quarta-feira, janeiro 15, 2014

EBV ( Virus Epstein-Barr )

EBV ( Virus Epstein-Barr )


O EBV é constituído por DNA e capsídeo, dando-se a este conjunto o nome de núcleocapsídeo, envolvido por um envelope lipoglicoproteico, de cerca de 150 nm de diâmetro. O DNA do EBV consegue codificar cerca de 100 proteínas que têm importância na regulação da expressão dos genes virais, formação dos componentes estruturais virais, replicação do genoma e modulação da resposta imune do hospedeiro.
Dois tipos de EBV foram identificados, nomeadamente EBV-1 e EBV-2, que se distribuem geograficamente de forma diferente, e que apresentam diferenças de antigéneos nucleares e na habilidade de infectar e imortalizar os linfócitos B infectados. Enquanto o EBV-1 aparece mais em sociedades desenvolvidas, o EBV-2 é mais frequente em África.
Seis tipos de antigéneos nucleares de EBV foram identificados, nomeadamente EBNA-1, EBNA-2, EBNA-3A, EBNA-3B, EBNA-3C e EBNA-LP.
O EBV possui, entre outras proteínas, a proteína latente da membrana ( LMP-1 ) com potencial oncogénico e que funciona como activador da α-TNF. A latência do EBV reside nas células B humanas, tipo de infecção esta ( latente ) em que o genoma viral se incorpora no da célula hospedeira de forma permanente. Outro tipo de infecção existe por parte do EBV, a infecção lítica, onde o DNA do EBV induz a produção de proteínas virais, a lise do linfócito e a libertação dos viriões, mas que normalmente não ocasiona efeitos citopáticos das células infectadas.
O EBV tem a capacidade de imortalizar linfócitos B. Os linfócitos B imortalizados produzem várias imunoglobulinas policlonais das classes IgG, IgA e IgM. Os anticorpos heterófilos são o resultado da produção de imunoglobulinas policlonais pelos linfócitos B imortalizados.
Após, cerca de 24 horas do EBV ter entrado no linfócito, a presença de EBNA pode ser detectada, sendo o EBV o responsável pela imortalização do linfócito. Uma minoria de linfócitos B infectados por EBV sofre lise e liberta antigéneos específicos do EBV, indicando replicação viral activa. Estes antigéneos são EA e VCA. As proteínas do VCA expressam-se de forma abundante, induzindo infecção primária, ocorrendo resposta com formação de anticorpos IgM anti-VCA seguida de IgG anti-VCA que se pode detectar o resto da vida.
A resposta do hospedeiro à infecção por EBV, além de humoral, é também celular, com a participação de linfócitos T virus-específicos CD8 e de células NK.

Importante ter a noção que os anticorpos heterófilos estão ausentes, por regra, nas crianças pequenas ( antes dos 4 anos ), pelo que um resultado negativo não nos dá, em princípio, qualquer indicação diagnóstica quanto à mononucleose infecciosa.
Em doentes com menos de 4 anos, IgM anti-VCA deve ser sempre realizada, na tentativa de diagnosticar infecção por EBV.

O EBV é um virus da família dos γ-herpesvirinae, e é um dos mais comuns virus no Homem, aparecendo em 80-95% das pessoas. O contacto com o EBV nos países em desenvolvimento é de 100% até aos 3 anos, enquanto que nos países desenvolvidos a primeira infecção ocorre geralmente após os 3 anos e pré-adolescentes ou posteriormente entre os 14 e 20 anos de idade.



Após a protecção dos anticorpos maternos desaparecerem, as crianças tornam-se susceptíveis ao EBV. No entanto, a maioria das vezes a infecção pelo EBV é assintomática e indetectável. Quando a infecção por EBV acontece na adolescência ou vida adulta provoca a mononucleose infecciosa em 35-50% dos casos.


Embora a sintomatologia da mononucleose infecciosa desapareça ao fim de 1-2 meses, o EBV permanece dormente ou latente na laringe e sangue o resto da vida podendo reactivar mas sem causar sintomatologia.


