quarta-feira, outubro 02, 2013

Desregulação do TET 2 e doenças mielóides malignas

Desregulação do TET 2 e doenças mielóides malignas

Em muitos cancros, incluindo doenças hematológicas malignas, verifica-se o aparecimento de mutações aberrantes do DNA, sendo a hipermetilação dos genes supressores tumorais uma dessas aberrações. Esta característica levou à procura, e posterior descoberta, de agentes com a capacidade de reverter a hipermetilação, como sejam inibidores da metiltransferase do DNA, que se tem vindo a tornar encorajante no tratamento da SMD e algumas leucemias agudas.
O gene TET 2 α-cetoglutarato dependente é fortemente relacionado com o TET 1, cujo produto proteico é responsável pela conversão do 5mC ( 5- metilcitosina ) em 5hmC ( 5-hidroximetilcitosina ) no DNA. Mutações somáticas no gene TET 2 ocorrem com frequência nos doentes com doenças mielóides malignas, incluindo SMD, LMA, neoplasias mieloproliferativas e LMMC.
Mutações de TET 2 associam-se com baixos níveis de 5hmC comparativamente com controlos saudáveis.
Verificou-se que a desregulação de TET 2 está associada com a hipometilação mais do que com a hipermetilação. Conclui-se que TET 2 joga um importante papel na mielopoiese normal, existindo uma forte associação entre doenças mielóides malignas e a perda da função catalítica do TET 2. Também está proposto que o nível de 5hmC celular de doentes com doenças malignas mielóides pode ter significado prognóstico independente e proporcionar a base terapêutica destas patologias.
Na LMA, mutações do gene do metabolismo do citrato ( isocitrato desidrogenase 1 e 2 – IDH 1 e IDH 2 ) foram demonstradas terem papel relevante por interferência da função do gene TET 2.


Mutações de IDH1 e IDH 2 resultam em produção de 2 hidroxiglutamato e inibição da função de TET 2


TET 2 ( ten eleven translocation 2 ou metilcitosina desoxigenase 2 ) é o gene que dá as instruções para o fabrico de uma proteína envolvida na regulação do processo de transcripção, primeiro processo da síntese proteica.
Embora a proteína TET 2 exista em todo o organismo, ela joga um papel particularmente importante na produção sanguínea a partir das stem cells hematopoiéticas, localizadas na medula óssea, e que originam as 3 linhas celulares sanguíneas ( leucócitos, eritrócitos e plaquetas ). A proteína TET 2 actua como supressor tumoral prevenindo as células de crescerem e dividirem de forma descontrolada.

Mutação somática do gene TET 2 foi observada em alguns doentes com trombocitémia essencial. Nesta condição patológica, a mutação do gene TET 2 altera a proteína TET 2 de formas diferentes, resultando todas elas numa proteína não funcional.
Na policitémia vera verifica-se, em alguns casos, a ocorrência da mutação TET 2, resultando na produção de uma proteína não funcional. Isto ocorre em cerca de 16% dos casos de policitémia vera.
Mutação do gene TET 2 associa-se à mielofibrose primária, sendo desconhecido o papel desta mutação na patologia.
Mutações do gene TET 2 associam-se ainda a outras patologias tumorais, como sejam leucemias e síndrome mielodisplásico. A perda da proteína TET 2 nas stem cells hematopoiéticas pode levar ao crescimento descontrolado e divisão destas células.


Cromossoma 4

O gene TET 2 localiza-se no braço longo do cromossoma 4, na posição 24. A mutação deste gene foi inicialmente identificada em neoplasias mielóides, com delecção ou dissomia uniparental, na localização 4q24.


Como se referiu anteriormente, o gene TET 2 codifica uma proteína que suprime o crescimento tumoral. Este gene TET 2 está mutado em cerca de 16% dos doentes com policitémia vera e 22% dos doentes com SMD ou LMA.
Em cerca de 60% dos doentes com o gene TET 2 mutado, associam-se outras mutações e anormalidades cromossómicas protectoras, conhecidas como risco citogenético “bom”. Em comparação, apenas cerca de 40% dos doentes com gene TET 2 normal, não mutado, apresentam risco citogenético “bom”.

TET 2 localiza-se numa região ( 4q24 ) que apresenta recorrentes microdelecções e cópias de perda neutral de heterozigocidade ( LOH ) em doentes com várias malignidades mielóides. Mutações somáticas do gene TET 2 são frequentemente observadas em doentes com SMD, neoplasias mieloproliferativas, síndrome mieloproliferativo mielodisplásico, LMMC, LMA e LMA secundária.


Stem cells hematopoiéticas  com alterações em TET 2 são capazes de reconstituirem a multilinhagem sanguínea e possuem uma vantagem competitiva sobre as stem cells normais, resultando numa hematopoiese aumentada tanto na linhagem linfóide como mielóide.
Alteração de TET 2 atrasa a diferenciação das stem cells hematopoiéticas e desvia o desenvolvimento para a linhagem monocítica/macrofágica.
TET 2 tem um papel crítico na regulação da expansão e função das stem cells hematopoiéticas, provavelmente pelo controlo dos níveis de 5hmC nos genes importantes no envolvimento da auto-renovação, proliferação e diferenciação das stem cells hematopoiéticas.

A incidência da mutação TET 2 associa-se com a idade, sendo maior nos doentes com mais de 50 anos ( 17% dos doentes com mais de 50 anos e 9% nos doentes com menos de 50 anos apresentam a mutação TET 2 ).

