sexta-feira, março 17, 2023

VEXAS - síndrome reumático-hematológico novo

 

VEXAS . síndrome reumático-hematológico novo

No final de 2020 foi descrito pela primeira vez um síndrome reumático-hematológico raro, ao qual foi atribuída a designação de VEXAS. É uma patologia auto-imune definida pelo genótipo e não pelo fenótipo clínico.

VEXAS é um acrónimo de Vacuolização celular, enzima E1 da ubiquitina, cromossoma X, Autoinflamatória e Somática, que se aplica a uma situação inflamatória severa que ataca tipicamente indivíduos do sexo masculino com mais de 50 anos. Caracteristicamente a situação apresenta-se com extrema fadiga e mal estar, febre sem etiologia aparente e irritação cutânea dolorosa, dispneia, afectando também a medula óssea com leucopenia, trombocitopenia e anemia tipicamente macrocítica.

Devido a ser uma doença causada por mutação no cromossoma X, é uma situação muito mais frequente no sexo masculino, mas a mutação ocorre durante a vida extra-uterina, tipicamente adulta, e por isso não é transmissível nem é uma situação infecciosa.

VEXAS deve ser colocado como hipótese quando há uma sobreposição de sintomatologia inflamatória e hematológica.

A VEXAS é de difícil diagnóstico, fazendo diagnóstico diferencial com patologias como policondrite recidivante, poliartrite nodosa, dermatose neutrofílica febril ou artrite gigantocelular, sendo que a relação entre elas advém da mutação somática UBA 1, um gene ligado à ubiquitinação das proteínas mal dobradas e que se encontra no codon 41 do cromossoma X.


Homens de meia idade com sintomatologia reumatológica, febre periódica, infiltrados pulmonares, dermatite neutrofílica, história tromboembólica venosa e alterações hematológicas como síndrome mielodisplásico, mieloma múltiplo ou gamapatia monoclonal são o principal grupo de risco desta patologia.

Condrite, particularmente das orelhas e do nariz, não atingindo as vias respiratórias nem o torax, é um sinal muito frequente e caractrerístico. É comum os doentes afirmarem que lhes é impossível colocar os óculos no nariz devido à dor que isso lhes causa.

Laboratorialmente observa-se anemia macrocítica com níveis séricos normais de vitamina B12 e ácido fólico, altos títulos de marcadores inflamatórios de fase aguda como VS ( > 65 mm/1ª hora ) ou PCR ( > 55 ng/ml ) e cerca de metade dos doentes apresentam autoanticorpos positivos. Na medula óssea os percursores eritróides e mielóides apresentam vacuolização e observam-se dispoieses e displasias hematológicas. A gasimetria revela hipoxemia.

A taxa de mortalidade do VEXAS é alta sendo que até metade dos doentes diagnosticados não sobrevivem mais de 5 anos após o diagnóstico.

A incidência de VEXAS é de cerca de 6 vezes superior nos homens do que nas mulheres, sendo que se calcula existirem 13200 homens e 2300 mulheres nos USA com a patologia.


Na VEXAS há atingimento inflamatório dos vasos sanguíneos originando vasculites. Apresenta-se também adenopatias e inflamação pulmonar e ocular. Trombocitopenia também ocorre com alguma frequência.

O diagnóstico definitivo de VEXAS é feito pela determinação genética da mutação de UBA 1.

Este síndrome VEXAS é uma patologia causada por uma mutação missense somática das células mielóides no codon 41 do gene UBA 1 localizado no cromossoma X, em que há uma substituição do amino-ácido metionina por uma treonina, valina ou leucina, levando a translação reduzida da isoforma UBA 1b com perda da ubiquitinação e consequente inflamação grave.

Os diagnósticos diferenciais mais frequentes a fazer são de policondrite ( 53 % ), SMD ( 35 % ) e síndrome de Sweet ( 20 % ).

As variantes mais comuns na metionina 41 são a treonina ( pMet41Thr ), valina ( pMet41Val ) e leucina ( pMet41Leu ), sendo esta a ordem de frequência . Foram ainda encontrados raros casos de mutação fora do codon 41.

A mortalidade global é de 27% sendo a sobrevida média de 10 anos após o início da sintomatologia, sendo que a mortalidade é mais frequente na variante da valina ( 50 % ) comparativamente com as outras variantes em que a frequência é de 18 % para a variante leucina e 22 % para a variante treonina. A sobrevivência é de 9 anos para a variante valina que é significativamente inferior às variantes leucina e treonina.

A sobrevivência também é significativamente inferior para os doentes que ficam dependentes de transfusões.

Verifica-se haver uma relação entre genótipo, falência medular e sobrevivência nestes doentes.


Importante na caracterização da VEXAS é o facto de este síndrome ancorar uma mutação somática no codon 41 do gene UBA 1 que é onde se codifica a enzima E1 da ubiquitina.

Foi demonstrado que esta mutação origina uma perda da forma UBA 1 citoplasmática , cujo código inicial é a metionina 41 e não a metionina 1 que é o código de início da forma nuclear da proteína E1. A diminuição da UBA 1 citoplasmática leva a um aumento dos níveis séricos das citoquinas e dessa forma causa efeitos inflamatórios graves.


Mutação somática: mutação ocorrendo na vida adulta; geralmente causa efeitos neutros mas

podem ser benéficos

Mosaicismo: mutação pós-zigótica numa altura precoce do desenvolvimento ou nas gónadas

dos progenitores


VEXAS, estima-se que afecte os rins em cerca de 10 % dos casos originando nefrite intersticial


VEXAS é uma doença genética apresentada sob a forma de mosaicismo o que aponta para o facto de a mutação ter ocorrido num período de vida já tardio ( adulto ). Os doentes com VEXAS não apresentam a mutação em todas as células sendo que parte delas apresenta o gene nativo e outra parte apresenta a mutação. O gene mutado é encontrado nas células da linhagem mielóide que são as responsáveis pela inflamação sistémica e actuam como primeira linha na defesa do organismo contra os agentes infecciosos.


Num doente com condrite do nariz ou orelhas, VEXAS pode ser diagnosticado com acuidade de 96 % quando se encontram os seguintes critérios:

- sexo masculino e

- volume globular médio superior a 100 fl e/ou

- contagem plaquetária inferior a 200000 plaquetas/microlitro



O tratamento do síndrome VEXAS baseia-se na corticoterapia sendo que também se usa terapêutica biológica, como o taxilizumab. Transplante medular é uma opção válida na situação em que a mutação UBA 1 se encontra na medula óssea. Tratamento com inibidores de JAK ou IL-6 tem sido efectuada também.