Metabolismo
do ferro
Sincronia
perfeita entre absorpção, utilização e armazenamento do ferro no
organismo humano é essencial para ser mantido o equilíbrio do ferro
no corpo humano.
Alteração
desse equilíbrio leva tanto ao acúmulo de ferro como à deficiência
desse elemento.
O
ferro é um mineral de importância vital para a homeostase celular.
É essencial para o transporte de oxigénio, síntese do DNA e
metabolismo energético. É um cofactor importante para as enzimas da
cadeia respiratória mitocondrial e fixação do azoto. É utilizado
na síntese da hemoglobina nos eritrócitos, mioglobina nos músculos
e citocromos no fígado.
Dos
cerca de 4-5 gramas existentes no organismo do adulto, cerca de 2.5
gramas estão na hemoglobina. O ferro aparece também na mioglobina,
catalases, peroxidases e em proteínas como a ferridoxina ou
adrenodoxina.
A
deficiência de ferro repercute-se em todo o organismo, sendo a
anemia a mais importante consequência desta deficiência. Também o
excesso de ferro é prejudicial ao organismo humano, pois o ferro
livre promove a síntese de radicais livres de oxigénio, tóxicos,
que lesam as proteínas, lípidos e DNA.
Aquisição
do ferro
O
ferro é obtido de 2 fontes principais:
- dieta
- reciclagem dos eritrócitos senescentes
A
absorpção intestinal do ferro é verificada no intestino
delgado, fundamentalmente no duodeno e, menos, no jejuno.
Numa
dieta normal, que contem 13-18 mg de ferro diário, são absorvidos
cerca de 1-2 mg, seja na forma livre ou na forma heme. Há factores
favorecedores da absorpção de ferro no intestino, como sejam a
acidez e a presença de açúcares, que são agentes solubilizadores
do ferro. A quantidade de ferro absorvido é regulada pela
necessidade do organismo, aumentando nos casos de aumento de demanda,
como os casos de gravidez, hemólise ou puberdade por exemplo. Para
que esta maior absorpção se proceda, há uma maior expressão das
proteínas envolvidas nesse processo, como a proteína transportadora
de metais divalentes 1 ( DMT-1 ) e a ferroportina. A forma de ferro
férrico ( Fe ³+ ),
fornecida por vegetais e cereais, constitui a maior parte do ferro
inorgânico. A forma de ferro heme ( ferro ferroso ou Fe ²+
) corresponde a cerca de 30% do ferro dietético, e provem da
hemoglobina e mioglobina da carne vermelha.
A
DMT-1 ( ou Nramp2 ) é formada por 12 segmentos transmembrana, e
transporta metais divalentes, nomeadamente o ferro ferroso,
manganésio, cobalto, cobre e zinco, todos possuidores de 2 cargas
positivas.
Para
a DMT-1 exercer a sua função, necessita que o ferro férrico seja
transformado em ferro ferroso, processo este mediado pela redutase do
citocromo b duodenal ( Dcytb ). A internalização do ferro heme
dietético é feita pela proteína transportadora ( carrier, em
inglês ) do heme-1 ( HCP-1 ) que se encontra na membrana apical das
células duodenais.
O
heme liga-se à membrana da borda em escova dos enterócitos
duodenais, e a proteína transportadora do heme-1, de 50 Kdaltons com
9 domínios transmembrana, atravessa intacta a membrana plasmática
importando o heme extracelular, e com ele o ferro. A seguir, o heme
apresenta-se ligado à membrana de vesículas no citoplasma do
enterócito duodenal. A HCP-1 também se expressa no fígado e rins,
e a sua regulação é feita pelo ferro intracelular, sendo que nos
casos de deficiência de ferro a HCP-1 se redistribui do citoplasma
para a membrana plasmática das células duodenais, enquanto que nas
situações de excesso de ferro a redistribuição se faz do bordo em
escova para o citoplasma.
A
hipóxia também induz a síntese do HCP-1, facilitando a captação
do heme quando há uma necessidade, por parte do organismo, maior.
