segunda-feira, fevereiro 25, 2019

Variantes de Hemoglobinas


Variantes de Hemoglobinas

A hemoglobina é uma metaloproteína tetramérica globular composta por 2 unidades alfa e 2 unidades não-alfa, contendo 4 grupos heme.



A hemoglobina varia na sua composição das cadeias consoante o estado evolutivo do ser humano. Assim, no embrião, a hemoglobina pode ser Hgb Gower I ( ξ2 ε2 ), Hgb Gower II ( α2 ε2 ) e Hgb de Portland ( ξ2 γ2 ), passando a Hgb fetal, no feto, com a composição Hgb F ( α2 γ2 ) e finalizando, na normalidade em Hgb A1 ( α2 β2 ) ou Hgb A2 ( α2 δ2 ).
No indivíduo adulto, a hemoglobina aparece em 96-98% com Hgb A1 ( α2 β2 ), 2-3% como Hgb A2 ( α2 δ2 ) e em menos de 1% se encontra Hgb F ( α2 γ2 ). Em latentes, a Hgb F se apresenta entre 50% e 80%, nos recém-nascidos, desce para 8% até aos 6 meses e fico nos 1-2% após os 6 meses de idade.
As variantes de hemoglobinas, ou hemoglobinopatias, são o resultante de mutações que afectam os genes responsáveis pela síntese das cadeias de globina que formam a hemoglobina e que podem ser divididas em:
  • alterações quantitativas: com diminuição ou mesmo ausência de uma ou mais cadeias de globina e originando a talassémia
  • alterações qualitativas: alterações estas que originam variantes estruturais das hemoglobinas, nomeadamente as Hgb S, C, D ou outras.
As hemoglobinopatias são as alterações monogénicas mais comuns encontradas, atingindo cerca de 6% da população mundial e são transmitidas de pais para filhos de forma autossómica recessiva.

As técnicas usadas no despiste de variantes da hemoglobina são:
  • técnicas de electroforese
  • técnicas de cromatografia
  • técnicas de estudo funcional da hemoglobina
          • teste de solubilidade da Hgb S
          • teste de estabilidade – teste de isopropanol
          • pesquiza de corpos de inclusão de Hgb H
          • estudos de afinidade para o oxigéneo molecular
A electroforese das hemoglobinas permite detectar Hgb S, D do Punjab, C, E ou de Lepore. Apresenta uma boa separação de Hgb A em relação à Hgb F e permite detectar variantes raras.
A técnica de cromatografia, quantifica fracções normais e anómalas, baseando-se na sua carga global e comportamento ácido-base. Permite uma quantificação relativa dos níveis de Hgb A1, Hgb F, variantes estruturais de Hgb e identificação de Hgb S, D, C e E.

HPLC de fase reversa, HPLC-RP, permite a identificação de variantes estruturais da hemoglobina, quantificação das variantes estruturais, identificação do tipo de cadeia globina alfa e não-alfa, detecção de variantes de hemoglobinas neutras e avaliar a presença de níveis de Hgb F aumentados, as cadeias Gγ, AγI, AγT da Hgb F.





A hemoglobina padrão é designada de Hgb A, sendo que todas as hemoglobinas que não são A são chamadas de variantes de hemoglobina.
Os indivíduos podem apresentar um padrão normal – Hgb AA – não tendo necessidade de encaminhamento para estudo genético e não apresentando doença falciforme; pode o doente apresentar-se como sendo Hgb AS ( heterozigoto para Hgb S ou traço falciforme ) tendo necessidade de estudo genético mas não apresentando doença falciforme ou sendo Hgb AC ( heterozigótico para Hgb C ) devendo efectuar-se estudo genético mas não tendo o doente doença falciforme; ou sendo Hgb A com outra variante qualquer, sendo que deverá o doente ser encaminhado para estudo genético de doença falciforme mas não apresentando doença falciforme. O doente também se pode mostrar como sendo Hgb SS ou Hgb SC, em que o doente tem doença falciforme ou o doente ainda poderá ter Hgb S e outra variante ou Hgb C e outra variante sendo que nestes casos também é um doente com doença falciforme e deverá haver estudo genético e consulta de Hematologia proposta ao doente.
A incidência de testes alterados é de cerca de 1 em cada 60 testes.

