EBV
( Virus Epstein-Barr )
O
EBV é constituído por DNA e capsídeo, dando-se a este conjunto o
nome de núcleocapsídeo, envolvido por um envelope
lipoglicoproteico, de cerca de 150 nm de diâmetro. O DNA do EBV
consegue codificar cerca de 100 proteínas que têm importância na
regulação da expressão dos genes virais, formação dos
componentes estruturais virais, replicação do genoma e modulação
da resposta imune do hospedeiro.
Dois
tipos de EBV foram identificados, nomeadamente EBV-1 e EBV-2, que se
distribuem geograficamente de forma diferente, e que apresentam
diferenças de antigéneos nucleares e na habilidade de infectar e
imortalizar os linfócitos B infectados. Enquanto o EBV-1 aparece
mais em sociedades desenvolvidas, o EBV-2 é mais frequente em
África.
Seis
tipos de antigéneos nucleares de EBV foram identificados,
nomeadamente EBNA-1, EBNA-2, EBNA-3A, EBNA-3B, EBNA-3C e EBNA-LP.
O
EBV possui, entre outras proteínas, a proteína latente da membrana
( LMP-1 ) com potencial oncogénico e que funciona como activador da
α-TNF. A latência do EBV
reside nas células B humanas, tipo de infecção esta ( latente ) em
que o genoma viral se incorpora no da célula hospedeira de forma
permanente. Outro tipo de infecção existe por parte do EBV, a
infecção lítica, onde o DNA do EBV induz a produção de proteínas
virais, a lise do linfócito e a libertação dos viriões, mas que
normalmente não ocasiona efeitos citopáticos das células
infectadas.
O
EBV tem a capacidade de imortalizar linfócitos B. Os linfócitos B
imortalizados produzem várias imunoglobulinas policlonais das
classes IgG, IgA e IgM. Os anticorpos heterófilos são o resultado
da produção de imunoglobulinas policlonais pelos linfócitos B
imortalizados.
Após,
cerca de 24 horas do EBV ter entrado no linfócito, a presença de
EBNA pode ser detectada, sendo o EBV o responsável pela
imortalização do linfócito. Uma minoria de linfócitos B
infectados por EBV sofre lise e liberta antigéneos específicos do
EBV, indicando replicação viral activa. Estes antigéneos são EA e
VCA. As proteínas do VCA expressam-se de forma abundante, induzindo
infecção primária, ocorrendo resposta com formação de anticorpos
IgM anti-VCA seguida de IgG anti-VCA que se pode detectar o resto da
vida.
A
resposta do hospedeiro à infecção por EBV, além de humoral, é
também celular, com a participação de linfócitos T
virus-específicos CD8 e de células NK.
Importante
ter a noção que os anticorpos heterófilos estão ausentes, por
regra, nas crianças pequenas ( antes dos 4 anos ), pelo que um
resultado negativo não nos dá, em princípio, qualquer indicação
diagnóstica quanto à mononucleose infecciosa.
Em
doentes com menos de 4 anos, IgM anti-VCA deve ser sempre realizada,
na tentativa de diagnosticar infecção por EBV.
O
EBV é um virus da família dos γ-herpesvirinae,
e é um dos mais comuns virus no Homem, aparecendo em 80-95% das
pessoas. O contacto com o EBV nos países em desenvolvimento é de
100% até aos 3 anos, enquanto que nos países desenvolvidos a
primeira infecção ocorre geralmente após os 3 anos e
pré-adolescentes ou posteriormente entre os 14 e 20 anos de idade.
Após
a protecção dos anticorpos maternos desaparecerem, as crianças
tornam-se susceptíveis ao EBV. No entanto, a maioria das vezes a
infecção pelo EBV é assintomática e indetectável. Quando a
infecção por EBV acontece na adolescência ou vida adulta provoca
a mononucleose infecciosa em 35-50% dos casos.
Embora
a sintomatologia da mononucleose infecciosa desapareça ao fim de
1-2 meses, o EBV permanece dormente ou latente na laringe e sangue o
resto da vida podendo reactivar mas sem causar sintomatologia.