Quando já no interior da célula, o ferro é libertado da
protoporfirina pela hemeoxigenase, após o que o ferro vai fazer
parte do mesmo pool onde o ferro não heme se encontra, sendo
armazenado como ferritina ou libertado do enterócito para o sangue.
O principal exportador de ferro da célula para o plasma é a ferroportina ( FPT ) que se encontra
na membrana basolateral de várias células, incluindo enterócitos
duodenais, sinciciotrofoblastos placentários, hepatócitos e
macrófagos. A expressão do mRNA da ferroportina aumenta no déficit
do ferro e na hipóxia. Assim como a DMT-1, também a ferroportina é
selectiva do ferro ferroso. Dado que a transferrina sérica tem
grande afinidade pelo ferro férrico, o ferro ferroso que a
ferroportina externaliza tem de ser oxidado, reacção esta mediada
pela enzima do enterócito hefaestina ( ou hefastenina ), uma
oxidase semelhante à ceruloplasmina sérica, presente no fígado.
Mutações que inactivam a ferroportina ou a hefaestina levam a uma
absorpção diminuída, e a um acúmulo de ferro, nos enterócitos e
macrófagos.
A
proteína da hemocromatose ( HFE ) está fortemente relacionada com a
regulação da absorpção intestinal do ferro. A HFE interactua com
o receptor da transferrina ( TfR ) detectando o grau de saturação
da transferrina, sinalizando para o enterócito, por forma a este
absorver mais ou menos ferro da luz intestinal. A mutação do gene
da HFE provoca um acúmulo de ferro no organismo decorrente da
contínua absorpção de ferro pelos enterócitos uma vez que a HFE
nunca dá o sinal ao enterócito de que a transferrina está
saturada, pelo que o enterócito considera que a saturação da
transferrina ainda não se verifica.
A
reciclagem do ferro pelos macrófagos é a outra fonte de
ferro do organismo humano. Dada a maior parte do ferro existente no
organismo estar associado à hemoglobina, a fagocitose e degradação
dos eritrócitos velhos representa uma importante fonte de ferro,
sendo esta fonte mesmo suficiente para as necessidades
eritropoiéticas diárias. Os macrófagos esplénicos e da medula
óssea, e em menor extensão as células de Küpffer
hepáticas, reconhecem alterações da membrana do eritrócito
senescente, sinalizando estes para que os macrófagos eliminem
aqueles eritrócitos, iniciando-se a fagocitose seguida da degradação
dos componentes do eritrócito. O catabolismo intracelular do heme,
que envolve enzimas como a NADPH-citocromo C redutase, heme oxigenase
e a biliverdina redutase, origina como produtos o CO, ferro e
bilirrubina. O ferro ferroso é armazenado no macrófago sob a forma
de ferritina ou é exportado pela ferroportina, sendo oxidado a ferro
férrico pela hefaestina e transportado pela transferrina até onde
vai ser reutilizado, predominantemente medula óssea.
O
transporte e captação do ferro pelas células é um passo
importante no metabolismo do ferro no organismo humano. O ferro, na
sua forma de ferro férrico, é transportado pela transferrina ( uma
β-glicoproteína de 80
Kda, sintetizada e secretada no fígado ) que possui 2 sítios
homólogos com alta afinidade pelo ferro férrico. A transferrina
solubiliza o ferro, atenua a sua reactividade e facilita a sua
libertação para as células. Em condições normais, a transferrina
transporta 3 mg de ferro embora tenha capacidade de transportar até
12 mg, ou seja, geralmente a transferrina apresenta uma capacidade de
saturação de cerca de 30%. Quando a transferrina está totalmente
saturada, o ferro pode circular livre na circulação sanguínea, sob
a forma não ligada ( NTBI - no transferrin binding iron ), facilmente internalizado pelas células,
contribuindo assim para a lesão celular que se verifica nos casos de
sobrecarga de ferro. Quando o ferro está complexado à transferrina,
a internalização do ferro inicia-se pela ligação ao receptor da
transferrina ( TfR ) presente na superfície da maioria das células,
que é um homodímero transmembrana, formando, cada subunidade, um
domínio C-terminal extracelular e um domínio N-terminal
citoplasmático. No domínio C-terminal encontra-se o local de
ligação à transferrina e no domínio N-terminal encontra-se a
sequência responsável pela endocitose da transferrina complexada
com o ferro.