Adultos saudáveis no geral apresentam uma combinação de Hgb A1 e Hgb A2, sendo que a Hgb F também costuma aparecer em quantidades muito reduzidas. Hgb F em percentagens superiores a 2% do total já é considerado anormal.
A hemoglobina S é uma hemoglobina associada a anemia falciforme enquanto que a hemoglobina C é uma hemoglobina anormal associada a anemia hemolítica.

As talassémias são patologias caracterizadas por alterações quantitativas da hemoglobina.
Na vida fetal, a hemoglobina que predomina é a Hgb F, composta por 2 cadeias alfa e 2 cadeias gama. Após o nascimento, as cadeias gama são substituídas por 2 cadeias β ou δ.
A talassémia resulta de uma mutação genética nos genes da globina com consequente diminuição, ou mesmo abolição, da síntese de uma das cadeias de globina, o que leva a uma eritropoiese ineficaz com produção de hemoglobina deficiente, hemólise e anemia que pode ser mais ou menos severa.

Basicamente existem 4 síndromes talassémicos:
  • alfa-talassémia, caracterizada por redução ( α+ talassémia ) ou ausência ( α0 talassémia ) da síntese das α-globulinas
  • beta-talassémia, em que se verifica redução ( β+ talassémia ) ou ausência ( β0 talassémia ) das cadeias β-globulina
  • delta/beta-talassémia, caracterizado por redução ( δ+/β+ talassémia ) ou ausência de síntese das cadeias δ-globulina ou β-globulina, respectivamente.

A persistência de Hgb F, que leva a que existam no adulto altas percentagens desta variante, não causa doença clínica mas, pelo contrário, reduz a severidade da talassémia e da ausência de células falciformes ( Hgb S ).

As alterações da síntese das globinas levam a que se verifique uma produção inadequada da hemoglobina A e assim ocorre hipocromia e microcitose. As cadeias da globina não afectadas pela alteração são produzidas em quantidades normais e a sua precipitação nos eritrócitos é responsável pela lise que ocorre no baço e consequente anemia hemolítica. De salientar que a talassémia dá uma maior resistência à parasitação pelo plasmódio.

Alfa-talassémia: as formas mais comuns da α-talassémia resultam da delecção de 1, 2, 3 ou 4 genes da cadeia α-globina nas 2 cópias do cromossoma 16. É uma doença muito comum na Ásia e bacia do Mediterrâneo e população africana indígena.
a) α-talassemia 2: deve-se à delecção de um alelo alfa; assintomático, os portadores, silenciosos clínica e laboratorialmente, podem agravar o tracto α-talassémico nos seus descendentes. Requer apenas aconselhamento genético
b) α-talassemia 1: resulta da delecção de 2 cópias do gene de α-globina no mesmo cromossoma; o doente apresenta anemia com leve hipocromia e microcítica sem aumento de Hgb A2. Requer apenas aconselhamento genético
  1. Hemoglobina H: resulta do cruzamento de um ascendente α-talassemia 2 com outro α-talassemia 1, originando a delecção de 3 genes da α-globina. Apenas se verifica existir uma pequena quantidade de Hgb A. Há um excesso de cadeias β formando-se a Hgb β4 , que é anormal e instável. Os doentes têm anemia hemolítica moderada a severa, que se exacerba com infecções, medicamentos e outros aspectos oxidantes.
  1. Hemoglobina de Barts ou hidrops fetalis ou Hgb γ4: é originada pela herança de α-talassemia 1 de ambos os progenitores, resultando em ausência total dos genes das α-globinas e assim não havendo Hgb F nem Hgb adulta, acumulando-se a Hgb γ4. Não há transporte de oxigéneo aos tecidos. O feto desenvolve severa insuficiência cardíaca congestiva e morte intrauterina. É uma doença exclusiva do sudeste asiático. 

