendo o cromossoma Filadélfia o cromossoma 22 anormal. Esta translocação leva à codificação de uma tirosina quinase anormal.


Cromossoma Filadélfia

A LMC é uma doença de pessoas idosas, sendo rara na infância, e é mais comum nos homens que nas mulheres. Os doentes apresentam-se com anemia, desconforto abdominal com sensação de plenitude, dor ou desconforto esplénico, sinais de leucostase devidos à elevada leucocitose. O exame físico revela esplenomegalia ligeira, pelo menos até a leucocitose não ultrapassar os 100000 leucócitos/μl. Hepatomegalia é comum. O prognóstico é mau mas com evolução crónica, na ausência de tratamento com transplante de stem cell ou tratamento com um inibidor da tirosina quinase como o imatinib. A transformação aguda é precedida por uma fase em que o doente fica resistente à medicação.
No sangue periférico observa-se leucocitose de 20000-500000 leucócitos/μl, sendo os neutrófilos e mielócitos as células predominantes, observando-se também outras células imaturas granulocíticas que podem mesmo ser blastos ou promielócitos.


Basófilos estão, invariavelmente, aumentados e os eosinófilos, em número absoluto, estão aumentados também. Mielócitos basófilos e mielócitos eosinófilos são frequentemente visualizados no sangue periférico. Os granulócitos mostram maturação normal.
Anemia, normocítica normocrómica, é frequente. Podem observar-se eritroblastos em circulação, estando mais de 2% de eritroblastos associado a pior prognóstico. A contagem de plaquetas pode ser normal ou haver trombocitose, mas não ultrapassa o 1000000/μl, sendo muito raro haver trombocitose sem leucocitose.
Plaquetas gigantes e megacariócitos sem citoplasma podem ser observados. Em doentes com extensa fibrose medular, apresenta-se marcada anisocitose e poiquilocitose com dacriócitos. A fase aguda pode ser marcada com aumento da basofilia, leucocitose e anemia. Alterações displásicas, como anomalia de Pelger-Huët dos neutrófilos, ou presença de micromegacariócitos, podem assinalar a transformação aguda da doença, bem como esta transformação pode ser assinalada por presença súbita de maior número de blastos circulantes.


Micromegacariócito


Anomalia de Pelger-Huët

A transformação aguda é mielóide em 66% dos casos e linfoblástica ou mista nos restantes. Os mieloblastos podem ter diferenciação neutrofílica ou basofílica. Transformação megacarioblástica não é rara. Transformação monoblástica , eosinofílica, promielócitos hipergranulares ou eritroblástica é rara. Podem aparecer blastos de mais do que uma diferenciação celular. Com o evoluir da transformação aguda, as células maturas vão, gradualmente, desaparecendo, e a anemia e trombocitopenia desenvolve-se. A presença de mais de 20% de blastos é critério para o diagnóstico de transformação aguda. Fosfatase alcalina leucocitária é muito baixa em 95% dos doentes, e confirma o diagnóstico de LMC.
O mielograma, na fase crónica, é hipercelular com aumento da série granulocítica e frequentemente também dos megacariócitos. A relação M:E é superior a 10:1 , e frequentemente mesmo superior a 25:1. Maturação celular é normal. Eritropoiese é reduzida mas morfologicamente normal. Os megacariócitos são de tamanho reduzido, bem como a lobulação nuclear é pequena, mas os micromegacariócito, como os vistos em SMD, não são comuns na fase crónica. Devido ao rápido turnover celular, os macrófagos e células de armazenamento são proeminentes. Tratamento associa-se com redução na granulopoiese e no número de megacariócitos, e o tratamento com imatinib se associa a resposta morfológica completa, podendo tornar-se proeminentes as células de armazenamento com as características intermediárias entre histiócitos azul marino e as células pseudo-Gaucher.