A
afinidade da TfR à transferrina diférrica é determinada pela HFE.
Dentro do citosol, o HFE forma um complexo com a TfR reduzindo o
número desses receptores sobre a membrana celular. A interacção
transferrina-TfR é facilitada pelo pH extracelular de 7.4 e, a
partir dessa ligação, inicia-se o processo de captação de ferro
pela célula. O complexo transferrina-TfR-HFE é internalizado por
endocitose. Dentro do endossoma, a bomba de protões dependente do
ATP reduz o pH, facilitando a libertação do ferro da transferrina e
o complexo transferrina-TfR-HFE é reciclado, voltando à superfície
celular, sendo então a apotransferrina libertada do TfR. O ferro do
endossoma atravessa a membrana da vesícula alcançando o citoplasma.
A DMT-1 é essencial para o efluxo do ferro do endossoma para o
citoplasma. O ferro na forma férrica, libertado da transferrina, tem
de passar à forma ferro ferroso, que é a forma de ferro pela qual o
DMT-1 tem afinidade, e essa passagem de ferro férrico a ferro
ferroso necessita da acção da ferrirredutase, denominada Steap3,
sendo dessa forma o ferro férrico proveniente da transferrina
transferido para o citosol pela DMT-1. A incorporação do ferro no
anel de protoporfirina formará o heme que, combinará com as cadeias
globina e formando-se assim a hemoglobina. Um produto da clivagem do
TfR tecidual circula no plasma na forma solúvel de TfR ( sTfR )
havendo uma correlação directa entre a quantidade de sTfR e o TfR celular. A concentração de sTfR circulante é determinada
primariamente pela actividade medular eritróide. Casos de hipoplasia
da série vermelha, como anemia aplásica ou insuficiência renal
crónica, apresentam baixa de sTfR, enquanto que situações de
hiperplasia eritróide, como anemia falciforme ou outras anemias
hemolíticas crónicas, associam-se a aumento da sTfR.
A
deprivação do ferro favorece a formação de complexo IRE-IRP (
elemento responsivo ao ferro – proteínas reguladoras do ferro ) no
mRNA da TfR, aumentando a sua síntese, como se verifica na anemia
ferropriva, onde se observam concentrações séricas elevadas de
sTfR.
O
TfR2 apresenta uma similitude da sequência de aminoácidos com o TfR
em cerca de 2 terços, e expressa-se predominantemente no fígado e algumas linhagens celulares como a K562 ( eritroleucemia ) e HepG2 (
hepatoblastoma ). O TfR2 tem actividade de captação de ferro mas,
ao contrário do TfR, apresenta afinidade mais baixa pela
transferrina diférrica. Mutações no TfR2 têm sido descritas na
hemocromatose hereditária.
O
transporte de ferro mitocondrial é essencial no metabolismo
do ferro. O metabolismo do ferro, tem na mitocôndria um local
essencial, já que é o único local onde se dá a síntese do heme
e a biossíntese dos clusters Fe-S.
Após
o ferro ser transportado através da membrana mitocondrial, a
frataxina, proteína localizada na membrana interna e matriz
mitocondrial, regula a utilização do ferro mitocondrial destinado à
síntese do heme e à génese dos clusters Fe-S. A frataxina, pelo
facto de formar um complexo com o ferro, previne a presença de
radicais livres na mitocôndria. Desta forma, a falta da frataxina
promove acúmulo de ferro na mitocôndria com detrimento do ferro
citossólico.
A
cadeia respiratória mitocondrial é importante na passagem do ferro
férrico a ferroso, sendo que o ferro ferroso é a única forma de
ferro que a ferroquelatase incorpora no anel pirrólico para a
síntese do heme.