O EBV também pode estabelecer infecção latente ao longo da vida em células do sistema imunológico, podendo causar linfoma de Burkitt e carcinoma nasofaríngeo e alterações linfoproliferativas em doentes imunodeprimidos. A transmissão do EBV requer contacto íntimo entre as pessoas, seja através da saliva, relações sexuais, transplante de órgãos ou transfusão sanguínea embora estas 2 últimas sejam ocorrências raras e discutíveis. Outro tipo de contacto, não íntimo, não tem relevância no contágio e propagação da mononucleose infecciosa, doença que obteve este nome pelo facto de os virus terem predilecção por infectarem linfócitos B e outras células mononucleares e não polinucleares. Os linfócitos T CD8+, com funções tanto citotóxicas quanto supressoras, em resposta aos linfócitos B infectados tornam-se linfócitos atípicos característicos da mononucleose. Isto acontece devido à reversão transitória da relação normal dos linfócitos T ( helper-supressores ) CD4+/CD8+.



Enquanto nos indivíduos normais a eliminação do EBV se faz durante cerca de 6 meses, já em indivíduos imunossuprimidos a eliminação pode ser feita durante toda a vida.
O virus latente é transportado, nas células epiteliais da orofaringe e nos linfócitos B sistémicos, como epissomas múltiplos no núcleo ( epissoma é um fragmento de DNA presente em células, que pode multiplicar-se livremente no citoplasma ou incorporar-se no cromossoma da célula ). Os epissomas virais replicam-se com a divisão celular e são distribuídos a ambas as células filhas. A síntese do cápside viral ( VCA ) culmina com a morte celular e libertação de viriãos maduros


O diagnóstico recorre ao laboratório para se realizar, e só o laboratório o pode confirmar por meio de exames serológicos, sendo que a leucocitose com aumento de células mononucleares atípicas verifica-se e reacção positiva de Paul-Bunnell, ou outra de pesquiza de anticorpos heterófilos, observa-se. De referir que resultados falsos positivos e falsos negativos podem verificar-se.
Em caso de mononucleose infecciosa podemos encontrar trombocitopenia leve, podendo ter valores de 50000 plaquetas por milímetro cúbico em cerca de 50% das situações, elevação leve das transaminases em cerca de 50% dos casos mas sem icterícia, leucocitose de 10000-20000 células/mm3, sendo cerca de 2 terços linfócitos, dos quais 20-40% são linfócitos atípicos ( células de Downey ) que, morfologicamente, são maiores, com maiores núcleos, excentricamente irregulares e pregueados e com uma relação núcleo/citoplasma mais baixa que a dos linfócitos normais.


O diagnóstico laboratorial deve ser feito em amostra de sangue colhida em fase aguda com despiste dos anticorpos para EBV com diversos antigéneos associados ao mesmo tempo possibilitando diagnosticar se a infecção é recente, passada ou reactivada.
Os anticorpos pesquizados são os do capsídeo viral ( VCA ), antigéneo precoce ( EA ), e antigéneo nuclear ( EBNA ). Também devem ser distinguidas as subclasses IgG e IgM para o VCA. Os anticorpos contra EA e EBNA não são realizados pela generalidade dos laboratórios e a sensibilidade destes anticorpos é menor que a dos anticorpos anti-VCA


Quando o teste “mono spot” é negativo, a melhor combinação é IgG e IgM para o VCA, IgM para EA e IgM para EBNA. A IgM do VCA aparece no início da infecção e desaparece às 4-6 semanas. A IgG do VCA aparece na fase aguda, com pico às 2-4 semanas, diminui e permanece o resto da vida positiva. O IgG do EA aparece na fase aguda da mononucleose infecciosa e cai para níveis indetectáveis cerca de 3-6 meses após o início da doença. Em cerca de 80% dos casos em que o IgG do EA é positivo, isso significa infecção activa, enquanto que em 20% dos doentes o IgG do EA pode persistir por toda a vida.