Beta-talassémia: síndrome heterogéneo composto por mais de 50 variantes definidos por mutações genéticas específicas. A transmissão é hereditária e de padrão mendeliano podendo os doentes serem heterozigóticos ( traço β-talassémico ) ou homozigóticos ( β-talassémia intermédia ou β-talassémia acentuada ).
Os doentes com β-talassémia apresentam hipocromia e microcitose com cadeias α-globina em excesso que precipitam nos eritroblastos originando hemólise dos eritroblastos, na medula óssea, e dos eritrócitos no baço e sangue periférico ( anemia hemolítica ). A anemia é severa originando expansão da medula óssea. Observa-se o facies mongolóide característica nos doentes homozigóticos. Anemia severa com ICC, excesso de ferro resultando da aumentada absorpção no tubo digestivo e esfregaço de sangue periférico com presença de marcada hipocromia, microcitose, poiquilócitos, eritroblastos e invasão maciça da medula óssea por precursores eritróides.
Doentes heterozigóticos ( traço β-talassémico ) são assintomáticos. É importante fazer o diagnóstico diferencial com a carência de ferro. Hgb A1 está aumentada.
Variante de β-talassémia, como Hgb de Lepore ( comum no sudeste asiático ) é diagnosticado por electroforese de hemoglobinas. Traço β-talassémico requer unicamente aconselhamento genético.

As hemoglobinas variantes originam-se por substituição de um amino-ácido por outro na superfície externa da molécula ( raramente podem haver substituições de 2 amino-ácidos por outros 2 na mesma cadeia ). A substituição na superfície externa, com excepção da Hgb S, C e E não produzem alterações funcionais significativas. Substituição de amino-ácidos na superfície externa envolvem resíduos polares e não polares e causam instabilidade molecular da hemoglobina com oxidação do grupo heme e formação excessiva de metemoglobina e precipitação da globina instável que se pode observar por meio da presença de corpos de Heinz.



Podem as hemoglobinas variantes também serem causadas por substituição de aminoácidos envolvidos na afinidade ao oxigéneo sendo estes cerca de 50 tipos de hemoglobinas variantes e que apresentam afinidade aumentada ou diminuída. As variantes com aumento de afinidade originam eritrocitose enquanto que as com diminuição de afinidade originam anemia hemolítica.
Outras alterações podem ocorrer com vista à formação de variantes de hemoglobina como sejam alterações que se caracterizam por oxidação espontânea e contínua de ferro com formação excessiva de metahemoglobina; alterações com fenótipos α- ou β- talassémicos, fusão entre 2 cadeias globina diferentes como a hemoglobina de Lepore ( Hgb por fusão das cadeias δ e β ) ou a hemoglobina anti-Lepore ( por fusão das cadeias β com δ ). Muitas outras alterações existem.

Hemoglobina C: alterações na β-globina em que o aminoácido ácido glutâmico é substituído pela lisina o que origina alteração da carga eléctrica e desse modo a mobilidade é muito lenta em electroforese alcalina comparativamente à mobilidade da Hgb A, S ou Lepore. O doente com Hgb CC apresenta anemia hemolítica variável e esplenomegalia pode ocorrer. A hemoglobina está nas 9-12 g/dl com hematócrito de 30-40%, reticulocitose de 3-7% e observam-se muitas células alvo. Na hemoglobina CC não se detecta Hgb F elevada , na Hgb C/Tal a Hgb F é elevada e acima de 5%.