O
armazenamento do ferro também tem particular importância no
metabolismo do ferro. O ferro armazena-se nas células
retículo-endoteliais do fígado, baço e medula óssea, sob a forma
de ferritina e hemossiderina. De acordo com a proporção entre as
cadeias H e L da ferritina, a isoferritina será mais ácida ( rica
em cadeias H ) ou mais básica ( rica em cadeias L ), sendo as
primeiras mais frequentes no coração e eritrócitos, e as últimas
mais no fígado e baço ( tecidos mais comprometidos com o
armazenamento do ferro ).
A
hemossiderina é a forma degradada da ferritina, onde a concha
proteica foi parcialmente desintegrada e que, dessa forma, permite
que o ferro forme agregados.
Homeostase
do ferro
A
homeostase do ferro é regulada por 2 mecanismos principais:
- intracelular: dependente da quantidade de ferro que a célula tem
- sistémico: dependente fundamentalmente da hepcidina
a)
Regulação intracelular:
Proteínas
reguladoras do ferro ( IRP1 e IRP2 ) controlam a expressão
pós-transcripcional dos genes moduladores da captação e
armazenamento do ferro com vista a evitarem tanto o excesso como a
deficiência de ferro livre intracelular.
Nas
situações de diminuição de ferro intracelular, a IRP1 ou IRP2
ligam-se a IRE ( estruturas em forma de alça presentes em zonas não
codificadoras do mRNA ). As IRE podem apresentar-se tanto na
extremidade 3' como 5'. Quando na extremidade 3', a ligação ao IRP
protege o mRNA da degradação e prossegue a síntese proteica,
enquanto que se presente na extremidade 5' inibe a tradução do
mRNA, diminuindo a síntese proteica.
Em
situação de excesso de ferro intracelular, a IRP é inactivada por
2 formas diferentes:
- a IRP1 é uma proteína citosólica, bifuncional, que contem um cluster Fe-S; na presença de ferro, a IRP1 age como uma aconitase ( interconvertendo citrato em isocitrato ), e na ausência de ferro liga-se a IRE de vários transcriptos da hemostase do ferro com grande afinidade.
- Por outro lado, a IRP2 é inactivada por um mecanismo ferro dependente, não se dando a ligação IRP2-IRE nas células com muito ferro.
A
DMT-1 e a ferroportina apresentam estruturas IRE-like, embora a
função dos IREs nestas proteínas pareça ser mais complexa.
b)
Regulação sistémica:
O
ferro é eliminado do organismo por secreções, descamação das
células intestinais e epidérmicas ou por hemorragias. O organismo
não tem mecanismo para eliminar o ferro absorvido ou acumulado em
excesso após a reciclagem deste ião pelos macrófagos.
O
controlo do equilíbrio do ferro faz-se pela comunicação entre
absorpção, utilização e armazenamento. Esta comunicação é
feita pela hepcidina, hormona circulante fundamental na homeostase
do ferro. É um peptídeo antimicrobiano mediador da imunidade inata.
A actividade antimicrobiana, é conferida, pela restrição à
disponibilidade do ferro que confere aos microbianos e pela
capacidade de romper as membranas celulares. A sua actividade é, no
entanto, fundamentalmente sobre a homeostase do ferro, sendo um
regulador negativo do metabolismo do ferro sintetizado no fígado. A
regulação da expressão da hepcidina é feita pelo estado do ferro
( aumentando a expressão da hepcidina aquando de sobrecarga de
ferro; a anemia e a hipóxia reduzem a expressão da hepcidina ) e o
estado inflamatório onde o IL-6 tem um papel fundamental. A IL-6
actua directamente sobre os hepatócitos estimulando a hepcidina.
A ferroportina é o receptor da hepcidina, e a interacção da hepcidina-ferroportina controla os níveis de ferro nos enterócitos, hepatócitos e macrófagos. O complexo hepcidina-ferroportina é internalizado na membrana basolateral dos macrófagos, e a ferroportina é degradada, bloqueando a libertação do ferro dessas células, ocorrendo um acúmulo de ferro nos hepatócitos e macrófagos; com a passagem reduzida de ferro para o plasma, verifica-se uma saturação da transferrina diminuída e menos ferro é libertado para a maturação dos eritroblastos. A ferroportina, tal como a DMT-1, transporta ferro ferroso.
