sábado, fevereiro 23, 2013

Faecalibacterium prausnitzii


Faecalibacterium prausnitzii


Faecalibacterium prausnitzii ( antes chamada de Fusobacterium prausnitzii ) é uma das bactérias comensais intestinais mais abundantes no cólon saudável. A Faecalibacterium prausnitzii contribui, conjuntamente com Bacteroides thetaiotaomicron e Eubacterium eligens, para a fermentação da pectina da maçã no cólon, mas não a pectina cítrica. A Faecalibacterium prausnitzii utiliza ácido urónico para o crescimento, uma capacidade que se pensava ser exclusiva dos Bacteroides spp entre os anaeróbicos colónicos humanos.
Estas bactérias são sensíveis ao oxigénio. A concentração relativa da Faecalibacterium prausnitzii apresenta-se diminuída nas doenças inflamatórias intestinais, e particularmente na doença de Crohn. Na doença de Crohn, principalmente nos casos de acometimento ileal, verifica-se uma disbiose, apresentando-se uma prevalência de Firmicutes diminuída, frequentemente com aumento paralelo de Proteobacteria. A diminuição dos Firmicutes é devida em parte à diminuição da abundância de Faecalibacterium prausnitzii. Esta diminuição de Faecalibacterium prausnitzii verifica-se também no cancro colorretal.
Faecalibacterium prausnitzii é uma das principais fontes de ácido butírico no cólon, e os múltiplos efeitos do butirato, como fonte preferencial de energia para os colonócitos e sobre a apoptose, inflamação e stress oxidativo, são geralmente considerados benéficos para a saúde intestinal. Faecalibacterium prausnitzii tem efeitos anti-inflamatórios apreciáveis.

Faecalibacterium prausnitzii tem o crescimento dificultado pela diminuição do pH, e o mesmo se verifica na presença de sais biliares. Na verdade, a concentração de sais biliares no lúmen colónico é um factor importante, que pode restringir a população de Faecalibacterium prausnitzii nos locais onde a concentração de bilis é mais alta, nomeadamente no intestino delgado. As melhores taxas de crescimento do Faecalibacterium prausnitzii verificam-se a pH de 6.7 e o crescimento é inibido a pH de 5.75. Concentrações de sais biliares acima de 0.5 %  impedem o crescimento da Faecalibacterium prausnitzii.
O principal produto produzido pela fermentação da pectina pela Faecalibacterium prausnitzii é o butirato.

Faecalibacterium prausnitzii é uma bactéria imóvel, produtora de butirato, formato e lactato, mas não hidrogéneo, como produtos da fermentação que realiza. De referir que apenas produz d-lactato e não l-lactato.
Embora fenotipicamente Gram negativo, Faecalibacterium prausnitzii é geneticamente relacionado com os clostrídios Gram positivos, pertencendo, de facto, aos Clostridium grupo IV. Esta relação filogenética só foi descoberta com o advento da era molecular.
Faecalibacterium prausnitzii é um bacilo anaeróbio estrito, imóvel que hidroliza a frutose, frutooligossacarídeos, amido e inulina. Não utiliza arabinose, melibiose, rafinose, rhamnose, ribose e xilose. Utiliza acetato ( ao contrário dos outros Fusobacterium spp que produzem acetato, e que é mais uma evidência de serem um grupo diferente daquele a que Faecalibacterium prausnitzii pertence, a que se adiciona o conteúdo de G + C do DNA que na Faecalibacterium prausnitzii é de 47-57 mol % enquanto que nas Fusobacterium spp é de 26-34 mol % ) e produz dióxido de carbono mas não hidrogéneo. É capaz de hidrolizar arginina e histidina, mas não prolina, leucina-glicina, fenilalanina, leucina, tirosina, alanina, serina, ácido piroglutâmico e ácido glutamilglutâmico e glicina. Os principais produtos da fermentação da glucose são o formato, butirato e d-lactato mas não l-lactato.
A produção de butirato e d-lactato pela Faecalibacterium prausnitzii é de importância significativa devido ao papel que o butirato joga como fonte de energia dos colonócitos, e na prevenção de colite e cancro colorretal. Já a produção de d-lactato pode ser de importância significativa em vista dos efeitos potencialmente tóxicos de acúmulo de d-lactato na via sanguínea.
Faecalibacterium prausnitzii é uma bactéria comensal, pertencente à microbiota intestinal, com potencialidades anti-inflamatórias e que se relaciona com o aparecimento da doença de Crohn. Uma diminuição da abundância e da biodiversidade das bactérias intestinais do phylum Firmicute tem sido, repetidamente, observado em doentes com doença de Crohn. Dentre os Firmicutes, observa-se que a diminuição da Faecalibacterium prausnitzii está associada a um maior risco de recorrência ileal da doença de Crohn.

