terça-feira, junho 02, 2015

Procalcitonina: biomarcador inflamatório

Procalcitonina: biomarcador inflamatório


Tanto no diagnóstico como na estratificação de risco, monitorização da resposta à antibioterapia bem como na decisão da prescripção ou suspensão da terapêutica com antibióticos, os biomarcadores podem apresentar uma utilidade muito grande.


Determinações seriadas dos biomarcadores fornecem muito mais informações do que uma determinação isolada, uma vez que os biomarcadores não são estáticos mas sim dinâmicos, tendo marcadas variações de concentração em resposta a estímulos inflamatórios diversos, em particular infecções bacterianas. Sendo assim, demonstrou-se que a monitorização diária da PCR é muito útil como sentinela de infecções nosocomiais que tenham sido adquiridas nos 5 dias que antecedem o diagnóstico. Verificou-se que uma elevação contínua ou valores elevados de PCR de forma persistente, associam-se a risco alto de desenvolver uma infecção. Já, pelo contrário, concentrações a diminuirem ou repetidamente baixas se associam a um risco de infecção baixo.
Uma variação diária máxima da concentração do PCR superior a 4.1 ng/ml é um marcador sentinela de infecção muito válido, apresentando uma sensibilidade da ordem dos 92.1% e uma especificidade de cerca de 71.4%; se a concentração de PCR variar mais que 8.7 ng/ml diariamente, a sensibilidade mantêm-se na ordem dos 92.1% mas a especificidade sobe para os 82.1%.
Verificou-se que o aumento da concentração de PCR é superior, de forma muito significativa, nas infecções por Gram negativos comparativamente com aquelas a Gram positivos. Não se verifica com a PCT esta capacidade de prever uma infecção anteriormente à instalação da sintomatologia, não sendo assim a PCT um biomarcador precoce.

As citoquinas sintetizam-se como resposta a um estímulo, não estando armazenadas nas células secretoras. Quando as citoquinas são libertadas, têm uma semi-vida curta limitada à sua actividade biológica.



A procalcitonina, ou PCT, é um peptídeo com propriedades de hormona e citoquina, designada por isso de hormoquina, formada por 116 aminoácidos e 13 kDa, precursor da calcitonina, uma hormona hipocalcemiante, que faz parte da família das proteínas denominadas CAPA, sendo codificada no cromossoma 11 pelo gene Catc-1, sendo em condições fisiológicas produzida pelas células C da tiróide.


A procalcitonina é formada por 3 regiões, sendo uma região a aminoterminal ( denominada de amino-procalcitonina ), a região média denominada de calcitonina e uma região carboxiterminal, chamada de katacalcina. Liga-se ao N-terminal uma região formada por 6 amino-ácidos sendo que todo o péptideo, de 122 amino-ácidos, se designa de pré-procalcitonina.

Katacalcina, uma protease, tem a propriedade de transformar a procalcitonina em calcitonina. A síntese da PCT, em situações patológicas, e nomeadamente nas infecções bacterianas, efectua-se nos macrófagos, monócitos, fígado principalmente, e em menor grau nos pulmões e pâncreas.
É desconhecida a função da hiperprocalcitoninemia nas situações de sépsis. Tal como a PCR, a PCT também é um marcador de fase aguda. A PCT, mediador secundário da inflamação, é capaz de aumentar e amplificar a resposta inflamatória na sépsis mas não consegue iniciar essa resposta. A PCT sérica ronda as concentrações de 0.01 ng/ml em situações normais, tendo uma semi-vida de 24 horas ( em casos de patologia renal grave a semi-vida da PCT pode chegar a 35 horas ). A PCT não mostra ter acção no metabolismo do fósforo ou do cálcio, podendo ser reguladora de citoquinas ou metabolito endógeno anti-inflamatório não esteróide.
A cinética da PCT no soro mostra que após o estímulo infeccioso bacteriano, particularmente endotoxinas bacterianas, a concentração de PCT sobe após 4 horas, atingindo o pico às 8-12 horas e se mantém 24 horas, após as quais se inicia a diminuição da concentração sérica de PCT, caso o estímulo infeccioso cesse, atingindo os valores basais 2-3 dias depois
Nos casos de sépsis podem ser encontradas concentrações de PCT séricas da ordem dos 1000 ng/ml. A concentração urinária da PCT varia num largo intervalo. A PCT é eliminada fundamentalmente por proteólise, havendo também alguma eliminação renal mas minoritária ( cerca de 1/3 da concentração plasmática ) pelo que se verifica que a função renal não influencia muito na excreção e os níveis séricos da PCT não dependem muito da reserva renal.





