Leucemia
linfocítica crónica
A
leucemia linfocítica crónica ( LLC ) é a leucemia mais comum nos
adultos, afectando principalmente pessoas do sexo masculino com mais
de 50 anos. Resulta de uma mutação adquirida no linfócito da
medula óssea. Não é uma doença hereditária, mas há algum factor
que propiciona algumas famílias serem mais propensas ao
desenvolvimento da doença, se bem que ainda não foi determinado
esse factor.
A
LLC afecta os linfócitos B originários da medula óssea e que estão
presentes nos nódulos linfáticos.
Leucemia
crónica apresenta como característica a capacidade de manter a
diferenciação do clone neoplásico, resultando no acúmulo de
células malignas na medula óssea e sangue periférico. Apresentam
evolução lenta comparativamente com as leucemias agudas. São
raramente curáveis visto serem resistentes à quimioterapia.
A
LLC é assim uma neoplasia clonal de linfócitos B maduros, mas não
competentes. A LLC é responsável por cerca de 30% das leucemias.
A
LLC parece ser idêntica ao linfoma
linfocítico de pequenas células ( linfoma não Hodgkin ) sendo consideradas, as 2 patologias, como aspectos diferentes da mesma doença e não entidades autónomas.
A
sintomatologia desenvolve-se gradualmente. Os doentes apresentam
maior cansaço e dispneia durante as actividades físicas. Perda de
peso e infecções recorrentes da pele, tracto urinário, pulmões e
outros locais podem aparecer.
A
sintomatologia é geralmente inespecífica e abrange fadiga ou
cansaço, infecções, febre vespertina, sudorese noturna,
emagrecimento que pode ser acentuado ( superior a 10% do peso
corporal em 6 meses ), adenopatias, esplenomegalia e hepatomegalia.
Anemia, que vai agravando com o decorrer da doença, anemia
hemolítica auto-imune Coombs positivo e trombocitopenia podem também
ser observadas.
As
células da LLC têm uma vida média mais prolongada do que os
linfócitos normais, pelo que se pode dizer que a LLC é uma doença
cumulativa ( os linfócitos acumulam-se e não morrem, havendo uma
mais que renovação das células ) mais que proliferativa.
Linfadenopatias vão aparecendo à medida que os linfócitos
patológicos se vão acumulando.
No
hemograma podem haver mais de 70% de linfócitos morfologicamente maturos ( sempre mais de 30% ). Smudge cells aparecem
frequentemente por diminuição da vimentina linfocitária. Os
linfócitos apresentam grande relação núcleo/citoplasma, cromatina
densa e nucléolo pouco evidente. Pró-linfócitos e imunoblastos
podem ser observados.
Alguns
doentes não alteram, ao longo do tempo, o número de leucócitos ou
o aumento é modesto. Estes doentes são de baixo risco e não
precisam de ser tratados durante muito tempo. A doença pode ficar
estabilizada por muitos anos devendo, no entanto, fazer um follow-up
clínico e analítico, regularmente.
No
mielograma observa-se invasão da medula por linfócitos pequenos e
bem diferenciados, com as células mielóides e eritróides em número
que pode ser diminuído.
Teste
de Coombs positivo pode aparecer em casos de anemia hemolítica
auto-imune.
Cerca
de 3% dos doentes com LLC podem evoluir para fase aguda, apresentando
um prognóstico pior e necessitando de um tratamento agressivo.
O
hemograma faz o diagnóstico, que deve ser confirmado com o mielograma
ou biópsia óssea com imunofenotipagem, estudo citogenético e FISH.
O FISH ( hibridização por fluorescência in situ ) é também
utilizado para verificar alterações cromossómicas e para checar a
eficácia do tratamento.
Doseamento
de imunoglobulinas mostra uma diminuição da sua concentração
sérica, podendo estes níveis baixos levar ao aparecimento de
infecção.
Dois
ou três grupos prognósticos de LLC são considerados, baseados no
estado da maturação dos linfócitos identificados pela mutação
genética da cadeia pesada da imunoglobulina – região variável
IgVʜ. Doentes com alto
risco apresentam um padrão imaturo das células com poucas mutações
no DNA no anticorpo IgVʜ
enquanto que doentes com baixo risco mostram considerável mutação
no DNA na região do anticorpo que indica linfócitos maturos.
A
LLC pode transformar-se em uma doença mais agressiva:
- transformação prolinfocitóide em que os linfócitos apresentam características de prolinfócitos e surgem no sangue periférico em valores de 10-55%
- síndrome de Richter em que os linfócitos circulantes são morfologicamente normais mas há atingimento de um ou mais grupos de nódulos e outros órgãos, como fígado, pele, osso ou tracto gastrointestinal, podem ser envolvidos.
