Opções terapêuticas da doença de Crohn
Dado as doenças inflamatórias intestinais serem doenças crónicas, não curáveis actualmente, a terapêutica destas doenças visa a remissão das crises, tentando tornar os doentes assintomáticos. As opções terapêuticas utilizam o 5-ASA, corticóides, imunossupressores e imunomodeladores ( azatioprina, mercaptopurina, metotrexato, ciclospurina ). Actualmente estão em fase de estudo novos tratamentos, entre eles as citoquinas e anticitoquinas ( interleucinas 1, 2, 10, 11, 12, 18, 27 ), interferão α e γ, supressores de α-TNF ( talidomida, extracto polifenol do chá verde ), vitamina D, antioxidantes, antibióticos, nicotina e óleo de peixe ( óleos omega 3 ).
As doenças inflamatórias intestinais, principalmente a doença de Crohn e a colite ulcerosa, são, cada vez mais, um problema de saúde pública que se tem vindo a acentuar, particularmente nos países desenvolvidos. Não se verifica predomínio de sexo atingido, mas provavelmente existirá uma associação com alguns síndromes genéticos. A etiologia é desconhecida, mas sugere-se que seja devido a uma resposta imunológica anormal, dos linfócitos T da mucosa gastrointestinal, à microflora normal não patogénica. O uso de antibióticos em crianças com menos de 1 ano associa-se ao aparecimento das doenças inflamatórias intestinais, dentre as quais se inclui a doença de Crohn.
As doenças inflamatórias intestinais caracterizam-se por inflamação crónica intestinal não infecciosa, e provocam diarreia, dor abdominal, emagrecimento e náuseas. A mortalidade é baixa e, geralmente, acontece nos primeiros anos de doença, devido a alterações nutricionais, podendo causar desidratação e anemia que aumentam a morbilidade devida à diarreia. A mortalidade da doença de longa duração é devida, principalmente, ao cancro do cólon.
A doença de Crohn é transmural, com envolvimento descontínuo da mucosa, podendo atingir todo o tubo digestivo, desde a boca até ao ânus. Tem um componente genético hereditário importante, e maior prevalência em doentes HLA 2+ e HLA-B27+, particularmente se associado a espondilite anquilosante.
A doença de Crohn tem etiologia desconhecida, mas pode ter uma base infecciosa. Frequentemente há agravamento do estado geral com crises emocionais. Na evolução podem surgir complicações locais, nutricionais e sistémicas. A doença pode agravar-se, com crises mais frequentes, geralmente comprometimento do estado geral do doente e agravamento da qualidade de vida.
A terapêutica das doenças inflamatórias intestinais, e nomeadamente da doença de Crohn, deve iniciar-se pelo diagnóstico preciso de doença de Crohn que depende da história clínica, exame físico, dados endoscópicos, radiológicos, histológicos e laboratoriais. Com estes dados é possível, em 90% das situações, distinguir a doença de Crohn da colite ulcerosa. Marcadores serológicos, que incluem pANCA, positivam em 70% dos casos de colite ulcerosa, e ASCA, em 50% dos casos de doentes com doença de Crohn.
O manuseamento da doença de Crohn depende da severidade e extensão da doença. A dieta elementar tem sido sugerida como aproximação inicial, mas a aderência costuma ser baixa. Anti-inflamatórios, nomeadamente 5-ASA, conseguem, em casos leves, a remissão das crises mas não a cura da doença.
O tratamento da doença de Crohn é, de início, clínico. Institui-se dieta leve, individualizada e rica em fibras, e acompanhada de alívio sintomático das cólicas e diarreia. Dieta enteral, parenteral parcial ou total, está indicada em casos graves e/ou complicados, principalmente por fístulas, com o objectivo de remissão da inflamação e melhoria do estado nutricional do doente. Na fase aguda utilizam-se, como anti-inflamatórios, os corticosteróides. Também se usam imunossupressores, como azatioprina, na fase aguda da doença, tendo-se verificado que o uso prolongado desta droga também apresenta vantagens. Os imunossupressores, como a azatioprina, têm efeito na redução da dependência dos corticoides e no tratamento das fístulas.
Metronidazol pode ser útil no tratamento da doença de Crohn em doentes com complicações perineais. Em caso de sobrecrescimento bacteriano, o uso de antibióticos de largo espectro pode ter utilidade, bem como no caso de abcessos e outras complicações perineais. A cirurgia é reservada para as complicações da doença de Crohn ou quando os sintomas graves persistem.
A terapêutica convencional compreende o 5-ASA e os corticosteroides. O ácido 5-aminossalicílico ( 5-ASA ) tem importância em casos moderados. O 5-ASA bloqueia a produção de prostaglandinas e leucotrienos, inibindo o peptídeo bacteriano que induz a quimiotaxia dos neutrófilos e a secreção de adenosina induzida, que retira os metabolitos reactivos do oxigénio e, talvez, a activação do factor nuclear induzido pelas cadeias leves das células B ( NF-kB).