Histiócito azul marino


Células pseudo-Gaucher

Na fase aguda, a medula óssea, pode mostrar aumento de basofilia, aumento dos blastos ou alterações displásicas. Aspirado de medula óssea pode ser difícil devido à fibrose que se instala. Os blastos ocupam a medula óssea, mostrando as características citológicas da linhagem envolvida. Transformação aguda pode ser diagnosticada quando os blastos excedem os 20% das células presentes.
A medula óssea é hipercelular, com perda de células adiposas. A cavidade medular está ocupada por células hematopoiéticas. Há um marcado aumento de precursores granulocíticos, com desvio esquerdo. Os megacariócitos estão, na medula óssea, aumentados em tamanho e formando ninhos de células.
Mielofibrose moderada a severa é vista em cerca de 40% dos casos que evoluem para transformação linfóide ou mielóide, e é um dado quase constante quando a transformação é megacarioblástica. A mielofibrose pode tornar a aspiração medular impossível, sendo necessária a biópsia óssea para diagnosticar a transformação blástica.
O diagnóstico de LMC necessita de confirmação citogenética, pois não pode ser feito esse diagnóstico de LMC se BCR-ABL 1 não se apresentar. O BCR-ABL 1 codifica uma proteína com actividade tirosina quinase, que tem um papel importante na patogénese da doença ( Nota: BCR-ABL, o oncogéneo ABL, é um gene que codifica uma proteína quinase mas que não é da família JAK ).
A presença de mais de 3-5% de basófilos, num doente com trombocitose, é indicador de positividade para o cromossoma Filadélfia.


Policitémia vera


Policitémia vera

Policitémia vera é uma neoplasia mieloproliferativa que apresenta, como factor dominante, a excessiva produção de eritroblastos, com consequente aumento da massa eritrocitária circulante e hematócrito aumentado. Frequentemente, há um aumento do número de células de outras linhagens, tanto na medula óssea como no sangue periférico, refletindo a origem do clone neoplásico duma stem cell mielóide multipotente. A policitémia vera é uma doença de adultos e velhos. A sintomatologia deve-se à hiperviscosidade sanguínea e, também, a tromboses venosas e arteriais, que incluem cefaleias, sensação de enchimento da  cabeça, tinitus,  dispneia,  alterações  visuais,  fenómenos  de  Raynaud,  eritromelalgia ( doença vascular periférica rara que se manifesta por rubor, calor, dor e edema – "sinais inflamatórios" ( não há inflamação mas semelha os sinais inflamatórios ) – sobretudo das extremidades dos membros inferiores, secundário a importante vasodilatação, especialmente de arteríolas e vênulas, originadas por anomalias neuro-patológicas e microvasculares, ou por fármacos que relaxam o músculo liso ), claudicação e gangrena.


Eritromelalgia

Prurido pode ocorrer, principalmente como consequência da histamina secretada pelos basófilos. Esplenomegalia e hepatomegalia podem ser observadas.
A policitémia vera pode evoluir para uma fase de desgaste, ou “burn out”, na qual há diminuição da produção eritrocitária, seguida por esplenomegalia e fibrose da medula óssea. Com a progressão da doença, instalam-se os sinais de mielofibrose. Uma pequena parte destes doentes podem progredir para LMA, particularmente os tratados com agentes alquilantes ou fósforo 32. JAK2 ( JAK2 V617F ) é uma tirosina quinase da via sinalizadora de muitos factores de crescimento hemopoiéticos, e que, também, na policitémia vera tem uma função importante no evoluir da patologia.
No sangue periférico, observa-se aumento dos eritrócitos, da hemoglobina e do hematócrito. Devido ao aumento da viscosidade, observam-se, no esfregaço do sangue periférico, rouleaux. Depósitos de ferro podem ter sido exauridos, o que leva ao aparecimento de anemia microcítica hipocrómica. Leucocitose é frequente devida à neutrofília. Basofília absoluta, mas não relativa, está presente. Granulócitos imaturos e eritroblastos em pequeno número estão presentes. Trombocitose ligeira verifica-se.
No mielograma, na policitémia vera, usualmente observa-se um marcado aumento dos precursores dos eritrócitos, granulócitos e megacariócitos. Podem estar aumentadas as linhagens eosinofílica e basofílica, bem como a linhagem dos neutrófilos. O tamanho dos megacariócitos, na policitémia vera, ao contrário do que sucede na SMD e LMC, é aumentado com maior grau de lobulação nuclear. Os depósitos de ferro estão, habitualmente, exauridos.
Na biópsia óssea há, geralmente, hipercelularidade, com as células hematopoiéticas a ocuparem mais de 90% do espaço medular. A eritropoiese é morfologicamente normal, enquanto que os megacariócitos são geralmente anormais, com um espectro que vai desde pequenos megacariócitos até grandes formas hiperlobuladas, mas a característica é de megacariócitos aumentados e hiperlobulados. Há um grande número de fenómenos de emperipolesis e figuras mitóticas dos megacariócitos.