Estimulação de mononucleares do sangue periférico pela Faecalibacterium prausnitzii levou a abaixamento significativo da IL-12 e γ-interferão e secreção mais elevada de IL-10. Administração oral de Faecalibacterium prausnitzii reduz marcadamente a colite e corrige a disbiose associada. Faecalibacterium prausnitzii exibe efeitos anti-inflamatórios parcialmente devido à secreção de metabolitos capazes de bloquear a activação do NF-kB e a produção de IL-8. Isto sugere que a utilização de Faecalibacterium prausnitzii, como probiótico, é uma medida promissora na estratégia terapêutica da doença de Crohn.
A recorrência endoscópica da doença de Crohn está associada a uma menor proporção de Faecalibacterium prausnitzii na microbiota intestinal. A hipótese de que a remissão da doença de Crohn está estreitamente associada à presença de Faecalibacterium prausnitzii é uma hipótese muito plausível, assentando nos dados actuais.
Faecalibacterium prausnitzii exerce efeitos anti-inflamatórios sobre as células mononucleares do sangue periférico. Também se verificou que os Lactobacillus salivaris apresentam efeitos anti-inflamatórios in vivo bem documentados. Pelo contrário, Lactobacillus acidophilus e Lactobacilus lactis, bem como a E.coli TG1 não apresentam efeitos anti-inflamatórios.
Faecalibacterium prausnitzii, bem como L.sallivaris, são muito fracas indutoras das citoquinas pro-inflamatórias/Th1 ( como as citoquinas IL-12 e γ-interferão ) e fortes indutoras da IL-10, uma citoquina anti-inflamatória. A razão IL-10/IL-12 é utilizada frequentemente para distinguir entre estirpes que exibam acção anti-inflamatória ( razão elevada ) das que exibem acção pro-inflamatória ( razão baixa ). Faecalibacterium prausnitzii exibe a mais elevada razão de entre todos os probióticos.
Sobrenadante preparado de Faecalibacterium prausnitzii reduz a secreção da IL-8 pelas células Caco-2 e tem capacidade de abulir a activação do NF-kB em linhas celulares Caco-2. Este sobrenadante não apresenta qualquer efeito antibacteriano.
Tanto o sobrenadante como a Faecalibacterium prausnitzii induzem um aumento da secreção de IL-10 e uma diminuição de α-TNF e IL-12. Também a disbiose é contrabalançada pelo sobrenadante e pela Faecalibacterium prausnitzii.

Está comprovado que os componentes microbianos da microbiota intestinal residente podem regular a inflamação intestinal.
Faecalibacterium prausnitzii é uma forte bactéria anti-inflamatória intestinal. Esta bactéria parece ser essencial para a homeostasia intestinal . Faecalibacterium prausnitzii altera a actividade do NF-kB induzida pela IL-1β e o seu sobrenadante tem a capacidade de abolir mesmo essa actividade. Este efeito sobre o NF-kB não é devido ao butirato.
Faecalibacterium prausnitzii pode dirigir a resposta imune através da inibição da via do Th1. Faecalibacterium prausnitzii associa-se a um decréscimo da síntese de citoquinas colónicas pro-inflamatórias ( IL-12, γ-INF ) e uma indução das citoquinas anti-inflamatórias ( IL -10 ).