5-ASA tem sido, mais recentemente, administrado sob diversas formas, consoante as lesões sejam mais ou menos distais, podendo ser sob a forma de comprimidos, supositórios, enemas, com formulações de libertação pH dependentes, etc. Assim, por exemplo, a messalazina é libertada, quando administrada sob a forma de comprimidos revestidos a eudragst, a pH superior a 7, se o objectivo é a sua libertação no íleo ou cego.
Quando o 5-ASA se revela ineficaz, podemos usar corticosteróides que provavelmente agem pelas mesmas propriedades funcionais relativas dos processos inflamatórios . Controlam a doença por modelação da fosfolipase A, interleucina 1, α-TNF, molécula 1 da aderência dos leucócitos endoteliais e lise dos linfócitos e eosinófilos. O uso prolongado de corticoides pode provocar hipertensão, diabetes e osteoporose.
Terapêutica imunossupressora e imunomodeladora tem sido utilizada na terapêutica da doença de Crohn. Usam-se principalmente nos doentes corticodependentes. Tem como importante efeito lateral expôr os doentes a infecções oportunistas. A azatioprina e a 6-mercaptopurina são utilizados, mas apresentam um maior risco de desenvolvimento de linfoma. São eficientes na manutenção da remissão bem como nas situações agudas. Para além do maior risco de desenvolvimento de linfoma, também podem causar mielossupressão, o que obriga a monitorizar rigorosa e apertadamente a contagem de leucócitos. O mecanismo de acção da azatioprina e 6-mercaptopurina pode ser a supressão da geração específica das células T. Inibe competitivamente a biossíntese dos nucleotídeos da purina. Pode provocar 2 tipos de efeitos laterais: um, não dose dependente, provocando pancreatite, hepatite, rash, febre, náuseas, diarreia e mal-estar; outro, dose dependente, que se manifesta por leucopenia e algumas formas de hepatite. A azatioprina é um agente eficaz, bem sustentado por no mínimo 5 anos, com toxicidade mínima, que apesar de poder provocar neutropenia não se associa a óbitos por sepsis.
O metotrexato, antagonista do ácido fólico, tem utilidade no tratamento da doença de Crohn. Parece actuar por inibir a interleucina 1 através do mimetismo molecular com dihidrofolato redutase. Tem, no entanto, relativamente pouca eficácia de remissão a longo prazo.
A budesonida, corticoide de acção tópica no íleo distal e cólon proximal, tem uma afinidade 100 vezes superior, pelos receptores esteroides, que a hidrocortisona.
Terapêuticas em fase experimental
- Dieta: em geral, mas com algumas situações que a contraindicam, a dieta deve ser rica em fibras. Também a redução dos produtos lácteos deve ser considerada. Doentes submetidos a dieta reduzida em micropartículas, como aditivos químicos não nutrientes e contaminantes do solo, apresentam redução significativa da actividade da doença e da necessidade dos corticoides.
- Citoquinas e anticitoquinas: as citoquinas são agentes pleiotrópicos ( pleiotropia é o nome dado aos múltiplos efeitos de um gene; acontece quando um único gene controla diversas características do fenótipo que muitas vezes não estão relacionadas ) com efeito pro-inflamatório e imunossupressor poderoso. Os efeitos das citocinas podem ser diminuídas pelos seguintes meios:- bloqueio da produção das citocinas ( ciclospurina e tacrolimos interferem na transcripção do gene IL-2)- inibição do processo intracelular que produz a proteína activa ( peptídeos metilcetonas que inibem a enzima de conversão da IL-1β/ácido hidroxâmico, inibindo a libertação proteolítica da α-TNF ligada à célula )- neutralização da citocina na circulação ( anticorpos, receptores solúveis )- bloqueio de receptor ( anticorpos e receptores antigénicos )
a) Interleucina 1: citocina pro-inflamatória existente em 3 formas – IL-1a, IL-1β ( biologicamente activas ) e IL-1ra ( para o receptor antagonista da IL-1 ); a administração de IL-1ra reduziu a inflamação intestinal e a mortalidade por sépsis
b) Proteína antagonista do receptor da IL-1 ( IL-1ra): proteína importante na terapêutica da doença inflamatória intestinal, com considerável potencial na terapia oral de libertação proteica
c) Interleucina 2: há relatos de remissão, de até 9 anos, em doentes tratados com IL-2
d) Interleucina 10: secretada por muitas células, incluindo os linfócitos T helper, monócitos/macrófagos, células dendríticas, células B e queratinócitos; suprime a inflamação por vários mecanismos imunológicos, incluindo a redução da expressão do HLA, classe II, redução de secreção de IL-2 e diminuição de outras citocinas, como o α-TNF e IL-8 pela activação dos monócitos/macrófagos. A IL-10 não é eficaz em inflamação instalada, mas parece ser eficaz na prevenção das recidivas. A bactéria Lactococcus lactis é eficaz como método de secreção de IL-10. Esta bactéria não é invasiva nem patogénica. A admnistração de bactérias ácido láctico ( lactobacilos ) diariamente é benéfico no tratamento e prevenção da doença inflamatória intestinal, e este efeito, pode ser modulado pela estabilização imunológica da mucosa por essas bactérias, que também reduzem a capacidade de colonização por bactérias patogénicas, pela acidificação do meio gastrointestinal.
