terça-feira, novembro 26, 2024

Contagem diferencial de esfregaço do sangue periférico

Como fazer uma contagem diferencial leucocitária num esfregaço de sangue periférico?


Quando estamos a fazer essa análise ao microscópio, a escolha do local certo no esfregaço é crucial. A franja do esfregaço, também conhecida como a "zona de franja" ou "feathered edge", é onde os leucócitos tendem a acumular-se de forma desigual. Nesta zona, os leucócitos podem estar distorcidos ou sobrepostos, o que pode levar a erros na contagem e identificação dos diferentes tipos de células.
A melhor área para realizar a contagem diferencial é a chamada "zona de leitura", que é uma região mais central do esfregaço onde as células estão distribuídas de forma uniforme, permitindo uma observação clara e precisa das características morfológicas de cada tipo de leucócito. Assim, consegues uma contagem mais fiável e representativa do estado hematológico do paciente. 

Na franja do esfregaço, existe uma tendência para que as células maiores, como os neutrófilos, sejam mais arrastadas para essa zona devido ao seu tamanho e peso. Durante o processo de preparação do esfregaço, as forças físicas em jogo podem levar à distribuição desigual das células, com os neutrófilos a acumularem-se mais na franja. Os linfócitos, sendo geralmente menores, não são tão suscetíveis a este arrastamento.
Esta distribuição desigual pode resultar numa contagem diferencial que não reflete com precisão a proporção real dos diferentes tipos de leucócitos no sangue. Portanto, é mais seguro e preciso realizar a contagem na zona de leitura, onde as células estão distribuídas de forma mais uniforme. Assim, garantimos que a análise seja o mais fiel possível à realidade do paciente. 

As células imaturas, como os blastos, que tendem a ser maiores, podem também ser arrastadas para a franja do esfregaço durante a preparação. Tal como acontece com os neutrófilos, essa acumulação pode levar a uma sobre-representação dos blastos se a contagem for feita nessa área.
Portanto, ao realizar a contagem diferencial na zona de leitura, onde as células estão mais uniformemente distribuídas, evitamos essa distorção e conseguimos uma avaliação mais precisa da presença e quantidade de blastos no sangue. Esta precisão é particularmente importante em contextos como a avaliação de leucemias, onde a contagem de blastos pode ter implicações diagnósticas significativas. 

É possível que a citometria de fluxo apresente um resultado falso de presença exagerada de blastos em circulação. A citometria de fluxo é uma técnica poderosa e precisa para analisar características celulares, mas não está isenta de erros. Algumas razões para resultados falsos incluem:

Interferência técnica: Problemas na preparação da amostra, como a lise inadequada de eritrócitos ou a presença de detritos celulares, podem interferir na análise e levar a contagens erradas.

Expressão antigénica atípica: Algumas células normais ou reativas podem expressar antigénios semelhantes aos dos blastos, levando a uma interpretação errada pela citometria de fluxo.

Erros de gating: O processo de "gating", que é usado para definir populações celulares específicas com base em características como tamanho e complexidade, pode ser impreciso, especialmente em amostras complexas ou com populações celulares sobrepostas.

Contaminação: A presença de células de outra origem, como células progenitoras de medula óssea em amostras de sangue periférico, pode ser interpretada erroneamente como blastos.


Por estas razões, é importante correlacionar os resultados da citometria de fluxo com outros achados clínicos e laboratoriais, como o exame morfológico do esfregaço de sangue periférico e a história clínica do paciente, para garantir um diagnóstico preciso. 




Bacteriofagos: modo de actuação e medicamentos que os utilizam

 Bacteriofagos: modo de actuação e medicamentos que os utilizam



Os bacteriófagos, ou simplesmente fagos, são vírus que infectam exclusivamente bactérias. Eles desempenham um papel importante tanto na ecologia microbiana quanto em aplicações biotecnológicas e médicas. Aqui estão os principais pontos sobre eles:


Estrutura


 Material genético: Os fagos podem conter DNA ou RNA, que pode ser de fita simples ou dupla.

 Cabeça (capsídeo): Protege o material genético, normalmente com formato icosaédrico.

 Cauda: Em muitos casos, possui uma estrutura tubular que ajuda a injetar o material genético na bactéria hospedeira.