Trombocitémia essencial

Doença causada por uma proliferação clonal duma stem cell mielóide multipotente, em que a predominante sintomatologia resulta de um aumento do número de plaquetas. A doença, vista em todas as idades, é predominante do adulto e idoso, com predomínio nas mulheres e incidência de 0.1-2.43/100000 habitantes, o que, segundo estes números, faz com que em Portugal hajam entre 10 e 243 doentes.


Trombocitémia essencial

A trombocitémia essencial é marcada pela trombocitose ( 1000000-4000000/μl ), que se acompanha de fenómenos hemorrágicos e/ou trombóticos, frequentemente em conjunto. Pelo menos 20% dos doentes apresentam-se assintomáticos e são diagnosticados por um hemograma de rotina. A sintomatologia é geralmente recorrente da obstrução de pequenos vasos, e inclui trombose venosa e arterial, cefaleias, alterações visuais, parestesias e insuficiência vascular periférica. Cerca de 33% dos doentes apresentam hemorragias subcutâneas ou do tracto gastro-intestinal, geralmente secundárias aos antiagregantes plaquetários administrados ou a um síndome de Von Willebrand adquirido. Esplenomegalia moderada aparece em 40% dos doentes, e hepatomegalia em cerca de 20% dos doentes. Prurido é um sintoma raro. A trombocitemia essencial pode terminar, e termina geralmente, em SMD, LMA ou mielofibrose. A transformação para LMA ocorre em cerca de 1% dos casos. Com tratamento correcto, a semi-vida dos doentes é pouco diminuída em relação ao normal, pelo menos na primeira década da doença ( de notar que esta doença é predominantemente de pessoas idosas, pelo que muitas vezes morrem de outras causas e não devido à trombocitose essencial).


Trombocitémia essencial

No sangue periférico encontra-se trombocitose com MPV aumentado. As plaquetas são grandes, podendo mesmo ser gigantes, hipogranuladas ou agranulosas, e agregados plaquetários podem ser observados, distorcendo a contagem plaquetária. Por vezes, megacariócitos senescentes, formados praticamente só por núcleo, são observados.


Megacariócito senescente formado praticamente pelo seu núcleo


Plaqueta gigante 

Leucocitose leve, não excedendo os 20000 leucócitos/μl, neutrofilía e granulócitos imaturos podem ser observados no sangue periférico. Basofilia absoluta é encontrada por vezes, mas é normal a percentagem de basófilos no sangue periférico, usualmente variando entre 1% e 2%, mesmo nestes casos de aumento absoluto.
Nos casos em que o doente com trombocitemia essencial tem enfarte esplénico, podem ser observados corpos de Howell-Jolly, acantócitos, células em alvo e esferócitos. Deficit de ferro pode ser observado se houverem episódios anteriores de hemorragia.


Corpos de Howell-Jolly


No mielograma, na trombocitose essencial, há um aumento do número de megacariócitos, que são geralmente grandes e hiperlobulados. Pode haver leve a moderada hipercelularidade. Eritropoiese e granulopoiese estão ligeiramente aumentadas.
O aumento do número de megacariócitos, ainda que se verifique, não está em proporção com o aumento do número de plaquetas. Emperipolesis e figuras mitóticas nos megacariócitos podem estar aumentadas.
É importante distinguir trombocitémia essencial da trombocitémia reactiva. O esfregaço do sangue periférico é importante. Na trombocitémia essencial há frequentemente plaquetas gigantes e plaquetas agranulares e, ocasionalmente, núcleos de megacariócitos circulantes. Pelo contrário, as plaquetas na trombocitémia reactiva apresentam um MPV baixo, e são normalmente granuladas, e não se observam núcleos de megacariócitos circulantes. Na trombocitose reactiva não há basofília e a neutrofilia não está habitualmente presente, apresentando o mielograma um aumento de megacariócitos citologicamente normais. O diagnóstico de trombocitose essencial é de exclusão, visto trombocitose marcada pode ocorrer em policitémia vera, LMC e mielofibrose primária.



