Papel
e utilidade dos marcadores fecais na DII
Marcadores fecais
como a calprotectina ou lactoferrina têm emergido como ferramentas
diagnósticas para o diagnóstico de DII. São testes não invasivos,
rápidos, simples e baratos. Os marcadores fecais incluem um grupo
biologicamente heterogéneo de substâncias que se ligam ou são
libertadas activamente pela mucosa inflamada.
Calprotectina é uma
pequena proteína que se liga ao cálcio, consistindo de 2 cadeias
polipeptídicas pesadas e uma leve. É encontrada em abundância nos
neutrófilos, nos quais forma cerca de 60% da fracção citosólica
proteica, bem como nos monócitos/macrófagos.
A concentração da
calprotectina é directamente proporcional à intensidade dos
neutrófilos infiltrados na mucosa intestinal.
A calprotectina é
uma útil ferramenta diagnóstica para discriminar os doentes com DII
dos com síndrome do cólon irritável.
A sensibilidade da
calprotectina é de 93% e a especificidade de 96% quando a usamos
para distinguir uma DII do síndrome do cólon irritável, nos
adultos. Nas crianças a calprotectina fecal apresenta uma
sensibilidade semelhante mas uma especificidade inferior.
A correlação entre
a calprotectina fecal e os índices de actividade clínicos ( CDAI
por exemplo ) revela-se fraca. Já a correlação entre a
calprotectina e os índices de actividade endoscópicos ou
histológicos revela-se forte. Além disso, a calprotectina é capaz
de discriminar doença inflamatória intestinal endoscopicamente
inactiva da de severidade leve, moderada e grave.
A calprotectina
correlaciona-se fortemente com os achados endoscópicos e
histológicos.
Um screening prévio
com calprotectina pode reduzir em cerca de 67% o número de adultos e
35% o número de crianças requerendo colonoscopia, mas também pode
provocar um atraso do diagnóstico de DII em 6% dos doentes devido a
resultados falsos negativos para o teste da calprotectina. Na prática
clínica, todos os doentes com sintomatologia alarmante, como
hemorragia, emagrecimento ou anemia por déficit de ferro, devem ser
examinados endoscopicamente, qualquer que seja o valor da
concentração fecal da calprotectina.
No actual tratamento
da DII, a cura da mucosa em vez do controlo clínico da
sintomatologia, é o alvo primário da terapêutica. A calprotectina
fecal tem sido sugerida como o padrão de certeza para a cura da
mucosa.
Marcadores
fecais como a calprotectina ou a lactoferrina têm sido utilizados na
monitorização do sucesso do tratamento e seu uso nessa
monitorização tem vindo a aumentar. Calprotectina pode ser usado
para distinguir entre uma DII clinicamente activa de uma clinicamente
inactiva. Normalização da concentração fecal da calprotectina
após terapêutica com infliximab ou adalimumab prevê remissão
clínica sustentada na maioria dos doentes. Em colite ulcerosa grave
aguda, calprotectina pode ser capaz de predizer a necessidade para
colectomia.
A calprotectina
fecal pode aumentar mesmo antes do início dos sintomas clínicos
sugerindo que tratamento pré-sintomático na base de elevações da
concentração de calprotectina pode ser vantajoso.
Monitorização não
invasiva da actividade da doença requer repetidas medições da
calprotectina. Medições seriadas são mais fidedignas do que um
teste único para a previsão da actividade da doença e
monitorização da terapêutica.
A
maioria dos doentes com tratamento clinicamente bem sucedido parece
terem algum grau de inflamação residual da mucosa. Inflamação
persistente na ausência de sintomatologia gastro-intestinal pode
levar a lesão colónica progressiva, complicações e risco de
recaída. Tanto nos adultos como nas crianças, concentrações
elevadas de calprotectina foram encontradas apesar da remissão
clínica. Calprotectina fecal pode detectar inflamação subclínica
da mucosa e assim identificar doentes em risco de crise. Durante o
estado inicial da crise, os sintomas clínicos estão usualmente
ausentes. Níveis de calprotectina elevados em doentes em remissão
clínica são associados com um risco significativamente elevado de
crise nos 12 meses seguintes. Uma concentração de calprotectina
fecal acima de 300 μg/g
é um factor de risco independente associado à existência de
crise. Sensibilidade de 78% e especificidade de 73% são os valores
encontrados para a capacidade da calprotectina fecal prever uma crise
da DII.
Calprotectina fecal
parece ser menos útil na previsão da crise nos doentes com doença
de Crohn ileal ( 15% dos casos de doença de Crohn ) comparativamente
com os doentes com colite ulcerosa ou doença de Crohn colónica (
20% dos casos de doença de Crohn ) ou ileocólica ( 50% dos casos
desta doença ).
Mais de 80% dos
doentes com doença de Crohn requerem cirúrgia nos primeiros 10 anos
da doença. Após resseção do ileo terminal na doença de Crohn,
até 80% dos doentes têm evidência de recorrência nos 12 meses
seguintes e crise nos 3-5 anos seguintes.
Calprotectina e
lactoferrina podem ter um papel na previsão da recorrência após
resseção ileocecal. Calprotectina tem uma sensibilidade de 63% e
especificidade de 75% na previsão de recorrência endoscópica. Após
a cirúrgia deve ser feita a medição da concentração fecal da
calprotectina nos primeiros 2-3 meses e os doentes com calprotectina
fecal aumentada devem ser submetidos a endoscopia para despiste de
recorrência.