De referir, que o factor reumatóide pode causar um resultado de IgM anti-VCA falso positivo, pelo que há que ter precaução por forma a excluir a presença daquele factor reumatóide no soro testado.
Anticorpos para EBNA, determinados por imunofluorescência, não são vistos na fase aguda, subindo lentamente aos 2-4 meses após o início e persistem a vida toda. No entanto, determinações por imunoensaios detectam os anticorpos para EBNA mais precocemente, dentro de poucas semanas.

Células de Downey, células mononucleares atípicas que caracteristicamente se observam na mononucleose infecciosa ( mas não patognomónicas ), são linfócitos T CD8+ supressores citotóxicos activados

O virus do EBV infecta os linfócitos B que possuem receptores específicos. O EBV pode imortalizar as células, embora sem conferir fenótipo transformado. Pode causar vários tumores como o linfoma de Burkitt ou carcinoma nasofaríngeo. A quase totalidade da forma africana, endémica, do linfoma de Burkitt nas crianças contém o genoma do EBV e 100% dos doentes com esta neoplasia, apresentam títulos elevados de anticorpo anti-EBV enquanto que na forma esporádica do linfoma de Burkitt, o genoma viral aparece apenas em 15-20% dos tumores.


Em ambas as formas do tumor de Burkitt ( endémica ou africana e esporádica ) há translocações 8q-14q+ que resulta em activação c-myc. Todavia o EBV por si só não consegue desencadear um linfoma de Burkitt, necessitando de outros estímulos, de entre os quais a malária parece ser um co-factor de primordial importância na etiologia do linfoma de Burkitt, pois pode estimular o sistema imunitário e provocar proliferação de linfócitos B. Existem evidências de actividade viral crónica e associação da presença de EBV com linfoma de Hodgkin ( a infecção por EBV parece aumentar o risco de doença de Hodgkin em 2 a 4 vezes, e o desenvolvimento da doença de Hodgkin sempre é precedida de aumento dos níveis de anticorpos ao EBV ), linfoma de células T e alguns carcinomas gástricos, mas outros factores terão de estar presentes conjuntamente. De referir, no que ao linfoma de Hodgkin diz respeito, que é encontrado sempre, nas células de Reed-Sternberg e nas células malignas de Hodgkin, o virus de Epstein Barr.


Dos anticorpos contra antigéneos específicos de EBV, os que apresentam maior valor diagnóstico são os anti-VCA, com sensibilidade de 95-100% e especificidade de 86-100% nos episódios de mononucleose infecciosa aguda. A presença de IgM anti-VCA indica infecção aguda de EBV. Note-se no entanto que infecção aguda por outros herpes virus podem causar produção de IgM anti-VCA por células que apresentam infecções latente pelo EBV. Falsos positivos de IgM anti-VCA são também referidos em infecções recentes de toxoplasmose e adenovírus, bem como na presença de auto-anticorpos. IgM anti-VCA pode ser negativo nos casos de reactivação.
Falsos negativos podem ocorrer devido à natureza transitória do IgM que persiste apenas 4-8 semanas.



Os testes de anticorpos heterófilos ( monoteste, Paul-Bunnell-Davidsohn, Paul-Bunnell ) são geralmente suficientes, recorrendo-se a outros testes mais específicos ( anticorpos anti-VCA, anti-EA e anti-EBNA ) quando aquela abordagem resulta negativa num quadro clínico sugestivo. Em geral, 4 situações podem ser evidenciadas: susceptibilidade à infecção, infecção recente, infecção passada ou reactivação da infecção. Existem mais de 100 antigéneos envolvidos na resposta imune ao EBV, sendo 3 grupos os utilizados em laboratório: VCA, EA e EBNA, cada um com as classes IgG e IgM. A combinação de 4 marcadores ( IgG e IgM anti-VCA, IgM anti-EA e anti-EBNA total ) geralmente conseguem identificar todas as 4 situações referidas atrás.
A presença de anti-EA pode indicar uma situação de reactivação de infecção.
O EBV-DNA por PCR pode ser utilizado como marcador adicional de diagnóstico directo em indivíduos sem resposta imunológica típica para EBV, em imunodeprimidos ou como marcador de infectividade para fins académicos ou de epidemiologia. O EBV-DNA pode diferenciar infecções activas de infecções latentes. Também é usado o EBV-DNA nos processos que envolvem o SNC.