O
EBV também pode estabelecer infecção latente ao longo da vida em
células do sistema imunológico, podendo causar linfoma de Burkitt e
carcinoma nasofaríngeo e alterações linfoproliferativas em doentes
imunodeprimidos. A transmissão do EBV requer contacto íntimo entre
as pessoas, seja através da saliva, relações sexuais, transplante de órgãos ou transfusão
sanguínea embora estas 2 últimas sejam ocorrências raras e discutíveis. Outro tipo
de contacto, não íntimo, não tem relevância no contágio e
propagação da mononucleose infecciosa, doença que obteve este nome
pelo facto de os virus terem predilecção por infectarem linfócitos
B e outras células mononucleares e não polinucleares. Os linfócitos
T CD8+, com funções tanto citotóxicas quanto supressoras, em
resposta aos linfócitos B infectados tornam-se linfócitos atípicos
característicos da mononucleose. Isto acontece devido à reversão
transitória da relação normal dos linfócitos T (
helper-supressores ) CD4+/CD8+.
Enquanto
nos indivíduos normais a eliminação do EBV se faz durante cerca de
6 meses, já em indivíduos imunossuprimidos a eliminação pode ser
feita durante toda a vida.
O
virus latente é transportado, nas células epiteliais da orofaringe
e nos linfócitos B sistémicos, como epissomas múltiplos no núcleo
( epissoma é um fragmento de DNA presente em células, que pode
multiplicar-se livremente no citoplasma ou incorporar-se no
cromossoma da célula ). Os epissomas virais replicam-se com a
divisão celular e são distribuídos a ambas as células filhas. A
síntese do cápside viral ( VCA ) culmina com a morte celular e
libertação de viriãos maduros
O
diagnóstico recorre ao laboratório para se realizar, e só o
laboratório o pode confirmar por meio de exames serológicos, sendo
que a leucocitose com aumento de células mononucleares atípicas
verifica-se e reacção positiva de Paul-Bunnell, ou outra de
pesquiza de anticorpos heterófilos, observa-se. De referir que
resultados falsos positivos e falsos negativos podem verificar-se.
Em
caso de mononucleose infecciosa podemos encontrar trombocitopenia
leve, podendo ter valores de 50000 plaquetas por milímetro cúbico
em cerca de 50% das situações, elevação leve das transaminases em
cerca de 50% dos casos mas sem icterícia, leucocitose de 10000-20000
células/mm3, sendo cerca de 2 terços linfócitos, dos quais 20-40%
são linfócitos atípicos ( células de Downey ) que,
morfologicamente, são maiores, com maiores núcleos, excentricamente
irregulares e pregueados e com uma relação núcleo/citoplasma mais
baixa que a dos linfócitos normais.
O
diagnóstico laboratorial deve ser feito em amostra de sangue colhida
em fase aguda com despiste dos anticorpos para EBV com diversos
antigéneos associados ao mesmo tempo possibilitando diagnosticar se a
infecção é recente, passada ou reactivada.
Os
anticorpos pesquizados são os do capsídeo viral ( VCA ), antigéneo
precoce ( EA ), e antigéneo nuclear ( EBNA ). Também devem ser
distinguidas as subclasses IgG e IgM para o VCA. Os anticorpos contra
EA e EBNA não são realizados pela generalidade dos laboratórios e
a sensibilidade destes anticorpos é menor que a dos anticorpos
anti-VCA
Quando
o teste “mono spot” é negativo, a melhor combinação é IgG e
IgM para o VCA, IgM para EA e IgM para EBNA. A IgM do VCA aparece no
início da infecção e desaparece às 4-6 semanas. A IgG do VCA
aparece na fase aguda, com pico às 2-4 semanas, diminui e permanece
o resto da vida positiva. O IgG do EA aparece na fase aguda da
mononucleose infecciosa e cai para níveis indetectáveis cerca de
3-6 meses após o início da doença. Em cerca de 80% dos casos em
que o IgG do EA é positivo, isso significa infecção activa,
enquanto que em 20% dos doentes o IgG do EA pode persistir por toda a
vida.