A
hepcidina induz uma diminuição da transcrição do DMT-1, levando a
uma inibição da captação do ferro pelos enterócitos, enquanto
que os níveis do mRNA e da ferroportina nos enterócitos não se
alteram. Os efeitos da hepcidina são célula dependente, sendo
diferenciados nos macrófagos e nos enterócitos.
A
regulação da expressão da hepcidina ocorre em nível
transcripcional. As citoquinas inflamatórias, e particularmente
IL-6, induzem a transcrição do peptídeo antimicrobiano da
hepcidina ( HAMP ) pela activação do Stat3, e da ligação do Stat3
ao elemento regulador no promotor de HAMP.
Em
situações de anemia e hipóxia há uma redução da expressão da
hepcidina visando maior absorpção de ferro pelos enterócitos e
maior exportação do ferro do sistema reticulo-endotelial e
enterócitos, aumentando a disponibilidade do ferro para a
eritropoiese. A transferrina diférrica compete com o HFE, na
superfície celular do hepatócito, pela ligação à TfR1. Em
situações de altas concentrações de transferrina diférrica, há
maior ligação da transferrina ao TfR e a HFE livre sinalizaria por
forma a haver uma maior síntese de hepcidina. Nos casos de baixa
saturação de transferrina, a competição para a ligação ao TfR
seria favorável para a HFE. Diminuição dos níveis de HFE livres
levariam à redução da expressão da hepcidina mediada pelo HFE. A
expressão da hepcidina também é regulada pelas proteínas
hemojuvelina ( HJL ) e TfR2, pelo que mutações nestas moléculas, e
na β2-microglobulina, que
interactuam com HFE na superfície celular, podem originar
hemocromatose, situação em que a expressão da hepcidina está
diminuída ou não responde ao excesso de ferro da dieta.
A
etiologia das anemias caracteriza-se pela biossíntese anormal da
hemoglobina. Os eritrócitos em desenvolvimento requerem ferro,
protoprofirina e globina. Desta forma, as anemias por deficiente
síntese da hemoglobina podem ser de 3 tipos, consoante o componente
em falta.
Na
anemia das doenças crónicas, verifica-se haver uma diminuição do
ferro plasmático, com acúmulo do ferro nos macrófagos, privando a
medula óssea de suprimentos adequados.
A
extensão da utilização biológica do ferro, um metal de transição,
está na capacidade de existir em diferentes estados de oxidação,
formar muitos complexos e actuar como centro catalítico para
diversas funções metabólicas. Tem importância capital no
transporte do oxigénio e do dióxido de carbono, e participa em
componentes de numerosas enzimas celulares importantes para o
funcionamento do sistema imunológico, bem como nos citocromos
indispensáveis na produção de energia, enzimas do ciclo do ácido
cítrico, ribonucleotídeo redutase e NADPH redutase, síntese da
dopamina, serotonina, catecolaminas, ácido γ-aminobutírico
e formação da mielina.
A
reciclagem biológica do ferro é quase total, sendo que apenas
quantidades tão pequenas quanto 1.5 mg/dia são necessárias para
substituir as perdas diárias existentes.
A absorpção do ferro da dieta é diminuída pelo chá preto, chá verde, café, chocolate, produtos com cálcio ( lacticíneos ) e
farelo de trigo integral. Pelo contrário, o ácido ascórbico
favorece a absorpção do ferro da dieta, particularmente o ferro não
heme ( ferro dos alimentos vegetais ).
Na
normalidade, os macrófagos adquirem ferro por fagocitose de
eritrócitos senescentes, dos quais a hemoglobina é retirada e
catabolizada. O ferro libertado retorna ao plasma por 2 vias
diferentes: uma, rápida, associada com a libertação quase imediata
do ferro retirado da hemoglobina, e uma lenta, proveniente do ferro
incorporado nos depósitos de armazenamento das células.
