Magnésio
O
magnésio, quarto catião mais abundante no organismo humano, é o
catião extracelular mais abundante no corpo humano e o segundo mais
abundante intracelularmente, logo após o potássio. O magnésio é
essencial para a transferência, armazenamento e utilização da
energia como regulador e catalizador de mais de 300 sistemas
enzimáticos. As alterações da concentração do magnésio, e
nomeadamente a hipomagnesémia, podem causar alterações metabólicas
e clínicas. A hipomagnesémia pode advir do desiquilibrio entre a
absorpção intestinal e a excreção renal, sendo que as arritmias
cardíacas são as principais consequências da baixa sérica do
magnésio com hipocaliémia secundária que pode ser fatal.
O
magnésio é necessário para a função de muitos enzimas, como as
que se relacionam com a transferência de grupos fosfato. É
necessário também nas reacções que requerem ATP e na replicação
e transcripção do DNA e tradução do mRNA.
Cerca
de 99% do magnésio do organismo humano encontra-se intracelularmente
sendo que deste, 60% se encontra nos ossos, 20% nos músculos e os
restantes 20% noutros tecidos em quantidades menores.
O
magnésio extracelular, que prefaz apenas 1% do total existente no
organismo humano, apresenta-se em 60% na forma ionizada ( ou livre ),
10% liga-se a citrato, fosfato, oxalato e outros aniões e os
restantes 30% ligam-se a proteínas. O magnésio é mantido no soro
numa concentração de 1.7-2.2 mg/dl.
Na
dieta normal são ingeridos cerca de 360 mg ( 15 mmol ) de magnésio
sendo o requerimento diário de magnésio de 0.15-0.20 mmol/Kg.
Alimentos ricos em magnésio incluem cereais, grãos, nozes, legumes,
chocolates, vegetais verdes, carnes e marisco. Normalmente apenas 50%
do magnésio dietético é absorvido no tracto gastrointestinal,
principalmente jejuno proximal e íleo.
A
absorpção do magnésio no íleo faz-se por 2 processos:
processo
activo e saturável: é a via principal de absorpção do
magnésio e realiza-se através de canais de magnésio TRPM6 (
transient receptor potential melastatin )
processo
passivo e não saturável: realizado através de uma via
paracelular, é muito menos importante
Dado
que o magnésio participa na catalização de mais de 300 sistemas
enzimáticos, a hipomagnesémia clinicamente se manifesta de muitas
formas, sendo a principal manifestação clínica a arritmia
cardíaca, que pode ser fatal.
Magnésio
para melhorar a memória
A
maioria do magnésio sérico ( cerca de 80% ) é filtrado no
glomérulo, do qual 95% é reabsorvido no nefron, sendo que a
absorpção tubular do magnésio ocorre, ao contrário do que sucede
com os outros iões, no ramo largo da ansa de Henle. O túbulo
proximal da ansa de Henle apenas tem uma contribuição reduzida (
15-25% ) na absorpção, e os túbulos distais ainda absorvem uma
quantidade inferior ( 5-10% ).
O
magnésio é reabsorvido, como o cálcio, de forma passiva, no ramo
largo da ansa de Henle pela via paracelular formada por uniões
intercelulares estreitas, sendo que a força que impulsiona esta
reabsorpção do magnésio é o gradiente eléctrico que se gera pela
reabsorpção de sódio através do co-transportador Na+/K+/2Cl¯
( NKCC2 ). A proteína constituinte destas uniões intercelulares
estreitas é a paracelina 1, também chamada de claudina 16.
O
magnésio é reabsorvido no túbulo distal, por um mecanismo activo
que implica o canal de magnésio TRPM6.
A
concentração de magnésio no plasma é o principal regulador da
excreção de magnésio pelo rim. A hipermagnesémia inibe a
reabsorpção, enquanto que a hipomagnesémia estimula a reabsorpção
de magnésio pelo rim no ramo largo da ansa de Henle. A calcémia tem
um efeito similar.
A
hipermagnesémia, bem como a hipercalcémia, inibe a reabsorpção do
magnésio pela activação do receptor-sensor de cálcio das células
do ramo grosso da ansa de Henle e do túbulo distal.