Na doença de Crohn verificou-se uma diminuição das bactérias do phylum Firmicutes, especialmente da Faecalibacterium prausnitzii, e verificou-se que o sobrenadante das culturas destas bactérias tem propriedades anti-inflamatórias. Os níveis totais de Faecalibacterium prausnitzii, tanto antes como depois do tratamento, verificaram-se ser inferiores em doentes com doença de Crohn, comparativamente com controlos normais. Não se verificou correlação entre a abundância de Faecalibacterium prausnitzii e a severidade da doença de Crohn antes do tratamento.
A doença de Crohn é uma doença auto-imune, em que há um ataque imunológico dirigido às bactérias comensais do cólon. A cobertura das bactérias colónicas pelas imunoglobulinas aproxima-se dos 100% na doença de Crohn activa, comparando com cerca de 20% em pessoas saudáveis e indivíduos com síndrome de colon irritável. Após alimentação entérica esta cobertura diminui rapidamente.
Algumas bactérias da microbiota intestinal normal produzem butirato, como é o caso da Faecalibacterium prausnitzii. O butirato é a fonte de energia principal para os colonócitos, e também possui propriedades anti-inflamatórias e anticarcinogéneas. Devido ao butirato ser a principal fonte energética dos colonócitos, a diminuição dos Firmicutes, e particularmente Faecalibacterium prausnitzii, na doença de Crohn é um dado importante para o tratamento desta doença, dado que a diminuição verificada de Faecalibacterium prausnitzii leva a uma diminuição de ATP, derivado do butirato intracelular das células do epitélio intestinal. Concomitantemente, e devido à perda dos agentes anti-inflamatórios que derivam da Faecalibacterium prausnitzii, há uma diminuição da capacidade dos colonócitos combaterem infecções. Por estes 2 motivos, a terapêutica por recolonização com Faecalibacterium prausnitzii é justificada.


A microbiota intestinal é um complexo ecossistema que influencia de modo decisivo a imunorregulação do hospedeiro, concedendo protecção contra a colonização de patogéneos e produzindo ácidos gordos de cadeia curta como fonte principal de energia para os colonócitos.
A microbiota intestinal também produz ácidos gordos de cadeia curta através do metabolismo de substancias fermentáveis, tais como as fibras da dieta. Estes ácidos gordos de cadeia curta estimulam a absorpção da água pelo cólon e o butirato é a principal fonte de energia dos colonócitos. O butirato promove o crescimento dos colonócitos, prevenindo a atrofia da mucosa e diminui o risco de malignização no cólon, sendo assim benéfico para a integridade da função barreira da mucosa colónica. Faecalibacterium prausnitzii e Roseburia spp são as principais bactérias comensais colónicas produtoras de butirato pela fermentação do lactato. Assim a resistência à colonização e a produção de ácidos gordos de cadeia curta são importantes funções da microbiota intestinal. Por acções diversas, como antibioticoterapia ou redução da biomassa fermentável, a capacidade da microbiota em exercer estas acções é reduzida. A principal fonte de biomassa fermentável são as fibras dietéticas.
A redução da contagem total de bactérias e da produção dos ácidos gordos de cadeia curta é, parcialmente, neutralizada pela adição de fibras e frutooligossacarídeos à dieta. Em dietas livres de fibras, a concentração de butirato verificou-se sofrer uma redução.
O butirato correlaciona-se bem com a dieta livre ou suplementada em fibras. Verificou-se haver forte correlação entre Faecalibacterium prausnitzii e a produção de butirato durante uma dieta normal, e verifica-se uma redução de Faecalibacterium prausnitzii quando se muda para uma dieta livre de fibras ou para uma dieta líquida suplementada por fibras com consequente redução do butirato fecal. Bifidobacteria aumentam em proporção durante a instituição de uma dieta contendo fibras nas quais frutooligossacarídeos estejam presentes. Isto pode explicar porque a concentração de acetato é aumentada comparativamente com as dietas livres de fibras, uma vez que as Bifidobacteria são os principais produtores de acetato. Outras bactérias responsáveis pela produção de butirato, como as Roseburia spp, são associadas a fibras insolúveis e fermentam-nas como fonte energética.
Baixas quantidades de fontes primárias de energia ( ex.: butirato ) para os colonócitos podem resultar em diminuição da integridade da barreira intestinal.