Ciclo de vida


Os bacteriófagos podem seguir dois ciclos principais:

1. Ciclo lítico:

 O fago infecta a bactéria e usa a maquinaria celular para replicar seu material genético e produzir novos vírus.

 A célula bacteriana é destruída (lisada) ao libertar os novos fagos.

2. Ciclo lisogênico:

 O material genético do fago é integrado ao DNA da bactéria e pode permanecer inativo (como um profago), sendo replicado junto com o genoma bacteriano.

 Sob certas condições, o ciclo lisogênico pode se converter em lítico.


Importância


1. Ecologia:

 Controlam populações bacterianas em ecossistemas naturais e industriais.

 Influenciam o equilíbrio dos microbiomas, como o intestinal.

2. Medicina:

 Usados na terapia fágica, uma alternativa aos antibióticos para tratar infecções bacterianas resistentes.

 Estudados para aplicações em diagnóstico e entrega de medicamentos.

3. Pesquisa científica:

 Foram cruciais no entendimento de processos biológicos, como a replicação do DNA e a expressão gênica (experimentos de Hershey e Chase com o fago T2).

4. Indústria alimentícia:

 Utilizados para controlar bactérias patogênicas em alimentos e como bioindicadores.


Os bacteriófagos têm grande potencial para lidar com o aumento da resistência bacteriana, destacando-se como uma ferramenta promissora no combate a infecções.





Os fagoterápicos (remédios baseados em bacteriófagos) são usados principalmente em países como Rússia, Geórgia e Polônia, onde essa abordagem tem sido explorada há décadas. Alguns produtos notáveis incluem:


Exemplos de medicamentos e seus alvos:


1. Pyophage

 Bactérias alvoStaphylococcus aureusEscherichia coliPseudomonas aeruginosaStreptococcus spp.Enterococcus spp.

 Uso: Infecções de pele, feridas, queimaduras, infecções intestinais e urinárias.

2. Intestiphage

 Bactérias alvoE. coliShigella spp.Salmonella spp.

 Uso: Tratamento de infecções intestinais, como diarreia e disbiose.

3. Staphylophage

 Bactérias alvoStaphylococcus aureus (incluindo MRSA, resistente à meticilina).

 Uso: Infecções causadas por estafilococos, como furúnculos, abscessos e septicemia.

4. Sextaphage

 Bactérias alvoE. coliKlebsiella spp.Proteus spp.Pseudomonas aeruginosaStaphylococcus spp.Streptococcus spp.

 Uso: Infecções multirresistentes, incluindo infecções urinárias e respiratórias.

5. PyoBacteriophage

 Bactérias alvo: Várias bactérias piógenas (produtoras de pus), incluindo Proteus e Klebsiella.

 Uso: Infecções de feridas e tecidos moles.


Disponibilidade e uso


 Geórgia: O Instituto Eliava, em Tbilisi, é uma das instituições pioneiras na pesquisa e produção de fagos para uso terapêutico.

 Europa Ocidental e EUA: Há pesquisas avançadas, mas o uso ainda é limitado a casos experimentais ou situações emergenciais devido a questões regulatórias.


Importância no combate à resistência bacteriana


Esses medicamentos estão sendo revistos globalmente como alternativas aos antibióticos, especialmente para tratar infecções causadas por bactérias multirresistentes. O uso personalizado de coquetéis de fagos (que combinam múltiplos vírus para atacar diferentes alvos) é uma estratégia comum.


Produtos como o Intestiphage e outros medicamentos fágicos são, na verdade, coquetéis de diferentes bacteriófagos, cada um projetado para atacar uma bactéria específica dentro de um grupo alvo. Essa abordagem é necessária devido à alta especificidade dos fagos, que geralmente infectam apenas determinadas cepas ou espécies de bactérias.


Por que usar coquetéis de fagos?


1. Cobertura ampla: Cada fago no coqueteil é escolhido para atacar uma bactéria específica. Juntos, eles ampliam o espectro de ação do medicamento, cobrindo várias espécies ou cepas de interesse.

2. Prevenção de resistência: O uso de múltiplos fagos reduz o risco de uma bactéria desenvolver resistência, pois seria necessário escapar simultaneamente de todos os fagos no coquetel.

3. Eficácia contra populações bacterianas mistas: Muitas infecções envolvem mais de uma espécie bacteriana (infecções polimicrobianas), o que exige a presença de diferentes fagos para atacar cada patógeno.


Como é feito o coqueteil?