Verifica-se, que a PCT tem um valor muito substancial no diagnóstico de muitas patologias, nomeadamente:
  • sépsis
  • pneumonias bacterianas nosocomiais e comunitárias
  • exclusão de bacteriémia em pacientes febris
  • reconhecimento de complicações infecciosas de doenças auto-imunes e vasculites
  • diagnóstico de endocardite infecciosa
  • diagnóstico de infecção em neoplasias
  • diagnóstico de infecção em cirrose
  • diagnóstico de infecção em pancreatite aguda grave
  • diagnóstico de infecção em SIDA
  • diagnóstico de infecção em neutropenias
  • diagnóstico de infecção nos transplantes
  • diagnóstico de infecção no pós-operatório de peritonite
  • diagnóstico de infecção no pós-operatório cardiotoráxico
  • previsão de complicações pós-operatórias
  • diagnóstico diferencial entre meningite bacteriana ou viral grave comunitária
  • diagnóstico diferencial entre infecção bacteriana e viral no recém-nascido e nas crianças febris
  • diagnóstico diferencial entre SRIS de origem infecciosa e a sépsis
  • valorizar o prognóstico da disfunção multiorgânica, servindo de indicador da gravidade das infecções
  • valorizar o prognóstico de SRIS


No diagnóstico e terapêutica das pneumonias e infecções respiratórias baixas adquiridas na comunidade, tanto a PCR como a PCT são testes com grande capacidade de auxílio, ajudando na decisão de excluir a antibioterapia quando esta não é necessária.
A concentração de PCT pode elevar-se por estímulos pró-inflamatórios outros que as infecções bacterianas, nomeadamente α-TNF, IL-2 ou IL-6.
A interpretação dos resultados da concentração da PCT para o diagnóstico de infecções requer alguma cautela, principalmente em casos de queimaduras graves, primeiros dias de evolução de grandes traumatismos, situações de insuficiência renal e quando se está a fazer terapêutica com anticorpos monoclonais, situações estas em que pode ser verificada uma subida da concentração da PCT sem que haja infecção. A concentração da PCT também é significativamente influenciada por técnicas de depuração extra-renais.
As células eucarióticas desenvolveram um conjunto de respostas de stress sendo que a resposta de fase aguda é uma delas. O fígado é o local de síntese de muitas das proteínas de fase aguda que são reguladas por citoquinas e hormonas. A PCR é induzida pela IL-6 principalmente, ainda que α-TNF, IL-1β e γ-interferão também exerçam alguma acção na síntese daquela proteína de fase aguda, sendo desta forma a síntese da PCR um reflexo da produção de citoquinas pró-inflamatórias.




No diagnóstico de sépsis em crianças ou adultos, assim como em complicações infecciosas de diversas patologias, tem-se usado a PCR. A PCR tem uma especificidade limitada sendo que geralmente situações infecciosas não virais cursam com concentrações de PCR mais altas.
A cinética da PCR é lenta, sendo que atinge o pico de concentração às 48 horas após o estímulo patológico se fazer sentir, com o início de subida da concentração dando-se às 12 horas ( quando o PCT já está no seu pico ).
O fígado, pela acção da IL-6 fundamentalmente, inicia a produção da PCR, proteína de fase aguda, 4-6 horas após o estímulo inflamatório se fazer sentir, duplicando a concentração a cada 8 horas até atingir o pico de concentração às 36-50 horas. A PCR tem uma semi-vida de 19 horas pelo que após a remoção do estímulo diminui rapidamente a concentração sérica.
A concentração sérica da PCR aumenta sempre na presença de um estímulo inflamatório, exceptuando-se situações de insuficiência hepática muito grave, dependendo a concentração sérica unicamente da intensidade do estímulo e velocidade a que o fígado a sintetiza, sendo que a doença de base ou intervenções terapêuticas como técnicas de depuração extra-renal não têm influência sobre a concentração sérica da PCR ( situações de LES ou artrite reumatóide cursam com concentrações séricas baixas de PCR ).






A concentração sérica da PCR não reflete sempre a gravidade da situação patológica ou presença de disfunções orgânicas. Após a remoção do estímulo inflamatório, a síntese hepática da PCR prossegue durante alguns dias e assim a concentração sérica da PCR pode estar alta mesmo quando já há remissão da infecção.
Na exclusão do diagnóstico de sépsis, a PCT revelou-se apenas levemente superior a outras determinações de reagentes de fase aguda. Na comparação com a PCT, a PCR apresenta como vantagem ser mais barata, haver uma maior acessibilidade, ser bastante simples e a sua determinação é muito mais rápida. No entanto, a PCR, e não a PCT, também é induzida por situações inflamatórias de outra etiologia que não infecciosa, infecções bacterianas minor ou infecções virais. Conclui-se assim que a PCR é mais sensível mas menos específica que a PCT.