Quando um
daqueles elementos ( Mg2+ ou Ca2+ ) activam o receptor, estimula-se a
formação dum derivado do ácido araquidónico que inibe,
reversivelmente, os canais de potássio no ramo grosso da ansa de
Henle. A secreção do potássio tem como funções, por um lado,
prover potássio para a reabsorpção de sódio e cloro através do
co-transportador NKCC2 e, por outro lado, intervem na produção do
gradiente eléctrico necessário para a reabsorpção passiva do
magnésio e cálcio. Desta maneira a inibição dos canais de
potássio no ramo grosso da ansa de Henle reduz o transporte de sódio
e a reabsorpção passiva do magnésio e do cálcio.
O
volume dos fluidos extracelulares também tem acção sobre a
excreção do magnésio, sendo que a expansão de volume inibe a
reabsorpção do magnésio.
As
alterações da taxa de filtração glomerular também têm
capacidade de influenciar a excreção renal do magnésio,
verificando que uma taxa de filtração glomerular diminuída leva a
uma diminuída reabsorpção de magnésio.
A
deplecção do fosfato diminui a reabsorpção do magnésio. A
acidose metabólica crónica causa perda de magnésio pelo rim,
enquanto que a alcalose metabólica causa reabsorpção de magnésio
↑ ph
( metabólico ) →
↑ reabsorpção Mg
renal
↓ ph
( metabólico ) →
↓ reabsorpção Mg
pelo rim
A paratormona, a 1,25(OH)2-vitamina D, calcitonina, glucagon,
aldosterona, hormona antidiurética, insulina, PgE2 e catecolaminas
aumentam a reabsorpção do magnésio no ramo grosso da ansa de Henle
e túbulo distal talvez por aumento do cAMP intracelular.
Causas
de hipomagnesémia
A
hipomagnesémia pode aparecer por 4 mecanismos:
diminuição da
ingestão de magnésio: causa rara já que o magnésio aparece
em abundância na maioria dos alimentos, pode no entanto aparecer em
doentes desnutridos, alcoólicos e a fazerem nutrição parentérica
total prolongada
redistribuição:
causa frequente de
hipomagnesémia, é a passagem do magnésio extracelular para o meio
intracelular; pode, entre outras situações, ocorrer devido a
hipersinsulinemia durante o tratamento da cetoacidose diabética
perda
gastrointestinal: alteração
da absorpção do magnésio no intestino pode verificar-se como
consequência de diarreia ou resseção cirurgica do intestino
perda
renal: várias alterações
tubulares hereditárias são causadoras de perda urinária de
magnésio
Sintomatologia
da hipomagnesémia
A
sintomatologia da hipomagnesémia não aparece antes da concentração
do magnésio sérico ser inferior a 1.2 mg/dl e aparece acompanhada
de manifestações provocadas por hipocaliémia e/ou hipocalcémia. A
sintomatologia inclui náuseas, vómitos, fraqueza muscular, cãimbras
e mialgias, artralgias, fadiga e cansaço.
Frequentemente,
hipocaliémia acompanha hipomagnesémia. De referir que a
hipocaliémia secundária a hipomagnesémia, ou induzida por esta, é
refratária ao tratamento de reposição de potássio, sendo tratada
pela resolução da hipomagnesémia
Diagnóstico
de hipomagnesémia
A
forma mais simples e corrente de diagnosticar hipomagnesémia é a
determinação da concentração sérica do magnésio. Há duas
considerações importantes a fazer:
30% do magnésio se
liga à albumina, pelo que a hipoalbuminemia pode originar uma
pseudohipomagnesémia
como a maior parte
do magnésio no organismo é intracelular, uma pessoa pode ter uma
magnesémia normal e apresentar deficiência de magnésio
intracelular e sintomatologia de hipomagnesémia, a que se chama
deficiência funcional de magnésio.
O
magnésio ionizado livre do plasma é o fisiologicamente activo, e
reflete bem as reservas intracelulares, mas não é doseado na
prática laboratorial.
Hipermagnesémia
é o estado em que a concentração sérica de magnésio é superior
a 2,5 mEq/l, sendo as causas mais frequentes a insuficiência renal
aguda ou crónica, administração de doses farmacológicas de
magnésio em recém nascidos e uso excessivo de laxantes orais ou
antiácidos.
A
sintomatologia de hipermagnesémia é fraqueza muscular, hipotensão,
paralisia flácida, depressão respiratória, perda de consciência
e mesmo paragem cardíaca.
Hipomagnesémia
não é sinónimo de deficiência de magnésio. Hipomagnesémia pode
estar presente sem haver deficiência de magnésio e o contrário
também é verdadeiro. No entanto, hipomagnesémia é geralmente
indicador de déficit sistémico de magnésio.