1. Seleção de fagos: São escolhidos fagos que demonstram alta eficácia contra bactérias-alvo comuns em infecções específicas.

 Por exemplo, no caso do Intestiphage, os fagos incluídos são específicos para E. coliShigella spp.Salmonella spp., entre outros.

2. Teste e ajuste: O coqueteil pode ser personalizado com base na resistência da bactéria no paciente. Em muitos casos, o laboratório faz um teste prévio para identificar quais fagos são mais eficazes contra a cepa da bactéria causadora da infecção.


Vantagens dos coquetéis de fagos


 Podem ser usados em tratamentos empíricos (quando a bactéria causadora ainda não foi identificada com precisão).

 Adaptáveis: O coqueteil pode ser ajustado ou substituído se a bactéria desenvolver resistência a um dos fagos.

 Maior eficácia em infecções complexas.


Em resumo, os coquetéis de fagos como o Intestiphage combinam vários vírus para atacar diferentes espécies bacterianas, tornando-os versáteis e eficazes contra um espectro mais amplo de patógenos.





A capacidade de um medicamento de fagoterapia combater todas as espécies de Salmonella spp.depende da especificidade dos bacteriófagos usados no tratamento. Aqui está como funciona:


1. Especificidade dos fagos


Os bacteriófagos geralmente possuem uma especificidade muito alta, podendo infectar:

 Uma espécie bacteriana específica (e.g.Salmonella enterica).

 Apenas algumas cepas dentro de uma espécie (e.g., apenas certas variantes de Salmonella enterica sorovar Typhimurium).

 Um gênero bacteriano mais amplo, se as bactérias compartilham características-alvo semelhantes.


Assim, para cobrir todas as espécies ou sorovares de Salmonella, o medicamento geralmente é um coqueteil de fagos, onde:

 Cada fago é escolhido para atacar um grupo de espécies ou sorovares.

 Fagos adicionais são incluídos para aumentar a cobertura caso surjam variantes resistentes.


2. É possível um único fago atacar todas as Salmonella spp.?


 Raramente. Alguns fagos apresentam um espectro de ação mais amplo e podem infectar múltiplos sorovares de Salmonella. Isso ocorre se essas bactérias compartilharem receptores-alvo comuns, como proteínas na membrana celular ou estruturas específicas.

 No entanto, é improvável que um único fago consiga cobrir todas as espécies e variantes, pois diferenças entre sorovares podem impedir a ligação do fago a receptores específicos.


3. Estratégia comum para Salmonella spp.


Para tratar infecções causadas por Salmonella spp., os medicamentos fágicos geralmente:

 Incluem um coqueteil de vários fagos, cada um direcionado a diferentes sorovares ou cepas.

 São ajustados ou personalizados em casos específicos, baseando-se em testes de laboratório para identificar quais fagos são eficazes contra a variante de Salmonella presente no paciente.


Por exemplo:

 Uma combinação de fagos pode ser eficaz contra S. Typhi (causadora de febre tifoide), S. Typhimurium (causadora de gastroenterite), e outras variantes.


Resumo


Um medicamento fágico para Salmonella spp. geralmente é um coqueteil de múltiplos fagos, cada um altamente específico para diferentes espécies ou variantes. Isso é necessário porque a alta especificidade dos fagos impede que um único fago seja eficaz contra todas as variantes de Salmonella. Contudo, se houver fagos de espectro mais amplo, eles podem ser incluídos para cobrir múltiplos sorovares ao mesmo tempo.



NOTA: Um sorovar, também conhecido como serovar, é uma variante dentro de uma espécie de microorganismo que é distinguida com base nas suas propriedades antigénicas. Basicamente, é uma forma de classificar bactérias, vírus ou outros microorganismos com base nas diferenças nos seus antígenos de superfície.

Esta classificação é especialmente útil em microbiologia para identificar e diferenciar estirpes de patógenos que podem ter diferentes características epidemiológicas ou patogénicas. Por exemplo, no caso da bactéria Salmonella, existem muitos sorovares diferentes, cada um com diferentes capacidades de causar doença em humanos ou animais.

Os sorovares são identificados através de testes serológicos que detectam a presença de antígenos específicos na superfície do microorganismo, permitindo uma identificação mais precisa e ajudando no rastreamento de surtos e no desenvolvimento de estratégias de controlo de doenças.