Ainda há alguma controvérsia sobre os valores limites de concentração de PCT sérica, para diagnóstico e prognóstico, mas podemos considerar que concentrações superiores a 2 ng/ml apontam para possível infecção bacteriana e concentrações inferiores a 0.5 ng/ml excluem essa situação. Os valores da concentração sérica  da PCT acompanham o agravamento da situação do doente havendo uma maior probabilidade de presença de sépsis grave ou disfunção multiorgânica e consequente maior mortalidade.
Infecção sistémica secundária a infecção bacteriana é o estímulo principal para a produção de PCTA concentração da PCT sérica sobe em casos de sépsis, choque séptico e inflamação sistémica de diferentes etiologias, como falência multiorgânica. Parasitoses como a malária e infecções fúngicas também se acompanham de aumento da concentração sérica da PCT.
Concentrações séricas de PCT normais são observadas em casos de infecções bacterianas localizadas a um órgão ou tecido e sem manifestações sistémicas, podendo, excepcionalmente, apresentarem ligeiro aumento, raramente superando 2 ng/ml. A concentração sérica da PCT também é muito pouco ou nada aumentada em casos de viroses ou inflamações não infecciosas. A concentração plasmática da PCT correlaciona-se estreitamente com o tipo de infecção em causa e a sua extensão e, particularmente, com as manifestações a nível sistémico da reacção inflamatória secundária à infecção.
No choque séptico bem como em estados complicados de sépsis com disfunção multiorgânica apresentam concentrações de PCT muito elevadas. 
A especificidade da PCT no diagnóstico diferencial entre sépsis severa ou choque séptico é muito grande, não sendo no entanto capaz de diferenciar SRIS e sépsis. No SRIS, a concentração da PCT é inferior à verificada nas situações de sépsis, podendo atingir o valor de 2 ng/ml em cirúrgias ou traumatismos. 
Na monitorização de doentes com infecções sistémicas activas e sua avaliação prognóstica pode usar-se a PCT. Concentrações de PCT em subida ou persistentemente altas indicam que a infecção se mantém e sugerem mau prognóstico. Se os valores das concentrações de PCT se apresentam em queda isso sugere que a infecção se encontra bem controlada e o prognóstico é favorável. 
Os valores das concentrações da PCT nos recém-nascidos são diferentes das encontradas nos adultos, atingindo-se os valores de adulto aos 3 dias de idade. A PCT pode ser usada no diagnóstico de sépsis de recém-nascido, tendo-se de ter em atenção que os valores de referência são diferentes.