Nistagmo,
bem como atetose e outra sintomatologia, pode aparecer provocado por
hipomagnesémia. Confusão, desorientação, alucinações,
depressão, epilepsia, hipotensão, taquicardia e tetania podem
aparecer devido à hipomagnesémia.
A
hipomagnesémia pode ser provocada pela administração de
antibióticos que bloqueiam a reabsorpção do magnésio na ansa de
Henle, verificando-se que 30% dos doentes a fazerem
antibioticoterapia apresentam hipomagnesémia.
A
baixa de selénio, também é causa de hipomagnesémia, bem como a
baixa exposição à luz solar. Diarreia é outra causa de
hipomagnesémia.
O
magnésio absorve-se principalmente no duodeno e intestino delgado,
podendo em pequenas quantidades ser absorvido no cólon e recto.
A
homeostasia do magnésio compreende 3 sistemas: rim, intestino
delgado e osso. Na fase aguda da deficiência de magnésio produz-se
aumento da absorpção intestinal e da reabsorpção renal.
Persistindo a condição de deficiência de magnésio, o magnésio
cai e é corrigido por mobilização do ião do osso. O nível do
magnésio intracelular controla-se através do depósito no tecido
ósseo.
O
magnésio tem um efeito anti-trombótico indirecto sobre os
trombócitos e as funções endoteliais ( onde incrementa a
concentração de prostaciclina e diminui a de tromboxano A2 ) e o
vasospasmo, pela sua função similar aos bloqueadores dos canais de
cálcio.
A
hipomagnesémia se relaciona com a deficiência de tiamina, já que o
magnésio é um factor necessário para transformar a tiamina em
pirofosfato de tiamina, que é a forma activa.
A
maior parte do magnésio do organismo encontra-se ligado a quelantes
como o ATP, ADP, proteínas e citrato. Apenas 5-10% do magnésio
sérico se encontra livre, na sua forma ionizada, sendo este o
essencial para a regulação do magnésio intracelular.
As
causas mais frequentes de hipomagnesémia são:
alcoolismo
queimaduras
extensas
diarreia crónica
poliúria
hipercalcémia
hiperaldosteronismo
síndrome de má
absorpção, como doença celíaca ou DII
desnutrição
medicamentos:
anfotericina, cisplatina, ciclospurina, diuréticos, antibióticos
aminoglicosídeos
hipersudurese
A
hipermagnesémia pode ser devida à saída de magnésio do interior
das células por lise destas. Também mobilização acelerada de
potássio para o interior das células pode levar ao surgimento de
hipermagnesémia. É o que sucede nas situações de lise tumoral nos
doentes a fazerem quimioterapia.
Outras
causas de hipermagnesémia são excreção diminuída de potássio do
corpo, insuficiência renal que é a causa mais comum de
hipermagnesémia, uma vez que o magnésio está impedido de ser
excretado. Também a ingestão exagerada de magnésio, em geral na
forma de laxantes ou antiácidos, pode originar hipermagnesémia.
O
magnésio reduz a transmissão neuromuscular e actua como depressor
do sistema nervoso central. Com concentrações de magnésio de 3-5
mEq/l surgem náuseas. Sedação, hipoventilação com acidose
respiratória, diminuição dos reflexos tendinosos profundos e
fraqueza muscular aparecem com concentrações de magnésio da ordem
dos 4-7 mEq/l. Hipotensão, bradicardia e vasodilatação difusa
aparecem com 5-10 mEq/l de magnésio sérico. Paralisia respiratória
surge com concentrações séricas de magnésio de 10-15 mEq/l.
O
magnésio se reabsorve ao longo de todo o néfron. Em condições normais, 3% do magnésio filtrado é
eliminado pela urina.
Dado
que o processamento renal do magnésio se acha directamente associado
ao sódio, os agentes que causam eliminação urinária de sódio
também causam magnesiúria.
O
magnésio participa na síntese proteica, via DNA. Está também
envolvido na regulação da função mitocondrial, processos
inflamatórios e imunitários, alergia, crescimento, stress, controlo
de actividade neuronal, excitabilidade cardíaca, transmissão
neuromuscular, tónus vasomotor e tensão arterial.
A
movimentação do magnésio, tanto para o interior como para o
exterior celular, é ligada a sistemas de transporte dependente de
carbohidratos. A estimulação β-adrenérgica
favorece o efluxo de magnésio, enquanto que a insulina, calcitriol e
vitamina B6 favorecem a entrada do magnésio para o interior da
célula.