A IL-10 exerce acção anti-inflamatória por reprimir efeitos biológicos do γ-interferão. As concentrações plasmáticas do γ-interferão e neopterina ( derivado pirazino-pirimidico, produzido pelos monócitos-macrófagos activados predominantemente pelo γ-interferão ) estão aumentadas em doentes com doença de Crohn activa e correlacionam-se com a actividade clínica da doença.
e) Interleucina 11: A IL-11estimula a proliferação celular em vários tecidos, incluindo o intestinal, protege as células da mucosa em várias situações de dano intestinal e tem efeito trófico nas vilosidades. Possui sinergia com as IL 3, 4, 7, 12, 13, SCF e GM-SCF
A IL-11 estimula a proliferação das células das criptas, reduz a incidência de sépsis, aumenta a sobrevivência associada à protecção da arquitectura celular intestinal
- Talidomida: com mecanismo desconhecido, reduz a sintomatologia da doença de Crohn refractária à terapêutica convencional. Talvez, o seu mecanismo de acção seja a supressão do α-TNF, agente central do processo inflamatório da doença de Crohn, que induz o acúmulo dos neutrófilos, formação de granuloma, aumento da aderência de moléculas nas células endoteliais, efeitos pró-coagulação e aumento da permeabilidade intestinal. A talidomida reduz os níveis de α-TNF e IL-12 pelas células mononucleares da lâmina própria intestinal.
- Interferão alfa: com efeitos laterais insignificantes, é uma citocina com efeitos terapêuticos muito bem sucedidos em diversas patologias virais e malignidades hematológicas
- Interleucina 18: citocina com importante papel mediador das resposta Th1, é um regulador da inflamação que pode actuar noutras células e regular a actividade da IL-1. Potente amplificador da síntese do α-Interferão pelas células T e NK. A IL-18 está aumentada em doentes com doença inflamatória intestinal.
- 1,25-dihidroxi-vitamina D: A vitamina D parece ter influência no sistema imunológico, tendo sido identificados receptores para a vitamina D nas células mononucleares do sangue periférico e em células CD4+Th. A vitamina D inibe a produção de IL-2, γ-interferão, α-TNF e a proliferação das células Th1. A vitamina D é um regulador das células T e do sistema imune em geral. Previne e reduz a sintomatologia da doença inflamatória intestinal.
- Antioxidantes: verifica-se que os antioxidantes têm efeito inibidor das citocinas, mas este efeito inibidor é mais acentuado na colite ulcerosa que na doença de Crohn
- Antibióticos: estudos empíricos reconhecem valor no emprego de antibióticos no tratamento da doença de Crohn. Metronidazol tem importância no tratamento de fístulas perianais em altas doses.
- Extracto polifenol do chá verde: reduz a produção de α-TNF e inibe a resposta inflamatória. Também o γ-interferão é diminuído pela acção do extracto polifenol do chá verde
- Óleo de peixe ( omega 3 ): Tem acção anti-inflamatória, podendo reduzir a frequência das crises em doentes com doença de Crohn, aumentando os intervalos entre as crises.
Infliximabe
É um anticorpo IgG1 monoclonal, murinico, que se liga ao α-TNF livre da membrana, que comprovadamente leva a uma melhoria clínica em 4 semanas, mantendo-se eficaz por 8 semanas após doses repetidas, verificando-se melhoria endoscópica, histológica e imunológica.
Também se verifica melhoria substancial em complicações como fístulas.
O infliximab pode provocar auto-anticorpos em 3-15% dos casos, reacções alérgicas agudas às infusões ( 5% dos casos ) e reacções de hipersensibilidade retardada como mialgias, artralgias, rash e febre que ocorrem em 25% dos casos. Após paragem por 2-4 anos , a re-exposição à droga, pode provocar o aparecimento de doença linfoproliferativa. Também pode provocar um síndrome lúpico ou o reactivar de tuberculose latente.
Doentes assintomáticos ou em remissão, que nunca foram submetidos a cirúrgia, não têm qualquer indicação para qualquer tipo de tratamento. A intervenção cirúrgica ou terapêutica medicamentosa resulta da localização da doença, intensidade de apresentação, resposta à medicação anterior e das complicações. O objectivo da terapêutica é levar o doente a ficar em remissão, após o qual dever-se-à considerar o tratamento de manutenção.
Tratamento cirúrgico da doença de Crohn é indicado para as complicações da doença de Crohn e nos casos de não resposta ao tratamento médico. Nos doentes com doença perianal, a drenagem de abcessos está indicada, bem como a fistulotomia.
A terapêutica de manutenção deve ser determinada em cada caso. Esta terapêutica está particularmente indicada em doentes em remissão que necessitam de corticoides para a obterem, também em doentes que evoluiram para nova crise precoce e ainda para os doentes submetidos a tratamento cirúrgico.
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