A SMD é uma alteração clonal da hematopoiese que se caracteriza por displasia , hematopoiese ineficaz e citopenias periféricas. A evolução da SMD para LMA ocorre em cerca de 25% dos casos.

A proteína TET 2 é um membro da família das proteínas TET constituída por 3 proteínas ( TET 1, TET 2 e TET 3 ) que partilham entre si 2 domínios fortemente conservados. A proteína TET 1 foi implicada na leucemia como parceiro de fusão do produto do gene MLL ( gene da leucemia de linhagem mista ou leucemia mielóide linfóide ) na translocação cromossómica t(10;11)(p12;q23) e foi demonstrado ser capaz de hidroximetilação e assim contribuir para a metilação da citosina e regulação epigenética do gene. Foram identificadas mutações do gene TET 2 em 19-26% dos casos com SMD e cerca de 50% dos casos de LMMC, sendo desta forma esta mutação uma das mais frequentes nestas neoplasias mielóides.


Importante assinalar que embora as mutações TET 2 sejam um acontecimento precoce deste tipo de doenças ( mieloproliferativas e mielodisplásicas ) e surjam mesmo lesões pré-JAK 2 nas neoplasias mieloproliferativas ( policitémia vera, trombocitose essencial e mielofibrose primária ), as mutações TET 2 e JAK 2 podem ocorrer, e ocorrem na maioria dos casos, independentemente uma da outra. Isto é sublinhado nos casos em que a mutação TET 2 ocorre apenas na altura da transformação leucémica mielóide das neoplasias mieloproliferativas.
Na maioria dos casos, a mutação do gene TET 2 causa inactivação da proteína TET 2, sugerindo um papel de supressor tumoral desta proteína TET 2. De salientar que o mRNA do TET 2 é fortemente expressado nas células progenitoras mielóides normais, granulócitos normais ou eritrócitos normais em contraste com o que se verifica de reduzida expressão de TET 2 naquelas células em doentes com SMD.

As regiões conservadas na família de proteínas TET ( regiões cons'd 1 e 2 ) são implicadas na conversão de 5-metilcitosina para 5-hidroximetilcitosina e correspondem, essas regiões, aos amino-ácidos 1104 - 1478 e 1845 – 2002, respectivamente.
Múltiplas mutações podem ocorrer no mesmo doente, simultaneamente.
Significativo o facto de SMD com a anormalidade 5q- não costumar apresentar a mutação TET 2.
Estado citogenético, sexo, subtipos WHO, transformação para LMA e score IPSS não se correlacionam, habitualmente, com a mutação TET 2. Também não se atribui associação clínica com o tamanho da mutação clonal ou a presença de mutação singular versus múltipla do TET 2

Homozigocidade para a mutação TET 2 é definida como uma abundância relativa de mutação ( RMA ) superior a 65%

A sobrevivência global não é afectada pela homozigocidade, existência ou não da mutação TET 2, alto ou baixo nível da mutação, presença de mutação única ou múltipla ou score IPSS.
Pode-se dizer que a presença da mutação TET 2 não influencia a sobrevivência global destes doentes. Idade avançada do doente, classificação WHO e subtipo citogenético são as únicas variáveis que significativamente afectam a sobrevivência global destes doentes.

As mutações TET 2 têm sido identificadas numa gama de doenças malignas mielóides e são das mais frequentes mutações genéticas associadas a SMD, sendo estas mutações de significado prognóstico ainda controverso.
Um dado importante é a variedade de clones com baixa abundância de mutação TET 2.
A existência de baixo, mas significativo, número de clones minor é indicativa da evolução clonal da doença. Este facto é sublinhado por vários casos de mutações múltiplas, onde se observa uma mutação dominante, e outras populações pouco abundantes, sugerindo uma competição clonal.
Foi sublinhada a ocorrência de mutação TET 2 em células CD 34, reforçando a ideia desta aberração genética ser uma lesão inicial da doença.
A mutação TET 2 é ubiquitativa entre as linhagens mielóides e linfóides, sugerindo que tal mutação ocorre precocemente na hematopoiese. A mutação TET 2, como anteriormente se referiu, precede a mutação JAK2V617F nas neoplasias mieloproliferativas.
Mutações TET 2 e aberrações genómicas afectando o locus 4q24 são acontecimentos independentes, e podem não ocorrer os dois simultaneamente, como é o caso do surgimento de LOH ( lost of homozygosity ) e mutação TET 2 em alguns doentes com SMD.

Uma  característica  importante  da  SMD  é  o  aumento  da  frequência  da dissomia uniparental ( UPD ) que é uma medida indirecta da instabilidade genómica. Não se verificam diferenças significativas entre doentes com mutação TET 2 ou sem ela na frequência das UPD, sugerindo que os defeitos TET 2 não contribuem para a instabilidade genómica geral.
Não há evidência que os casos com homo ou hemizigotia para a mutação TET 2 apresentam reduzida sobrevivência, comparativamente com os casos de mutação heterozigótica, como se poderia esperar se o TET 2 aberrante orientasse a doença independentemente. A falta de correlação entre a presença de mutação de TET 2 e o prognóstico da SMD sugere que vários outros factores afectam o fenótipo do SMD, apesar da aquisição da mutação somática TET 2 ser um acontecimento relevante na patogenia e transformação de SMD.
Nas neoplasias mieloproliferativas o aparecimento da mutação TET 2 associa-se com a transformação para LMA


1 comentário:

  1. Texto muito bom e de fácil entendimento, mas falta as referencias bibliográficas do material :(

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