Verificou-se que uma dieta livre de fibras ou suplementada de fibras, onde as fibras de ervilha constituem a fracção principal de fibras insolúveis, é acompanhada por números menores de Faecalibacterium prausnitzii e Roseburia spp que se correlacionam com concentrações mais baixas de butirato fecal.
Constactou-se que a recorrência endoscópica das lesões da doença de Crohn estão bem correlacionadas com uma proporção reduzida de Faecalibacterium prausnitzii. A Faecalibacterium prausnitzii exerce os seus efeitos anti-inflamatórios nas células mononucleares do sangue periférico. Faecalibacterium prausnitzii tem o mais alto poder de indução das IL-10 e o mais alto poder de inibição das IL-12, γ-interferão e α-TNF, em comparação com as outras bactérias comensais do cólon. O sobrenadante da Faecalibacterium prausnitzii inibe fortemente a activação do NF-kB ( factor nuclear do activador das cadeias leves da células B ), um potente pró-inflamatório.
Está perfeitamente estabelecida a capacidade da microbiota residente colónica poder regular a inflamação intestinal.
Faecalibacterium prausnitzii exibe efeitos anti-inflamatórios parcialmente devido aos metabolitos secretados bloqueadores da activação do NF-kB e secreção de IL-8. Além disso, verifica-se haver uma diminuição da síntese de citoquinas pró-inflamatórias colónicas e um aumento das citoquinas anti-inflamatórias ( IL-10 ). Contrabalançando a disbiose, pela utilização de Faecalibacterium prausnitzii, parece ser uma promissora estratégia terapêutica para a doença de Crohn.

Faecalibacterium prausnitzii tem a capacidade de transferir electrões extracelularmente para o oxigénio, em sistemas contendo flavinas e tióis. Dado que esta transferência estimula fortemente o crescimento Faecalibacterium prausnitzii pode utilizar riboflavina como mediador de transferência de electrões, extracelular, para o ánodo do sistema celular de combustível microbiano. A riboflavina medeia a oxidação electroquímica das principais bactérias redutoras de NADH.
Faecalibacterium prausnitzii é um componente integral da balança anti-inflamatória na saúde e a sua redução pode contribuir, directamente, para promover o estado de doença. Bacteroides fragilis é um microorganismo capaz de iniciar o processo inflamatório intestinal , mas também dirige a resposta imunológica anti-inflamatória. Componentes individuais da microbiota podem assim apresentar comportamentos distintos consoante as condições em que se apresentam.


Actualmente tem-se por adquirido que a microbiota intestinal é considerada como o pivot na patogenia da doença inflamatória intestinal. A DII no adulto associa-se a alterações microbianas e a uma diminuição da diversidade bacteriana. Faecalibacterium prausnitzii parece ter um papel protector na doença de Crohn estabelecida.
A microbiota joga um papel fundamental na imunidade celular e no metabolismo da energia, tendo sido implicada na patogénese de doenças autoimunes não gastro-intestinais, síndrome da fadiga crónica, obesidade, alterações neuropsiquiátricas, PTI e outras doenças.

Transplante de microbiota fecal, é um procedimento terapêutico que consiste em transplantar material fecal directamente no indivíduo a receber o transplante, seja por enema, coloscopia ou mesmo por via oral misturado com alimento. Apenas um caso foi descrito, até ao momento, para o tratamento da doença de Crohn, caso esse refratário à prednisona e salazopirina, tendo respondido, em 3 dias, ao tratamento com transplante de microbiota fecal, permitindo a descontinuação da medicação anterior e mantendo-se em fase de remissão há mais de 18 meses. A remissão pode, no entanto, obrigar a múltiplos transplantes de microbiota intestinal.
Nos doentes com doença de Crohn verificou-se que o CDAI, a PCR e a VS eram significativamente inferiores e a albuminemia significativamente superior naqueles doentes com Faecalibacterium prausnitzii em concentrações mais elevadas, comparativamente com os que as apresentam em concentrações menores. Verificou-se também que as comunidades bacterianas fecais nos doentes de Crohn são diferentes comparativamente com os indivíduos saudáveis, constatando-se uma diminuição da classe Clostridium, incluindo o género Faecalibacterium. A diversidade bacteriana colónica é significativamente diminuída.
A diminuída abundância da classe Clostridium, incluindo Faecalibacterium prausnitzii, pode traduzir-se numa redução da actividade anti-inflamatória na mucosa, mediada pelas bactérias comensais, que é relevante na fisiopatologia da doença de Crohn.


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