Na
anemia das doenças crónicas, há um bloqueio da via rápida, sendo
que o ferro armazenado aumenta e é libertado pela via lenta. A
transferrina, assim como a lactoferrina, é fundamental no processo
que induz o estado de hipoferremia. A lactoferrina, proteína
semelhante à transferrina, é secretada pelos neutrófilos e
libertada pela estimulação da IL-1. A lactoferrina liga-se ao ferro
com maior avidez que a transferrina, principalmente em pH baixo, não
transporta o ferro para as células eritropoiéticas e é captada
rapidamente pelos receptores específicos da membrana sobre os
macrófagos. A apoferritina, sintetizada em resposta ao aumento
intracelular de ferro, quando em excesso se liga a uma quantidade
maior que o usual de ferro que penetra na célula desviando-o da via
rápida para a via lenta de libertação, aumentando o ferro no
interior dos macrófagos.
A
IL-1, IL-6, α-TNF e
γ-interferão actuam
sobre a eritropoiese, inibindo-a, diminuindo a disponibilidade do
ferro para as bactérias, aumentando a síntese da ferritina,
suprimindo a absorpção de ferro no intestino, aumentando retenção
do ferro pelos macrófagos, induzindo a retirada do ferro dos locais
de invasão bacteriana pela lactoferrina e levando à síntese de
anticorpos contra o sistema de captação de ferro pelas bactérias.
Os
eritrócitos, por não possuirem núcleo, mitocôndria nem
ribossomas, são incapazes de biossíntese. A produção de energia
depende da glicólise anaeróbica. O ciclo de Rapaport-Luebering
regula a afinidade do oxigénio pela hemoglobina.
Em
casos de hipóxia ocorre inibição da expressão da hepcidina
visando maior absorpção de ferro e exportação deste com a
finalidade de aumentar a disponibilidade do ferro para a
eritropoiese.
↓ hepcidina
-----> ↑ captação de ferro
há um ↑ hepcidina ----> quando há ↑ ferro plasmático
há um ↑ hepcidina ----> quando há ↑ ferro plasmático
A
absorpção de ferro da dieta é feita em 3 etapas:
- importação: consiste no transporte do ferro do lúmen intestinal para o interior do enterócito duodenal, através da membrana celular ( intervêm HCP-1 e DMT-1 )
- processamento: consiste na movimentação do ferro dentro do enterócito
- exportação: é a saída de ferro do enterócito para a corrente sanguínea ( intervem ferroportina )
A
maioria das proteínas onde o ferro é contido são estruturalmente
semelhantes. Em parte delas o ferro está no grupo heme, local activo
de transporte de electrões de citocromos, citocromo oxigenase (
essencial no ciclo de Krebs ), peroxidases, catalases, mioglobina e
hemoglobina. Noutras proteínas, o ferro pode encontrar-se na forma
sulfúrea ( Fe-S ) como é o caso da ribonucleotídeo redutase,
aconitase, desidrogenase succínica. O ferro pode lesar os tecidos
por catalizar reacções produtoras de radicais livres de oxigénio
que destroem a membrana celular, proteínas ou DNA.
Quando
a dieta é rica em ferro, e assim a ferritina no enterócito é alta,
o complexo HFE-TfR inibe a capacidade da absorpção de ferro do
enterócito, um processo chamado de bloqueio mucoso.
A
absorpção do ferro é regulada em 3 pontos principais. O primeiro é
o bloqueio mucoso. O segundo mecanismo refere-se ao mecanismo
regulador de armazenamento de ferro em que estados de sobrecarga de
ferro provocam menor absorpção, enquanto que se observa uma maior
absorpção nos casos de ferropenia. O terceiro mecanismo, o
regulador hematopoiético, modula a absorpção consoante as
necessidades da eritropoiese.