O estudo do sangue periférico não é de muita utilidade neste diagnóstico diferencial, visto plaquetas gigantes, plaquetas agranulares, fragmentos de megacariócitos, neutrofilia e basofília podem estar aumentados em todas as neoplasias mieloproliferativas. O mielograma e biópsia óssea têm mais utilidade. A presença de JAK2 V617F é de pouca utilidade no diagnóstico diferencial, mas a ausência da mutação JAK2 V617F e da mutação do exon 12 torna a policitémia vera altamente improvável. Geralmente, a hemoglobina e a massa eritrocitária estão aumentadas na policitémia vera e normais na trombocitemia essencial.

Neoplasias mielodisplásicas/mieloproliferativas

Este grupo de doenças neoplásicas tem características de doenças mielodisplásicas e mieloproliferativas. As entidades que constituem este grupo de doenças são:
  • leucemia mielomonocítica crónica ( LMMC )
  • leucemia mielóide crónica atípica BCR-ABL 1 negativa
  • leucemia mielomonocítica juvenil
  • casos não classificados

Leucemia mielomonocítica crónica


Leucemia mielomonocítica crónica

Patologia onde se observam, pelo menos, 1000 monócitos/μl no sangue periférico, apresenta sinais mieloproliferativos e de displasia; os blastos no sangue periférico são menos de 5% e na medula óssea não ultrapassam os 20%; não apresentam cromossoma Filadélfia nem fusão genética BCR-ABL 1. Deve observar-se uma monocitose inexplicável que dura 3 meses ou mais.
A LMMC deve ser distinguida da LMC atípica, na qual mais de 15% dos leucócitos circulantes são precursores granulocíticos, enquanto na LMMC são menos de 15% os precursores granulóciticos que se encontram no sangue circulante. O mielograma é essencial para o diagnóstico de LMMC, mas o estudo do sangue periférico é também um muito útil exame para o diagnóstico diferencial, enquanto que a biópsia óssea dá apenas informação suplementar.
Hepatomegalia e esplenomegalia são frequentes, e sinais de anemia também se apresentam com frequência. Há infiltração tecidular por monócitos resultando em linfadenopatia, infiltração cutânea e efusões serosas.
Dois tipos de LMMC existem;
  • LMMC-1, onde há menos de 5% de blastos e promonócitos no sangue periférico e 10% na medula óssea


  • LMMC-2, onde há 5-19% de blastos e promonócitos no sangue periférico e 10-19% de blastos na medula óssea, ou corpos de Auer presentes


Anemia está, habitualmente, presente, sendo normocítica, mais frequentemente, ou macrocítica, mais raras vezes; há monocitose com monócitos normais ou atípicos, como por exemplo com núcleo de forma bizarra, basofilia citoplasmática ou granulações. Frequentemente observa-se neutrofilia com neutrófilos morfologicamente normais ou não. Blastos e promonócitos podem estar presentes, sendo o seu número de importância no prognóstico. As plaquetas podem ser normais ou em número reduzido.
O mielograma mostra-se hipercelular, com aumento dos precursores granulocíticos. Costuma haver, mas nem sempre, um aumento do número de precursores dos monócitos. Blastos e promonócitos podem estar em número aumentado, até um valor de 19%, sendo, de significado prognóstico, o número ser de até 10% ou entre 10% e 19%.
Sideroblastos anormais podem ser evidenciados, bem como aumento das reservas de ferro. Eritroblastos e megacariócitos podem ser displásicos, mas podem também ser morfológicamente normais.
Colorações citoquímicas, com mieloperoxidase ou negro do Sudão B, devem ser feitas em todos os casos onde há aumento de blastos, para confirmar a linhagem envolvida e excluir a presença de corpos de Auer.



Corpo de Auer