Concentrações séricas de PCT em recém-nascidos

Para além do emprego de PCT nos casos de sépsis, também se utiliza aquele marcador em:
  • meningite:  o doseamento da PCT sérica na meningite bacteriana mostra-se um bom marcador com muita utilidade no diagnóstico diferencial entre meningite bacteriana e viral, com um valor médio, no caso da meningite bacteriana, de 61 ng/ml; para um cut off de 5 ng/ml, apresenta uma sensibilidade de 94% e uma especificidade de 100%
  • pielonefrite: diagnóstico diferencial entre pielonefrite e infecção urinária baixa pode ser feito com o recurso ao doseamento da concentração sérica da PCT, verificando-se que nas infecções baixas o valor da PCT é normal sendo observada uma concentração sérica de PCT  da ordem dos 5 ng/ml na pielonefrite; tem uma sensibilidade da ordem dos 70% e uma especificidade de 83%
  • pancreatite:  observam-se valores altos das concentrações séricas da PCT nas pancreatites infectadas enquanto que nos casos de pancreatites estéreis a concentração da PCT se encontra dentro dos valores referência; enquanto na pancreatite crónica a concentração sérica da PCT pode atingir o valor de 6.9 ng/ml, já nas pancreatites biliares esses valores podem ser extremamente altos, da ordem dos 60 ng/ml e nas pancreatites tóxicas a concentração sérica da PCT não ultrapassa 1 ng/ml
  • doentes cirúrgicos: os valores da concentração sérica da PCT podem subir nos dias que se seguem a essa intervenção; não se verificam subidas da concentração sérica da PCT nos pós-operatórios de pequenas cirúrgias assépticas mas o valor da PCT sérica pode subir até concentrações da ordem dos 2 ng/ml nos pós-operatórios de grandes cirúrgias, podendo mesmo atingir valores de 5.7 ng/ml; os níveis da PCT baixam após 3 dias da operação cirúrgica e assim podemos concluir que concentrações elevadas ou em subida são indicador de potenciais complicações, sendo desta forma de aconselhar fazer doseamentos seriados consoante o tipo de intervenção cirúrgica em causa
  • politraumatizados: nas situações de traumatismos a concentração sérica da PCT é um marcador de risco, muito útil, podendo haver concentrações da ordem dos 5 ng/ml; o pico da concentração observa-se às 12-24 horas pós-traumatismo sendo que concentrações séricas de PCT superiores a 2 ng/ml às 12 horas pós-trauma são um forte indicador de prognóstico negativo
  • SDRA: a concentração sérica da PCT varia com a etiologia do SDRA sendo que se a etiologia for bacteriana o valor é da ordem dos 5 ng/ml enquanto que se as toxinas forem a causa etiológica, o valor da concentração sérica da PCT é mais baixa, da ordem dos 3 ng/ml
  • transplantes:  infecções sistémicas com uma evolução de poucas horas cursam com valores de concentrações séricas de PCT significativamente elevadas; fazem supor estarmos em presença de sépsis ou infecções bacterianas graves a presença de concentrações séricas de PCT superiores a 10 ng/ml, sendo que nas situações de etiologia viral ou nos casos de rejeição do transplante, a concentração da PCT não sofre alteração
  • processos não bacterianos: com excepção de patologias como tumores ( carcinoma medular de células C da tiróide, carcinoma bronquial ou pulmonar ), cirrose hepática grave, doenças pulmonares crónicas, queimados, infecções por fungos, malária ou diálise peritoneal, são patologias bacterianas não infecciosas as que apresentam subida da concentração sérica da PCT; outros processos inflamatórios não cursam com subida da PCT sérica
Concentrações séricas de PCT em diferentes situações fisiológica e patológicas

No diagnóstico diferencial entre a pneumonia bacteriana ou mista e a pneumonia viral primária a PCT mostra-se de menor capacidade comparativamente com a PCR.
Em infecções localizadas ( ex.: empiema, abcesso ) as concentrações séricas de PCT podem ser baixas ou mesmo indetectáveis e dessa forma poderem ser causa de erro de interpretação com consequente atraso do início da antibioterapia a efectuar para estas patologias, se nos orientarmos apenas pelos dados obtidos pela concentração da PCT no soro. Também se verifica que nos casos de endocardite os resultados de doseamento da PCT são falsos negativos



Como marcador de sépsis e infecção grave, a procalcitonina revela-se ser um marcador mais específico que a PCR ou a IL-6, sendo todos os 3 muito sensíveis. A PCT é um bom marcador de prognóstico que consegue identificar doentes graves e com alto risco de complicações e de mortalidade.
Leucocitose, taquicardia ou febre, sinais clínicos de inflamação sistémica, podem ter etiologia infecciosa ou outra. Resultados negativos de culturas bacteriológicas não excluem estarmos em presença de um caso de sépsis. Identificação de infecções bacterianas graves bem como complicações secundárias a um processo inflamatória sistémico podem ser feitas com o recurso ao doseamento da concentração sérica da PCT.
Estudo português realizado concluiu que a combinação da PCR ( > 8.7 ng/ml ) com a temperatura corporal ( > 38.2 ºC ) aumentava a especificidade, para infecção, para os 100%. 

A concentração de PCT não sobe no LCR nos doentes com meningite, assim como também não se observa subida de PCT no líquido ascítico em doentes com peritonite ou nos doentes com pneumonia não se verifica uma subida de PCT no líquido pleural. Independentemente do valor da concentração da PCT sérica, a concentração da procalcitonina nos líquidos biológicos ( LCR, líquido ascítico e líquido pleural ) é sempre muito baixa.

As concentrações da PCT podem ser determinadas por métodos quantitativos ou semi-quantitativos, sendo os princípios usados o da imunocromatografia de um passo ( método quantitativo ou semi-quantitativo ) e de imunoluminescência de um passo com anticorpos monoclonais.


As técnicas usadas na determinação da PCT têm como fundamento o uso de um primeiro anticorpo monoclonal frente à katacalcina e outro anticorpo mono ou policlonal frente à calcitonina, sendo que o que se determina é a calcitonina e a calcitonina-katacalcina.
A PCT é uma análise de urgência e como tal tem como objectivo obter o resultado o mais rapidamente possível, mas visto que a vida média in vitro da PCT é de cerca de 24 horas, a amostra pode ser armazenada por esse período sem prejuízo da correcta determinação analítica.


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