De
referir, que o factor reumatóide pode causar um resultado de IgM
anti-VCA falso positivo, pelo que há que ter precaução por forma a
excluir a presença daquele factor reumatóide no soro testado.
Anticorpos
para EBNA, determinados por imunofluorescência, não são vistos na
fase aguda, subindo lentamente aos 2-4 meses após o início e
persistem a vida toda. No entanto, determinações por imunoensaios
detectam os anticorpos para EBNA mais precocemente, dentro de poucas
semanas.
Células
de Downey, células mononucleares atípicas que caracteristicamente
se observam na mononucleose infecciosa ( mas não patognomónicas ),
são linfócitos T CD8+ supressores citotóxicos activados
O
virus do EBV infecta os linfócitos B que possuem receptores
específicos. O EBV pode imortalizar as células, embora sem conferir
fenótipo transformado. Pode causar vários tumores como o linfoma de
Burkitt ou carcinoma nasofaríngeo. A quase totalidade da forma
africana, endémica, do linfoma de Burkitt nas crianças contém o
genoma do EBV e 100% dos doentes com esta neoplasia, apresentam
títulos elevados de anticorpo anti-EBV enquanto que na forma
esporádica do linfoma de Burkitt, o genoma viral aparece apenas em
15-20% dos tumores.
Em
ambas as formas do tumor de Burkitt ( endémica ou africana e
esporádica ) há translocações 8q-14q+ que resulta em activação
c-myc. Todavia o EBV por si só não consegue desencadear um linfoma
de Burkitt, necessitando de outros estímulos, de entre os quais a
malária parece ser um co-factor de primordial importância na
etiologia do linfoma de Burkitt, pois pode estimular o sistema
imunitário e provocar proliferação de linfócitos B. Existem
evidências de actividade viral crónica e associação da presença
de EBV com linfoma de Hodgkin ( a infecção por EBV parece aumentar
o risco de doença de Hodgkin em 2 a 4 vezes, e o desenvolvimento da
doença de Hodgkin sempre é precedida de aumento dos níveis de
anticorpos ao EBV ), linfoma de células T e alguns carcinomas
gástricos, mas outros factores terão de estar presentes
conjuntamente. De referir, no que ao linfoma de Hodgkin diz respeito,
que é encontrado sempre, nas células de Reed-Sternberg e nas
células malignas de Hodgkin, o virus de Epstein Barr.
Dos
anticorpos contra antigéneos específicos de EBV, os que apresentam
maior valor diagnóstico são os anti-VCA, com sensibilidade de
95-100% e especificidade de 86-100% nos episódios de mononucleose
infecciosa aguda. A presença de IgM anti-VCA indica infecção aguda
de EBV. Note-se no entanto que infecção aguda por outros herpes
virus podem causar produção de IgM anti-VCA por células que
apresentam infecções latente pelo EBV. Falsos positivos de IgM
anti-VCA são também referidos em infecções recentes de
toxoplasmose e adenovírus, bem como na presença de auto-anticorpos.
IgM anti-VCA pode ser negativo nos casos de reactivação.
Falsos
negativos podem ocorrer devido à natureza transitória do IgM que
persiste apenas 4-8 semanas.
Os
testes de anticorpos heterófilos ( monoteste,
Paul-Bunnell-Davidsohn, Paul-Bunnell ) são geralmente suficientes,
recorrendo-se a outros testes mais específicos ( anticorpos
anti-VCA, anti-EA e anti-EBNA ) quando aquela abordagem resulta
negativa num quadro clínico sugestivo. Em geral, 4 situações
podem ser evidenciadas: susceptibilidade à infecção, infecção
recente, infecção passada ou reactivação da infecção. Existem
mais de 100 antigéneos envolvidos na resposta imune ao EBV, sendo 3
grupos os utilizados em laboratório: VCA, EA e EBNA, cada um com as
classes IgG e IgM. A combinação de 4 marcadores ( IgG e IgM
anti-VCA, IgM anti-EA e anti-EBNA total ) geralmente conseguem
identificar todas as 4 situações referidas atrás.
A
presença de anti-EA pode indicar uma situação de reactivação de
infecção.