Na infecção aguda os anticorpos IgM e IgG podem ser detectados apenas 7 dias após o início da infecção, algumas vezes mesmo só após 10 dias de infecção. Por este motivo uma serologia negativa não afasta a hipótese de mononucleose infecciosa, tornando-se recomendável repetição de análise após 7 dias. A positividade isolada para anticorpos IgM, sem que haja seroconversão para IgG entre 2 amostras, pode indicar outra infecção que não a EBV, como a citomegalovirus ou toxoplasmose.
Os anticorpos IgM podem persistir até 4 meses e não guardam relação com a evolução clínica.
Importante referir que o método ELISA pode não ser uma boa técnica para a detecção de IgM anti-VCA, havendo mesmo uma correlação insignificante com o método de imunofluorescência, particularmente quando o doente não se encontra na fase inicial da infecção pelo EBV, altura essa em que o método ELISA poderia detectar esses anticorpos. Já a pesquiza de anti-EBNA1, com a utilização de peptídeos sintéticos, torna o método de ELISA um exame altamente sensível e específico. Uma das vantagens do método ELISA é a detecção de IgM anti-EBNA que aparece numa fase precoce da infecção, 3-6 dias após o início dos sintomas. Também o facto de os níveis de IgM anti-EBNA baixam à medida que os de IgG anti-EBNA começam a subir, podendo estabelecer-se uma relação entre essas 2 determinações, auxiliando no diagnóstico da infecção aguda. A relação inferior a 1.0 é sugestiva de uma infecção primária por EBV.



Dado o doseamento de IgM anti-VCA envolver dificuldades técnicas, tem vindo a ser utilizada a verificação da avidez dos anticorpos da classe IgG no diagnóstico de infecção aguda. Este tipo de avidez fundamenta-se no facto de que os anticorpos produzidos na fase aguda de qualquer infecção têm baixa avidez pelo seu antigéneo. Ao fim de 30 dias ou mais os anticorpos são de alta avidez, pelo que detecção de anticorpos de baixa avidez significam infecção aguda.

De referir que cerca de 10% dos casos de mononucleose infecciosa são negativos para anticorpos heterófilos.



EBV e esclerose múltipla

Epstein-Barr Virus Linked With MS

Estudos epidemiológicos e outros apontam para a existência de uma relação entre a infecção pelo EBV e o aparecimento da esclerose múltipla, uma vez que foi observado que 83% das crianças com esclerose múltipla tiveram uma infecção prévia com EBV, comparativamente com apenas 42% em controlos saudáveis ( sem esclerose múltipla ). Não foram observadas estas diferenças para virus como o herpes, parvovirus ou varicela.
Sinvastatina, um medicamento usado como redutor da concentração sérica de colesterol, mostra-se eficaz na redução das lesões cerebrais da esclerose múltipla, atingindo um valor de 44% essa redução, estando esta terapêutica ainda necessitada de mais estudos confirmatórios da sua eficácia.


EBV em doentes com SIDA


Não se verifica diferença na positividade de IgG anti-VCA nos doentes com SIDA em diferentes estadios de imunossupressão, revelando parecer não haver alteração na produção dos anticorpos nos doentes com grave imunossupressão. No entanto, isto provavelmente não corresponde ao que se passa, pois a questão põe-se ao nível da eficiência dos anticorpos produzidos. Nos doentes com SIDA há aumento da virémia de EBV, comprovada pelos dados encontrados nas células epiteliais da faringe e pelo aumento do número de doenças causadas pelo EBV. A persistência da virémia do EBV é, provavelmente, responsável pela manutenção da positividade do IgG anti-VCA em doentes com imunossupressão grave.

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