Hemoglobina D: variante de hemoglobina com mobilidade em electroforese de pH alcalino igual à da Hgb S é separado em pH ácido. Totalmente assintomático quando em Hgb AD, sendo que a fracção D pode constituir 30-50% da hemoglobina total.
Hemoglobina D em conjunto com β-talassémia causa anemia microcítica hipocrómica, com valores de hemoglobina de 9.5-12 g/dl, VGM < 77 fl e HGM < 27 pg. Diagnóstico diferencial com Hgb SD em que electroforeses em pH alcalino não separa as 2 fracções bem como o teste de falciformação, que é positivo, não dá a indicação de qual hemoglobina está em causa. Electroforese em pH, ácido é o indicado para a diferenciação das variantes sendo a Hgb S mais lenta do que a Hgb D.
Várias variantes da Hgb D existem como a de Punjab, Los Angeles, Irão, Ibadan, etc.

Hgb A1        α2 – β2                              Os genes da α-globina estão no cromossoma 16
Hgb A2       α2A – δ2                        
HbF            α2A – γ2                             Os genes da β-globina estão no cromossoma 11
HgG Fetal  α2G – γ2 

Há 4 genes codificadores da cadeia α-globina enquanto que a cadeia β-globina é codificado por 2 genes.

Hemoglobina E é uma das variantes de hemoglobina mais frequentes e atinge principalmente as pessoas do sudeste asiático ( Laos, Cambodja, Tailândia ). Apresentam, em homozigotia, anemia hemolítica suave, microcitose e ligeira esplenomegalia. Em heterozigotia a hemoglobina E não causa sintomatologia.

Hemoglobina F, a hemoglobina do feto, está ao nível do adulto ao fim de 6 meses – 1 ano de idade. Pode estar elevado na β-talassémia e frequentemente aparece elevado em doente com anemia falciforme ou β-talassemia. Também pode estar elevada na situação de persistência de Hgb fetal, distúrbio hereditário assintomático. Hgb F pode estar aumentada em leucemias e SMP.

Hemoglobinopatia SC cursa com anemia hemolítica leve e esplenomegalia moderada. Podem ocorrer oclusões vasculares como as que ocorrem na anemia falciforme.
Na hemoglobinopatia SD pode ocorrer oclusão vascular ocasional e anemia hemolítica moderada.

sexta-feira, fevereiro 15, 2019

Hemoglobina A1c

Hemoglobina A1c – Hgb A₁c

Hemoglobina A₁c é um dos mais úteis e usados biomarcadores, dada a sua correlação com as complicações diabéticas.
Dados foram acumulados de variáveis não diabéticas serem capazes de afectar Hgb A₁c com significado clínico variável. A identificação do gap de glicosilação, isto é a discrepância entre Hgb A₁c prevista e mensurável, pode ter significado clínico.

Um número significativo de variáveis existe capazes de alterar a concentração de Hgb A₁c, embora apenas uma pequena parte dessas variáveis tenha importância clínica.

A Hgb A₁c é produzida a uma taxa dependente do substracto ( glucose ), in vivo, continuamente pela formação duma ceto-amina no N-terminal da cadeia beta da hemoglobina.
A glucose entra no eritrócito a uma taxa proporcional à glicemia presente, através dos canais GLUT 1, por forma a igualar a concentração da glucose intra e extraeritrocitária.
As complicações microvasculares da diabetes, nomeadamente nefropatias, neuropatias e retinopatias, aparecem em tecidos que expressam os canais GLUT 1 e, possivelmente, a causa seja a toxicidade causada pela glicose intracelular.
Esta é provavelmente a razão pela qual existe uma muito boa correlação entre complicação diabética e Hgb A₁c e esta se mostra um muito bom biomarcador da homeostasia da glicose.

Hgb A₁c se correlaciona fortemente com a glicemia e, assim, é um bom marcador da monitorização dos níveis de glicose no soro e dá uma média aproximada da concentração de glicose sérica nos últimos 120 dias.
Eritrócitos integram os níveis de glicose durante toda a sua vida e alterações súbitas de glicemia causam pouca influência no resultado final da Hgb A₁c, o que faz este teste ter pouca importância nas situações de início recente, nomeadamente diabetes tipo I e diabetes gestacional, bem como na diabetes causada por pancreatite aguda.