Mecanismos de regulação da absorpção do ferro
- Bloqueio mucoso
- Reservas de ferro
- Necessidades eritropoiéticas
Mecanismos de regulação da absorpção do ferro
- Bloqueio mucoso
- Reservas de ferro
- Necessidades eritropoiéticas
O
estudo do metabolismo do ferro demonstra que 80% do ferro plasmático
é levado para a medula óssea, para a eritropoiese. Os restantes 20%
são armazenados nos hepatócitos, sob a forma de ferritina e
hemossiderina, assim como algum é levado para os músculos (
mioglobina ) e outros tecidos. Macrófagos teciduais também servem
de armazenamento de ferritina e hemossiderina.
40%
do ferro dos eritrócitos destruídos aparece, dentro de 12 dias, em
circulação, em novos eritrócitos.
Não
existe um mecanismo fisiológico de excreção de ferro.
O
ferro sérico obedece a um ciclo circadiano, sendo mais alto entre as
7 e as 10 da manhã e diminuindo à noite.
( ácido δ-aminolevulínico sintetase )
A
afinidade do IRP pela IRE depende da quantidade de ferro
intracelular. Quando há excesso de ferro, a ligação IRP-IRE não
ocorre, o que permite que a tradução do mRNA prossiga. A formação
do complexo IRP-IRE na extremidade 5' do mRNA impede a tradução do
mRNA da ALAS2 ( ácido δ-aminolevulínico sintetase ). A
importância disto advém de que a síntese de heme inicia-se pela
formação do ácido δ-aminolevulínico a partir da condensação
da glicina com succinilCoA, reacção catalizada pela ALAS2 e que
requer a participação da vitamina B6 como cofactor. Nas situações de excesso de ferro, a ALAS2 é expressa
e a biossíntese do heme inicia-se para aproveitamento do ferro
disponível. Quando há falta de ferro, o complexo IRP-IRE bloqueia a
tradução do mRNA, abolindo a expressão do ALAS 2, diminuindo a
síntese do heme. O ácido δ-aminolevulínico passa da mitocôndria
para o citosol e sofre um processo de dimerização originando o
porfobilinogénio, reacção catalizada pela
aminolevulinato dehidratase. Pela acção do porfobilinogéneodeaminase
é formado um polímero de 4 moléculas de porfobilinogéneo,
denominado hidroximetilbilano, que serve de substracto ao
uroporfirinogéneo sintetase III, que cataliza a conversão do
hidroximetilbilano em uroporfirinogéneo III, primeiro elemento em
anel. Uma forma isomérica, metabolicamente inerte, de
uroporfirinogéneo ( UPG I ) é formada e descarboxilada parcialmente
produzindo o coproporfirinogéneo I, que é eliminado, não sendo
convertido em heme. A partir do uroporfirinogéneo III, que é
descarboxilado e sofre remoção de 4 grupos acetato, é gerado o
coprogen III e que vai originar a formação do heme após a acção
da ferroquelatase. A expressão da ferroquelatase é regulada pelo ferro
intracelular e pela hipóxia.
A
síntese do heme nas células eritróides está comprometida com a
síntese da hemoglobina nos eritroblastos.
No
interior do enterócito duodenal, o ferro é libertado da
protoporfirina pela heme oxigenase, indo fazer parte do mesmo pool de
ferro não heme proveniente da dieta. Se a necessidade de ferro
for baixa, o ferro permanecerá no enterócito, na ferritina; se
houver necessidade de ferro, este sairá do enterócito para o
plasma, onde é transportado pela transferrina.
A
saída de ferro do enterócito para o plasma é feita unicamente pela
acção da ferroportina, proteína transmembrana que se localiza na
região basolateral do enterócito, assim como noutras células do
organismo. A ferroportina também, como o DMT-1, é selectiva para o
ferro ferroso.
Os
reticulócitos, ao contrário do que acontece no coração e fígado,
só captam o ferro ligado à transferrina.
A
ferroportina é o receptor da hepcidina, e a interacção
ferroportina-hepcidina controla os níveis de ferro nos enterócitos,
hepatócitos e macrófagos.