A
evolução da doença é muito longa, podendo levar décadas, e
acontece muitas vezes, no estado inicial da doença, não se fazer
qualquer tipo de tratamento, sendo este só iniciado quando sintomas
clínicos ou hemograma o indicarem.
Na
LLC, a formação das células normais na medula óssea processa-se
paralelamente à das células leucémicas ( com DNA danificado e
crescimento lento ) convivendo ambas as populações, e isto explica
a evolução lenta da LLC.
Em
95% das situações, os linfócitos presentes são linfócitos B,
sendo nos restantes 5% ou T ou NK.
Nos
factores de risco para o desenvolvimento da LLC contam-se:
- parentesco: pais, irmãos ou filhos de doentes com LLC apresentam maior probabilidade de adquirir a doença do que a população em geral
- idade: incomum antes dos 50 anos, a incidência aumenta após aquela idade
Crescimento
rápido e isolado dum linfonodo ou agrupamento de linfonodos pode
significar transformação da doença para uma forma mais agressiva,
em geral linfoma de grandes células B mas que pode ser também
leucemia aguda, leucemia a prolinfócitos, linfoma de Hodgkin ou
linfoma T ( síndrome de Richter ).
Anemia
hemolítica, em 10% dos casos, e trombocitopenia, em 5% dos casos,
podem verificar-se.
Na
LLC, em virtude da idade geralmente avançada dos doentes e da
evolução lenta da doença, com sobrevida da ordem dos 15 anos,
muitos doentes nunca precisarão de tratamento, e o início precoce
do tratamento neste tipo de doentes não mostrou aumento da
sobrevivência, podendo mesmo ser prejudicial
Estes
critérios não podem ser utilizados nos estadios iniciais da doença
Actualmente
os estadios estão agrupados em 3 do seguinte modo:
- doença de baixo risco corresponde ao estadio 0
- doença de risco intermédio correspondendo aos estadios 1 e 2
- doença de alto risco correspondendo aos estadios 3 e 4
O
tratamento para o doente de baixo risco não deve ser iniciado
enquanto o doente se sentir bem. Cerca de 6 meses a um ano após o
diagnóstico, haverá uma melhor ideia sobre a evolução da LLC e
essa ideia ajudará a planear o tratamento.
O
médico pode decidir o início do tratamento quando o doente
apresentar um ou mais dos seguintes sinais:
- número de células patológicas mais elevado que no exame anterior
- número de células normais mais baixo que no exame anterior
- nódulos linfáticos aumentaram desde o exame anterior
- baço aumentado comparativamente com o exame anterior
- doente que se sente mais cansado para as actividades diárias normais
O
tratamento tem por objectivo reduzir a invasão, por células
patológicas, dos órgãos, manter os doentes o bem suficiente para a
execução das tarefas diárias e protegê-los das infecções.
O
tratamento é planeado consoante o estadiamento da doença, sendo, para este efeito, tido em conta o número de células patológicas,
adenopatias, hepatomegalia e esplenomegalia, bem como a presença de
anemia e trombocitopenia.
Delecções
cromossómicas associam-se a cursos clínicos diferentes da LLC. A
delecção 13q14 ( no cromossoma 13 ), presente em 50% dos casos, é
a anomalia mais frequente e associa-se a uma sobrevivência média de
133 meses. A delecção 11q22 ( no cromossoma 11 ), que envolve o
gene de reparação do DNA, ATM, associa-se à presença de
adenopatias e tem uma sobrevivência de 79 meses, encontrando-se em
18% dos casos. A trissomia 12, presente em 16% dos casos, associa-se
a atípias morfológicas e de imunofenotipagem dos linfócitos
patológicos, alta taxa de proliferação e estado clínico avançado.
A delecção 17q13 ( que afecta o cromossoma 17 ) está presente em
7% dos casos e envolve o gene p53, apresentando um mau prognóstico,
com sobrevivência de cerca de 32 meses, não respondendo à
terapêutica convencional. 80% dos doentes com a delecção 17q13
apresentam perda da função de p53. Outras mutações podem ocorrer
com menor frequência.
A
expressão CD38 nas células leucémicas foi o primeiro marcador a
ser correlacionado com o estado mutacional da IgVʜ,
mas esta relação não é absoluta e a expressão CD38 pode variar
com o tempo, sendo estes factores ( CD 38 e IgVʜ
) independentes.
ZAP
70, tirosina cinase expressa nos linfócitos T, correlaciona-se com a
ausência de mutação IgVʜ
levando a progressão mais rápida da doença.
Doentes
assintomáticos, no estadio inicial ( Rai 0 ) não necessitam de
tratamento precoce, bem como no estadio intermédio se não forem
detectadas alterações citogenéticas de mau prognóstico. Caso
estas sejam encontradas, o tratamento deve ser iniciado o mais
precocemente possível. Nos estadios intermediários e em doença
avançada, o tratamento deve iniciar-se tão cedo quanto possível.