Calprotectina é
superior à PCR e outros marcadores fecais ( lactoferrina, S100A12 )
e permite um global de 41% de doentes evitarem uma colonoscopia,
sendo esta situação mais acentuada nos adultos ( 66% dos doentes ) que nas crianças ( 35% dos doentes ).
Calprotectina
ou lactoferrina fecais têm sido mostradas serem capazes de
distinguir entre situações mais ou menos severas de pouchite e
mesmo de presença de inflamação ou sua ausência. Os níveis de
lactoferrina fecais correlacionam-se com o índice de actividade da
doença pouchitis e tem uma sensibilidade de 100% e especificidade de
85% no diagnóstico de pouchitis.
Para o diagnóstico
de inflamação da mucosa intestinal a calprotectina fecal tem
consistentemente mostrado ser superior aos índices clínicos e
parâmetros séricos como a PCR, VS ou contagem leucocitária.
Os biomarcadores
fecais apresentam algumas limitações, nomeadamente:
- os doentes podem ser reluctantes em manusear o material fecal
- os marcadores fecais não são específicos para DII
- concentração da calprotectina depende de vários factores fisiológicos como idade, co-morbilidades clínicas e pode haver variações diárias, a distribuição da calprotectina fecal é homogénea dentro da mesma amostra
- não existe um cut-off estabelecido universal que defina remissão clínica ou doença activa; para uso clínico uma concentração de calprotectina fecal inferior a 50 μg/g é negativa, 50-100 μg/g fracamente positiva e acima de 100 μg/g positiva
- há considerável sobreposição dos valores de calprotectina fecal entre doença gastrointestinal orgânica e síndrome do cólon irritável
- calprotectina e lactoferrina podem ser normais em doentes com doença de Crohn clínica e endoscopicamente activa, particularmente em doença ileal
- calprotectina não auxilia no diagnóstico entre doença de Crohn e colite ulcerosa
- calprotectina não pode ser usada para a localização da DII
Novos marcadores
fecais existem. Entre eles temos a lactoferrina, S100A12, MMP,
neopterina, hemoglobina, mieloperoxidases, elastase dos
polimorfonucleares, M2-PK e outros.
Inespecífica como a
calprotectina. Mesmo em doentes com DII inactiva as concentrações
de lactoferrina podem ser significativamente superiores às de controlos saudáveis ou em doentes com síndrome do cólon irritável.
Correlaciona-se bem
com as graduações da actividade clínica, endoscópica e
histológica da DII. Pode ser usada na monitorização da terapêutica
da DII.
Doentes com DII em
crise mostram níveis mais altos de lactoferrina do que controlos
saudáveis
A lactoferrina tem
acuidade diagnóstica comparável à da calprotectina com
sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo e valor
preditivo negativo semelhantes
Proteína
específica dos neutrófilos que se apresente fortemente representada
durante a DII activa. A sua libertação da mucosa intestinal
correlaciona-se com a actividade da inflamação.
S100A12 fecal tem
uma sensibilidade de 96% e uma especificidade de 92% na distinção
entre controlos normais e DII pediátrica. S100A12 parece ser um
marcador fecal da inflamação intestinal superior à calprotectina.
A melhor performance diagnóstica do S100A12 é atribuída à sua
expressão específica nos neutrófilos
Neopterina é um
metabolito intermediário da biopterina e é libertada dos macrófagos
activados. A neopterina apresenta-se significativamente mais elevada
em doentes com DII activa endoscopicamente comparativamente com
doença inactiva. A acuidade diagnóstica da neopterina e da
calprotectina é comparável e ambos os marcadores fecais apresentam
melhores resultados na colite ulcerosa. A libertação aumentada de
neopterina é inespecífica e pode ser provocada por outras doenças
como infecções virais ou outras. A libertação da neopterina como
marcador de resposta imune celular pode ocorrer mais precocemente no
processo inflamatório do que calprotectina.
Metaloproteinases
pertencem a uma família de endopeptidades zinco-dependentes. Na DII,
metaloproteinases como MMP-9 são libertadas de neutrófilos
activados. Verifica-se aumento da concentração das MMPs-1, -2, -3 e
-9 em doentes com colite ulcerosa. A sensibilidade e especificidade
para a MMP-9 são de 85% e 100% no diagnóstico diferencial entre
colite ulcerosa e síndrome do cólon irritável. No diagnóstico da
DII pediátrica, MMP-9 e calprotectina revelam similar capacidade.
Proteínas
lisosomais libertadas dos neutrófilos activados durante a
inflamação, revelam-se inferiores na capacidade de detectar DII
comparativamente com a calprotectina e elastases dos neutrófilos
São libertadas dos
neutrófilos activados. Apresentam estabilidade, pelo menos, 4 dias à
temperatura ambiente e verifica-se concentração significativamente
superior nos doentes com DII activa comparativamente com os em fase
inactiva ou saudáveis.
Elastase dos
polimorfonucleares fecal correlaciona-se bem com a severidade
detectada endoscopicamente da inflamação intestinal.
Proteína
multifuncional presente em tecidos indiferenciados e proliferativos,
apresenta-se aumentada em doentes com DII activa, sendo capaz de
diferenciar entre DII e síndrome do cólon irritável. A capacidade
do M2-PK em prever a refractariedade à terapêutica com esteróides
em doentes com colite ulcerosa pediátrica severa é superior à da
calprotectina, lactoferrina ou S100A12
A combinação de
calprotectina com outros marcadores fecais como neopterina,
lactoferrina ou S100A12, não se revelou resultar em maior capacidade
diagnóstica, não havendo assim dados suficientes para suportarem o
uso clínico de mais do que um marcador fecal ao mesmo tempo.
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