O
complexo ferroportina-hepcidina é internalizado nos domínios da
membrana basolateral dos macrófagos; ocorre a fosforilação da
tirosina num dos domínios citoplasmáticos da ferroportina com
internalização da proteína, desfosforilação, ubiquitinação e
degradação de ambas as proteínas no componente lisossomal do
endossoma. Desta forma, o ferro não é externalizado, levando a
aumento do ferro no citosol que será armazenado como ferritina,
havendo acúmulo de ferro nos hepatócitos e macrófagos, com
diminuição de passagem de ferro para o plasma, diminuição de
saturação da transferrina e menos ferro libertado para o
desenvolvimento dos eritroblastos.
O
aumento dos níveis de ferro leva a que o HFE, a hemojuvelina e o
TfR2 estimulem a síntese de hepcidina pelo fígado, que vai inibir a
absorpção do ferro intestinal e a libertação do ferro dos
macrófagos, reestabelecendo o equilíbrio do ferro.
A
ferritina plasmática tem propriedades oxidativas, convertendo o
ferro ferroso em ferro férrico, facilitando a sua incorporação
pelas células. A vitamina E, por aumentar a resistência da membrana
eritrocitária à hemólise e assim diminuir a velocidade de
renovação da hemoglobina, influência na conservação das reservas
corporais de ferro.
A
avidez da ligação da apotransferrina aos enterócitos é muito
maior que a da transferrina saturada. Por outro lado, a transferrina
diférrica tem muito mais afinidade que a monoférrica para os
receptores celulares da transferrina, determinando que a libertação
de ferro plasmático para os tecidos seja maior com o aumento da
saturação da transferrina.
O
TfR é uma proteína transmembrana, composta por 2 cadeias
polipeptídicas idênticas, ligadas por uma ponte dissulfídrica.
Uma molécula de transferrina liga-se a cada uma das subunidades do
TfR. O complexo ferro-bicarbonato-transferrina, ligado ao TfR, entra
na célula por endocitose. Num pH ácido, existente na vesícula
endocitótica, o ferro é libertado continuando a apotransferrina
ligada ao TfR, retornando o complexo transferrina-TfR à superfície
celular que, a pH neutro, separa a transferrina do TfR e retorna ao
plasma para novo ciclo.
Há
uma relação directa entre o número de TfR e actividade
eritropoiética e uma relação inversa entre o número de TfR e a
quantidade de ferro no organismo.
As
IRPs regulam, em conjunto com as IREs, a entrada e armazenamento de
ferro no interior das células, através do controlo de processo de
tradução da síntese do TfR e ferritina. Cinco IREs estão
presentes na posição 3´ da região não traduzida do mRNA do TfR,
enquanto que apenas uma IRE está presente na posição 5' do mRNA da
ferritina.
A
afinidade do TfR à transferrina diférrica é determinada pelo HFE (
proteína da hemocromatose ). Dentro do citosol, o HFE forma um
complexo com o TfR reduzindo o número desses receptores sobre a
membrana celular.
A
absorpção do ferro da dieta envolve a libertação do ferro pelo
HCl ( como ferro férrico ) formando um quelato com o ácido
ascórbico e certos açúcares e aminoácidos. Estes quelatos
permanecem solúveis nos líquidos mais alcalinos duodenais e
jejunais onde se intensifica a absorpção do ferro.
O
ferro férrico é pobremente solúvel a pH superior a 3, e assim
fracamente absorvido. Pelo contrário, o ferro ferroso é mais
solúvel mesmo a pH alcalino e, dessa forma, mais facilmente
absorvido.
A
hepcidina é superexpressada nas situações de sobrecarga de ferro e
nos casos de infecções e inflamações. Já situações de
deficiência de ferro ou de hipóxia inibem a expressão da
hepcidina. A ferroportina é o receptor da hepcidina, formando um
complexo que controla os níveis de ferro nos enterócitos,
hepatócitos e macrófagos.
A
HFE está ligada à regulação da absorpção de ferro. A HFE
interactua com a TfR detectando o seu grau de saturação. Com o
aumento dos valores de saturação ocorre um maior armazenamento do
ferro na ferritina. Quando a saturação diminui, acontece um aumento
do ferro transportado na circulação.
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