Actualmente, os imunoensaios para determinação de Hgb A₁c dão resultados muito fiáveis para a maioria das variantes de hemoglobina, o doseamento de Hgb A₁c não deve ser usado em doentes homozigóticos cuja semivida média eritrocitária seja significativamente anormal.
As amostras para determinação de Hgb A1c devem ser de sangue total, podendo este ser venoso ou capilar. Não há, até à data, estudos em sangue arterial que demonstrem que também pode ser este tipo de sangue arterial uma amostra adequada para esta determinação.
A estabilidade de Hgb A₁c é grande para períodos prolongados. Armazenamento a 4ºC é preferível comparativelmente com a temperatura de -20ºC quando são usadas técnicas que empreguem métodos de troca iónica. Para períodos muito grandes de armazenamento, devem ser as amostras guardadas a -70ºC.
Não há ritmo circadiano para a Hgb A₁c mas pode existir um ritmo sazonal, com valores mais altos no Inverno.
Lípidos, ureia, glicose ( e Hgb A₁c fracção lábil ), aspirina, vitamina C e bilirrubina não parecem causar interferência clinicamente significativa no doseamento da Hgb A₁c, embora se verifiquem alterações tanto negativas ( colesterol, triglicerídeos ) como positivas ( vitamina C ). Hemólise parece não afectar a determinação da Hgb A₁c.