O
EBV-DNA por PCR pode ser utilizado como marcador adicional de
diagnóstico directo em indivíduos sem resposta imunológica típica
para EBV, em imunodeprimidos ou como marcador de infectividade para
fins académicos ou de epidemiologia. O EBV-DNA pode diferenciar
infecções activas de infecções latentes. Também é usado o
EBV-DNA nos processos que envolvem o SNC.
Na
infecção aguda os anticorpos IgM e IgG podem ser detectados apenas
7 dias após o início da infecção, algumas vezes mesmo só após
10 dias de infecção. Por este motivo uma serologia negativa não
afasta a hipótese de mononucleose infecciosa, tornando-se
recomendável repetição de análise após 7 dias. A positividade
isolada para anticorpos IgM, sem que haja seroconversão para IgG
entre 2 amostras, pode indicar outra infecção que não a EBV, como
a citomegalovirus ou toxoplasmose.
Os
anticorpos IgM podem persistir até 4 meses e não guardam relação
com a evolução clínica.
Importante
referir que o método ELISA pode não ser uma boa técnica para a
detecção de IgM anti-VCA, havendo mesmo uma correlação
insignificante com o método de imunofluorescência, particularmente
quando o doente não se encontra na fase inicial da infecção pelo
EBV, altura essa em que o método ELISA poderia detectar esses
anticorpos. Já a pesquiza de anti-EBNA1, com a utilização de
peptídeos sintéticos, torna o método de ELISA um exame altamente
sensível e específico. Uma das vantagens do método ELISA é a
detecção de IgM anti-EBNA que aparece numa fase precoce da
infecção, 3-6 dias após o início dos sintomas. Também o facto de
os níveis de IgM anti-EBNA baixam à medida que os de IgG anti-EBNA
começam a subir, podendo estabelecer-se uma relação entre essas 2
determinações, auxiliando no diagnóstico da infecção aguda. A
relação inferior a 1.0 é sugestiva de uma infecção primária por
EBV.
Dado
o doseamento de IgM anti-VCA envolver dificuldades técnicas, tem
vindo a ser utilizada a verificação da avidez dos anticorpos da
classe IgG no diagnóstico de infecção aguda. Este tipo de avidez
fundamenta-se no facto de que os anticorpos produzidos na fase aguda
de qualquer infecção têm baixa avidez pelo seu antigéneo. Ao fim
de 30 dias ou mais os anticorpos são de alta avidez, pelo que
detecção de anticorpos de baixa avidez significam infecção aguda.
De
referir que cerca de 10% dos casos de mononucleose infecciosa são
negativos para anticorpos heterófilos.
EBV
e esclerose múltipla
Estudos
epidemiológicos e outros apontam para a existência de uma relação
entre a infecção pelo EBV e o aparecimento da esclerose múltipla,
uma vez que foi observado que 83% das crianças com esclerose
múltipla tiveram uma infecção prévia com EBV, comparativamente
com apenas 42% em controlos saudáveis ( sem esclerose múltipla ).
Não foram observadas estas diferenças para virus como o herpes,
parvovirus ou varicela.
Sinvastatina,
um medicamento usado como redutor da concentração sérica de
colesterol, mostra-se eficaz na redução das lesões cerebrais da
esclerose múltipla, atingindo um valor de 44% essa redução,
estando esta terapêutica ainda necessitada de mais estudos
confirmatórios da sua eficácia.
EBV
em doentes com SIDA
Não
se verifica diferença na positividade de IgG anti-VCA nos doentes
com SIDA em diferentes estadios de imunossupressão, revelando
parecer não haver alteração na produção dos anticorpos nos
doentes com grave imunossupressão. No entanto, isto provavelmente
não corresponde ao que se passa, pois a questão põe-se ao nível
da eficiência dos anticorpos produzidos. Nos doentes com SIDA há
aumento da virémia de EBV, comprovada pelos dados encontrados nas
células epiteliais da faringe e pelo aumento do número de doenças
causadas pelo EBV. A persistência da virémia do EBV é,
provavelmente, responsável pela manutenção da positividade do IgG
anti-VCA em doentes com imunossupressão grave.
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