Bacteriofagos: modo de actuação e medicamentos que os utilizam
Os bacteriófagos, ou simplesmente fagos, são vírus que infectam exclusivamente bactérias. Eles desempenham um papel importante tanto na ecologia microbiana quanto em aplicações biotecnológicas e médicas. Aqui estão os principais pontos sobre eles:
Estrutura
• Material genético: Os fagos podem conter DNA ou RNA, que pode ser de fita simples ou dupla.
• Cabeça (capsídeo): Protege o material genético, normalmente com formato icosaédrico.
• Cauda: Em muitos casos, possui uma estrutura tubular que ajuda a injetar o material genético na bactéria hospedeira.
Ciclo de vida
Os bacteriófagos podem seguir dois ciclos principais:
1. Ciclo lítico:
• O fago infecta a bactéria e usa a maquinaria celular para replicar seu material genético e produzir novos vírus.
• A célula bacteriana é destruída (lisada) ao libertar os novos fagos.
2. Ciclo lisogênico:
• O material genético do fago é integrado ao DNA da bactéria e pode permanecer inativo (como um profago), sendo replicado junto com o genoma bacteriano.
• Sob certas condições, o ciclo lisogênico pode se converter em lítico.
Importância
1. Ecologia:
• Controlam populações bacterianas em ecossistemas naturais e industriais.
• Influenciam o equilíbrio dos microbiomas, como o intestinal.
2. Medicina:
• Usados na terapia fágica, uma alternativa aos antibióticos para tratar infecções bacterianas resistentes.
• Estudados para aplicações em diagnóstico e entrega de medicamentos.
3. Pesquisa científica:
• Foram cruciais no entendimento de processos biológicos, como a replicação do DNA e a expressão gênica (experimentos de Hershey e Chase com o fago T2).
4. Indústria alimentícia:
• Utilizados para controlar bactérias patogênicas em alimentos e como bioindicadores.
Os bacteriófagos têm grande potencial para lidar com o aumento da resistência bacteriana, destacando-se como uma ferramenta promissora no combate a infecções.
Os fagoterápicos (remédios baseados em bacteriófagos) são usados principalmente em países como Rússia, Geórgia e Polônia, onde essa abordagem tem sido explorada há décadas. Alguns produtos notáveis incluem:
Exemplos de medicamentos e seus alvos:
1. Pyophage
• Bactérias alvo: Staphylococcus aureus, Escherichia coli, Pseudomonas aeruginosa, Streptococcus spp., Enterococcus spp.
• Uso: Infecções de pele, feridas, queimaduras, infecções intestinais e urinárias.
2. Intestiphage
• Bactérias alvo: E. coli, Shigella spp., Salmonella spp.
• Uso: Tratamento de infecções intestinais, como diarreia e disbiose.
3. Staphylophage
• Bactérias alvo: Staphylococcus aureus (incluindo MRSA, resistente à meticilina).
• Uso: Infecções causadas por estafilococos, como furúnculos, abscessos e septicemia.
4. Sextaphage
• Bactérias alvo: E. coli, Klebsiella spp., Proteus spp., Pseudomonas aeruginosa, Staphylococcus spp., Streptococcus spp.
• Uso: Infecções multirresistentes, incluindo infecções urinárias e respiratórias.
5. PyoBacteriophage
• Bactérias alvo: Várias bactérias piógenas (produtoras de pus), incluindo Proteus e Klebsiella.
• Uso: Infecções de feridas e tecidos moles.
Disponibilidade e uso
• Geórgia: O Instituto Eliava, em Tbilisi, é uma das instituições pioneiras na pesquisa e produção de fagos para uso terapêutico.
• Europa Ocidental e EUA: Há pesquisas avançadas, mas o uso ainda é limitado a casos experimentais ou situações emergenciais devido a questões regulatórias.
Importância no combate à resistência bacteriana
Esses medicamentos estão sendo revistos globalmente como alternativas aos antibióticos, especialmente para tratar infecções causadas por bactérias multirresistentes. O uso personalizado de coquetéis de fagos (que combinam múltiplos vírus para atacar diferentes alvos) é uma estratégia comum.
Produtos como o Intestiphage e outros medicamentos fágicos são, na verdade, coquetéis de diferentes bacteriófagos, cada um projetado para atacar uma bactéria específica dentro de um grupo alvo. Essa abordagem é necessária devido à alta especificidade dos fagos, que geralmente infectam apenas determinadas cepas ou espécies de bactérias.
Por que usar coquetéis de fagos?
1. Cobertura ampla: Cada fago no coqueteil é escolhido para atacar uma bactéria específica. Juntos, eles ampliam o espectro de ação do medicamento, cobrindo várias espécies ou cepas de interesse.