Factores que podem interferir no doseamento da Hgb A₁c
  1. Semivida média eritrocitária: embora a semivida média eritrocitária seja de 3 meses, verificou-se que o mês mais recente afecta em cerca de 50% o valor final, com um decréscimo com a idade do eritrócito
  2. Teste point of care: estes testes point of care revelaram-se com uma inaceitável imprecisão comparativamente com os métodos mais precisos usados pelos laboratórios, pelo que há recomendações para estes métodos não serem usados para o diagnóstico de diabetes mellitus. No entanto, estes métodos point of care são bons para monotorização da diabetes e são muito usados em pediatria, pois podem usar sangue capilar
  3. Protocolo de diagnóstico: Testes diagnósticos para a diabetes incluem PTGO, glicemia em jejum, Hgb A₁c ou glicemia randomizada. Todos estes testes são úteis e sem revelarem superioridade de um teste em comparação com outro embora TPGO apresente uma sensibilidade superior. PTGO é considerada o padrão ouro para diagnosticar diabetes, embora haja particularidades que levem a que Hgb A₁c seja o melhor teste para diabetes tipo II, PTGO o melhor para diabetes gestacional e glicemia seja o melhor teste para diabetes tipo I
Variáveis biológicas não glicémicas:
  1. Idade: Dado que a mudança da hemoglobina fetal para a hemoglobina do adulto se inicia às 24 semanas, é possível que a Hgb A₁c do recém-nascido tenha interesse na informação da exposição in útero do feto à glicemia materna no último trimestre da gravidez. Não é sugerido o uso de Hgb A₁c no diagnóstico de diabetes do recém-nascido. Verificou-se existir correlação positiva entre a idade nos adultos, e particularmente idosos, e a concentração da Hgb A₁c, em parte devido às taxas menores de glicosilação com o envelhecimento. Verificou-se que a eficácia diagnóstica da Hgb A₁c diminuída com a idade, secundária a uma contagem eritrocitária mais baixa com Hgb A₁c.
  2. Etnia: A etnia afecta os níveis absolutos de Hgb A₁c, quaisquer que sejam os níveis de glicemia, sendo mais altos os valores de Hgb A₁c em negros, asiáticos ou latinos comparativamente com caucasianos. Também se verificou que os pretos apresentam uma Hgb A₁c superior à dos brancos
  3. Género: Os dados são contraditórios no que respeita à acção do sexo sobre os níveis de Hgb A₁c, embora seja indicativo haver uma concentração superior nos homens comparativamente às mulheres mas apenas no grupo etário 30-59 anos. Raparigas parece terem um valor superior de Hgb A₁c comparativamente aos rapazes e hipotetiza-se ser devido ao início da puberdade. Este parâmetro não deve ser tomado em consideração.
  4. Turnover eritrocitário: Dado o turnover eritrocitário alterado ter influência na distribuição etária eritrocitária, este dado subsequentemente afecta os níveis de Hgb A₁c. Verifica-se, no entanto, que esplenectomia leva a um aumento de Hgb A₁c. Alterações súbitas da semivida eritrocitária pode causar efeitos importantes da concentração da Hgb A₁c. Hemólise aguda e transfusão sanguínea devem ser consideradas com importância no diagnóstico e monitorização da diabetes pela Hgb A₁c.
  5. Hematínicos e anemia: Dados conflituosos existem mas parece que apontam mais para que haja um ligeiro aumento de Hgb A₁c em doentes com anemia ferropénica e o tratamento da anemia ferropénica leva a uma redução da Hgb A₁c. Tem no entanto sido considerado que esta variação se deve a uma interferência do ferro com a determinação da Hgb A₁c. A isoforma glicosilada da hemoglobina, Hgb A₁c, foi associada positivamente com diminuição da concentração de ferritina e MCV, mas também com um aumento da hemoglobina. Não está recomendado na utilização da Hgb A1c para o diagnóstico da diabetes ser feita a monitorização do ferro sérico. Vitamina B₁₂ e ácido fólico correlacionam-se inversamente com a concentração de Hgb A₁c.
  6. Hemoglobinas variantes: as alterações da hemoglobina ( Hgb S, C, D, E, F, etc ) não só afectam a semivida eritrocitária como também afectam a capacidade de glicosilação da hemoglobina, a carga da molécula e interferem com ensaios específicos como a determinação de Hgb A₁c. Nos portadores de algumas variantes de hemoglobina ( Hgb Raleigh, Hgb Okayama, etc. ) pode ter importância a determinação quantitativa das isoformas de glicohemoglobinas para além da Hgb A₁c.
  7. Gravidez
  8. Tiroidopatias: Hipotiroidismo clínico ou subclínico pode apresentar Hgb A₁c elevado que normaliza com terapêutica adequada. Doentes com hipertiroidismo não revelam alteração de Hgb A₁c comparativamente com indivíduos eutiroideus.
  9. Hepatopatias: Hepatopatias podem afectar a concentração de Hgb A₁c tanto por provocarem intolerância à glicose e diabetes como também pode haver efeitos não-glicémicos na Hgb A₁c como os associados à anemia e diminuição de síntese proteica. Hgb A₁c é assim um marcador em diabéticos com hepatopatia crónica , sendo que a Hgb A₁c se apresenta diminuída, enquanto que a frutosamina se revela dentro dos valores de referência.
  10. Nefropatias: Nefropatias crónicas afectam a Hgb A₁c, não sendo útil a determinação de Hgb A₁c para diagnósticar diabetes tipo II em doentes com falência renal terminal. No entanto, a Hgb A₁c tem importância relativa no diagnóstico de diabetes tipo II em doentes com IRC ligeira a moderada.
  11. Resposta inflamatória aguda: Embora nestes doentes não se verifique alteração de Hgb A₁c é sugerido fazer outros estudos para além do doseamento de Hgb A₁c no diagnóstico da diabetes dado que as rápidas alterações de glicemia e albuminemia no decorrer da inflamação aguda leva a aberrantes glicemias e frutosaminemia não apresenta valor no diagnóstico da diabetes tipo II nestes doentes.
  12. Outras condições:
  • HIV: que leva a um estado de baixo grau hemolítico causa baixa de Hgb A₁c
  • Sépsis pode causar alteração aguda da glicemia que não afecta de imediato os níveis de Hgb A₁c
  • Drogas como corticóides e antipsicóticos afectam de várias maneiras
  • Vitamina E, com um significativo efeito inibitório da glicosilação, revela redução significativa da Hgb A₁c nos doentes diabéticos tipo II após suplementação

