Fagoterapia e resistência bacteriana aos fagos
Diversos são os mecanismos utilizados pelas bactérias na tentativa de resistirem à acção lisante dos fagos.
Entre os mecanismos utlizados pelas bactérias para a resistência aos fagos estão:
Inibição da adsorção: as bactérias podem adquirir genes capazes de codificar proteínas promotoras de alterações da estrutura e/ou informação tridimensional dos receptores de superfície que o fago utiliza no processo de adsorção. As bactérias também podem sintetizar polímeros estruturais que vão formar uma barreira externa e dessa forma tornam inacessível ao contacto os receptores pelos fagos que assim não conseguem proceder à adsorção. Os fagos, por seu turno, podem sofrer mutações capazes de contornar estas situações através do reconhecimento e degradação destes polímeros. As bactérias, na tentativa de impedir a adsorção por parte dos fagos, podem ainda sintetizar moléculas inibidoras competitivas por serem capazes de se ligarem aos receptores fágicos que assim ficam indisponíveis para os fagos.
Inibição da entrada do DNA do fago no interior da bactéria: alguns profagos são capazes de codificar o sistema Sie, que não é mais que um conjunto de proteínas ancoradas à membrana ou associadas a componentes da membrana com a função de impedirem a penetração do DNA do fago na bactéria. Há vários sistemas Sie identificados, como por exemplo o sistema Sie do fago T4 codificados pelos genes imm e sp, que sendo sistemas Sie diferentes actuam sinergicamente na obstrução de transferência de DNA viral para a bactéria. Imm actua promovendo a alteração da conformação do local de entrada do DNA do fago enquanto que o gene sp é responsável pela codificação duma proteína de membrana inibidora da lisozima T4 que se encontra na extremidade da cauda do fago e que desta forma impede a degradação de peptideoglicano bacteriano.
Clivagem dos ácidos nucleicos do fago: esta clivagem pode ser efectuada por diversas formas, sendo que vários sistemas estão envolvidos, nomeadamente:
- sistemas de restrição-modificação ( R-M ): as bactérias, numa tentativa de protecção de genomas desconhecidos, possuem vários sistemas R-M. A presença de DNA viral não metilado, pode estimular 2 reacções distintas: se as enzimas de restrição estiveram presentes em maior quantidade do que as enzimas de metilação, estas catalizam a clivagem de genoma do fago e o ciclo de vida do fago termina; no caso das enzimas de metilação superarem as de restrição, o DNA do fago é metilado e a clivagem não se processa, possibilitando a continuação do ciclo de vida e assim a infecção das bactérias pelos fagos.
A eficiência do sistema R-M e a quantidade de locais de reconhecimento da endonuclease presentes no DNA são directamente proporcionais, pelo que é possível aos fagos ultrapassarem este facto através da ausência de locais de reconhecimento no genoma viral.
Os fagos T7 e T3, quando injectam o genoma no interior da célula infectada, expressam uma proteína capaz de interagir e causar inibição de enzimas do sistema R-M o que leva ao não desempenho da sua função.
Outra possibilidade existente é a capacidade da bactéria em adquirir um gene codificador da síntese de uma metilase que mimetiza a metilase bacteriana ( estão neste caso Streptococcus spp e E. coli ). Desta forma, as bactérias desenvolvem sistemas dependentes da modificação ( MDSs ) que degradam o DNA do fago seja metilado ou hidroximetilado. Mesmo estas defesas bacterianas podem ser ultrapassadas por vírus.
- sistemas CRISPR-Cas: o locus CRISPR encontra-se em 40-70% de bactérias, a que se associa os genes de Cas que na sua terminação apresenta uma zona promotora da transcrição. Algumas bactérias, no seu contacto inicial com um fago, adquirem uma sequência do ácido nucleico do fago e integram-na no genoma bacteriano. Com esta informação genética viral mantida no loci CRISPR-Cas a bactéria adquire defesas contra o fago que são desencadeadas em contactos futuros, funcionando como que um sistema imunológico adquirido da bactéria. Este mecanismo de defesa bacteriano é facilmente ultrapassado pelo fago através duma mutação ou deleção de algum nucleotídeo seu.
- sistema de infecção abortiva ( Abi ): estes sistemas actuam na replicação, transcrição, tradução ou empacotamento do DNA do fago. Este sistema apresenta-se maioritariamente nos lactococcus mas também podem surgir em bactérias gram negativo como E.coli, Vibrio cholerae e Shigella dysenteriae.
- sistema toxina-antitoxina ( TA ): este sistema, presente em muitas bactérias, consiste da associação de um gene codificador de uma toxina e um gene que antagoniza o efeito da toxina. Estes sistemas toxina-antitoxina actuam nos mecanismos de morte programada, resposta ao stress e fazem parte do sistema de infecção abortiva sendo activadas em resposta à infecção viral.
Imunogenecidade
O sistema imunitário inato, em sinergia com a acção dos anticorpos, é o responsável pela eliminação rápida dos fagos séricos, o que acarreta uma diminuição da eficácia da fagoterapia.
A resposta imunitária é variável e influenciada por factores como o tamanho, número e características físico-químicas dos epítopes virais. Dada a resposta imunitária ser dose-dependente, para ser retardado o clearance dos fagos circulantes, a administração das doses deve ser reduzida.
Apesar da produção dos anticorpos não se processar de modo imediato, estes podem ser detectados no soro ainda antes da fagoterapia se ter iniciado, podendo isto relacionar-se com a ampla distribuição dos fagos no ambiente, o que torna altamente provável haver um contacto prévio.
Para uma segurança superior na fagoterapia, na presença de anticorpos séricos deve ser feita a administração de uma dose superior capaz de compensar a fracção que será neutralizada ou usar-se um diferente fago com um espectro de acção semelhante.