2. Prevenção de resistência: O uso de múltiplos fagos reduz o risco de uma bactéria desenvolver resistência, pois seria necessário escapar simultaneamente de todos os fagos no coquetel.
3. Eficácia contra populações bacterianas mistas: Muitas infecções envolvem mais de uma espécie bacteriana (infecções polimicrobianas), o que exige a presença de diferentes fagos para atacar cada patógeno.
Como é feito o coqueteil?
1. Seleção de fagos: São escolhidos fagos que demonstram alta eficácia contra bactérias-alvo comuns em infecções específicas.
• Por exemplo, no caso do Intestiphage, os fagos incluídos são específicos para E. coli, Shigella spp., Salmonella spp., entre outros.
2. Teste e ajuste: O coqueteil pode ser personalizado com base na resistência da bactéria no paciente. Em muitos casos, o laboratório faz um teste prévio para identificar quais fagos são mais eficazes contra a cepa da bactéria causadora da infecção.
Vantagens dos coquetéis de fagos
• Podem ser usados em tratamentos empíricos (quando a bactéria causadora ainda não foi identificada com precisão).
• Adaptáveis: O coqueteil pode ser ajustado ou substituído se a bactéria desenvolver resistência a um dos fagos.
• Maior eficácia em infecções complexas.
Em resumo, os coquetéis de fagos como o Intestiphage combinam vários vírus para atacar diferentes espécies bacterianas, tornando-os versáteis e eficazes contra um espectro mais amplo de patógenos.
A capacidade de um medicamento de fagoterapia combater todas as espécies de Salmonella spp.depende da especificidade dos bacteriófagos usados no tratamento. Aqui está como funciona:
1. Especificidade dos fagos
Os bacteriófagos geralmente possuem uma especificidade muito alta, podendo infectar:
• Uma espécie bacteriana específica (e.g., Salmonella enterica).
• Apenas algumas cepas dentro de uma espécie (e.g., apenas certas variantes de Salmonella enterica sorovar Typhimurium).
• Um gênero bacteriano mais amplo, se as bactérias compartilham características-alvo semelhantes.
Assim, para cobrir todas as espécies ou sorovares de Salmonella, o medicamento geralmente é um coqueteil de fagos, onde:
• Cada fago é escolhido para atacar um grupo de espécies ou sorovares.
• Fagos adicionais são incluídos para aumentar a cobertura caso surjam variantes resistentes.
2. É possível um único fago atacar todas as Salmonella spp.?
• Raramente. Alguns fagos apresentam um espectro de ação mais amplo e podem infectar múltiplos sorovares de Salmonella. Isso ocorre se essas bactérias compartilharem receptores-alvo comuns, como proteínas na membrana celular ou estruturas específicas.
• No entanto, é improvável que um único fago consiga cobrir todas as espécies e variantes, pois diferenças entre sorovares podem impedir a ligação do fago a receptores específicos.
3. Estratégia comum para Salmonella spp.
Para tratar infecções causadas por Salmonella spp., os medicamentos fágicos geralmente:
• Incluem um coqueteil de vários fagos, cada um direcionado a diferentes sorovares ou cepas.
• São ajustados ou personalizados em casos específicos, baseando-se em testes de laboratório para identificar quais fagos são eficazes contra a variante de Salmonella presente no paciente.
Por exemplo:
• Uma combinação de fagos pode ser eficaz contra S. Typhi (causadora de febre tifoide), S. Typhimurium (causadora de gastroenterite), e outras variantes.
Resumo
Um medicamento fágico para Salmonella spp. geralmente é um coqueteil de múltiplos fagos, cada um altamente específico para diferentes espécies ou variantes. Isso é necessário porque a alta especificidade dos fagos impede que um único fago seja eficaz contra todas as variantes de Salmonella. Contudo, se houver fagos de espectro mais amplo, eles podem ser incluídos para cobrir múltiplos sorovares ao mesmo tempo.
NOTA: Um sorovar, também conhecido como serovar, é uma variante dentro de uma espécie de microorganismo que é distinguida com base nas suas propriedades antigénicas. Basicamente, é uma forma de classificar bactérias, vírus ou outros microorganismos com base nas diferenças nos seus antígenos de superfície.
Esta classificação é especialmente útil em microbiologia para identificar e diferenciar estirpes de patógenos que podem ter diferentes características epidemiológicas ou patogénicas. Por exemplo, no caso da bactéria Salmonella, existem muitos sorovares diferentes, cada um com diferentes capacidades de causar doença em humanos ou animais.
Os sorovares são identificados através de testes serológicos que detectam a presença de antígenos específicos na superfície do microorganismo, permitindo uma identificação mais precisa e ajudando no rastreamento de surtos e no desenvolvimento de estratégias de controlo de doenças.
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