A
distribuição do magnésio é sensivelmente a seguinte:
O
magnésio dos tecidos moles e eritrócitos é intracelular ligando-se
a quelantes como o ATP, ADP, proteínas, RNA, DNA e citrato. A
fracção ionizada do magnésio intracelular, que constitui cerca de
5-10% do total intracelular, é a fracção essencial para a
homeostase intracelular. O magnésio sérico total correlaciona-se
fracamente com as reservas do organismo devido à baixa fracção
presente no plasma. Os sinais e sintomas das alterações na
concentração sérica do magnésio são o resultado dos efeitos
farmacológicos do aumento ou redução deste ião nos sistemas
nervoso e cardiovascular.
O
doseamento do magnésio total reflete pouco o conteúdo corpóreo
total do ião. A deficiência de magnésio é definida como uma
redução no conteúdo corpóreo total do magnésio, enquanto o
hipomagnesémia é a redução na concentração sérica desta.
Deficiência
de magnésio = baixa de magnésio no organismo
Hipomagnesémia
= baixa concentração sérica
O magnésio é um
modelador essencial da actividade eléctrica intracelular e
transmembrana, visto ser um cofactor de numerosas enzimas em que o
ATP intervém sendo gasto.
O diagnóstico
laboratorial deve ser realizado e além de determinar a magnesémia
deve ser doseada a eventual hipofosfatémia, magnesiúria e fracção
excretada do magnésio.
Se a magnesiúria é
inferior a 20 mg/dia ou a fracção excretada é inferior a 2%,
interpreta-se como a causa de hipomagnesémia ser devida a
redistribuição, diminuição de ingestão ou perdas
gastrointestinais, descartando-se a perda renal.
Se a magnesiúria é
superior a 20 mg/dia ou a fracção excretada de magnésio é
superior a 2%, a hipomagnesémia é devida a perda renal. Recordar
que a fracção excretada é obtida pela fórmula
razão
entre magnesiúria e magnesémia ( U/P de Mg ) a dividir pela razão
entre creatinúria e creatinemia ( U/P da creatinina )
Nesta
equação o magnésio plasmático deve ser multiplicado por 0.7 pois
que 30% se encontra ligado à albumina e portanto não é livremente
filtrado.
Se
a clínica faz suspeitar de hipomagnesémia mas o doseamento
laboratorial mostra magnésio normal, deve fazer-se o teste de
tolerância ao magnésio que, no caso de haver retensão, significa
estarmos a falar de reservas corporais baixas.
O
magnésio actua como um bloqueador fisiológico do cálcio,
resultando em anormalidades de condução eléctrica, e por ser
bloqueador fisiológico as situações de hipomagnesémia
acompanham-se de hipercalcémia a que se pode associar calcificações
vasculares arteriais.
A
concentração do magnésio depende fundamentalmente de 3 órgãos:
intestino que o absorve, osso que o armazena e rim que o excreta.
Dado
a concentração intraeritrocitária do magnésio ser cerca de 3
vezes a sérica, a hemólise pode fazer subir a concentração do
magnésio sérico.
O
magnésio tem função estabilizadora da estrutura das cadeias de DNA
e RNA. Intervem na formação de neurotransmissores e
neuromodeladores, na repolarização dos neurónios, relaxamento
muscular e cardíaco.
A
afectação do trato gastrointestinal superior produz perdas muito
superiores de magnésio ( até 15 vezes ) às produzidas pelas lesões ocorrendo
no tracto gastrointestinal inferior.
A
hipocaliémia que acompanha a hipomagnesémia explica-se pelos
seguites passos:
hipomagnesémia
→
↓
magnésio intracelular →
↓
actividade ATP → ↑ dilatação dos canais de potássio → ↑
secreção tubular de potássio
A
resposta renal à hipomagnesémia é baixar a excreção de magnésio.
Assim uma urina de 24 horas com mais de 10-30 mg de magnésio ou uma
fracção de excreção de magnésio superior a 2% em doente com
função renal normal equivale a perda de magnésio pelo rim. Se a
fracção de excreção de magnésio for inferior a 2% então a perda
é extrarrenal.
O
magnésio é absorvido no jejuno e íleum principalmente, em cerca de
30-40% do magnésio da dieta. Quando a quantidade de magnésio na
dieta é reduzida, a percentagem de magnésio absorvida sobe para
70-80%. A excreção renal de magnésio corresponde a cerca de 3% do
magnésio filtrado no glomérulo renal, ou seja 97% do magnésio
filtrado no rim é reabsorvido no túbulo renal.