Gap de Glicosilação
A designação de gap de glicosilação utiliza-se para a disparidade verificada entre a Hgb A₁c previsível e a efectivamente encontrada.
A base e significado da gap de glicosilação é ainda controverso nos factores genéticos bem como de semivida dos eritrócitos, resulta em diferentes taxas de glicosilação.

Conclusão
Hgb A₁c é um bom teste de diagnóstico da diabetes tipo II e monotorização da diabetes mellitus, mas é um parâmetro que sofre muitas interferências de vários factores não glicémicos, incluindo analíticos e biológicos, o que faz com que o seu uso não seja de interesse em todas as situações e sejam necessários biomarcadores alternativos.

quarta-feira, fevereiro 13, 2019

Novos parâmetros hematológicos: IPF e IRF


Novos parâmetros hematológicos: IPF e IRF

Novos parâmetros hematológicos são usados na avaliação de, entre outras patologias, os síndromes mieloproliferativos ( SMP ).
Estes parâmetros, IPF e IRF, apresentam-se elevados em doentes com policitémia vera ( PV ) e mielofibrose idiopática ( MI ). Observou-se que em doentes com IPF aumentado se verificava existência de trombocitopenia, os doentes são particularmente do sexo masculino e o diagnóstico que mais se correlaciona é o de PV. Entre os doentes com MI verificou-se correlação com aumento de blastos no sangue periférico, trombocitopenia e JAK2V617F positivo assim como terapêutica prévia .
Alto valor de IRF associa-se em doentes com PV ou TE, com baixa hemoglobina, reticulocitose e diagnóstico de PV; nos doentes com MI observa-se que um alto IRF se associa a blastos no sangue periférico e reticulocitose



O IRF é de importância limitada em anemias secundárias a hemólise, hemorragias ou mielossupressão pois nestas condições IRF e contagem reticulocitária evoluem de forma paralela; IRF tem no entanto importância em casos de anemia secundária a infecções agudas ou SMD, nas quais contagem reticulocitária é reduzida ou normal enquanto que IRF está aumentado.
Em doenças hematológicas clonais de stem cells, IRF e IPF têm importância. Aumento de IPF associa-se à presença da mutação JAK2V617F em doentes com PV e TE







Nota: um alto valor de IRF com hemoglobina elevada aponta mais para PV do que para policitémia secundária

Estudos divergem entre a existência de um alto IPF e presença de mutação JAK2V617F, sendo que uns apontam para essa associação enquanto outros afastam essa conclusão.

Em particular, IRF pode suportar o diagnóstico de PV em doentes com aumento de hemoglobina e IPF pode ter um papel prognóstico independente em doentes com MI.

quinta-feira, fevereiro 07, 2019

JAK2V617F : síndrome mieloproliferativo

JAK2V617F: uma mutação somática



As doenças mieloproliferativas são um grupo de doenças em que há uma alteração primária ao nível da stem cell multipotencial ou stem cell pluripotencial, e que leva a uma produção aumentada de um ou mais tipos de células do sangue. As principais doenças mieloproliferativas são a Policitémia Vera ( PV ), Trombocitose Essencial ( TE ) e Mielofibrose Idiopática ( MI ).



PV é caracterizada por aumento do número de eritrócitos, leucócitos e plaquetas e clinicamente apresenta um aspecto pletórico, prurido e esplenomegalia, podendo complicar-se com fenómenos tromboembólicos, hemorragias e progredir, nos estadios terminais, para mielofibrose e leucemia aguda.



Verifica-se que em todas as doenças mieloproliferativas há uma desregulação dos mediadores do sinal principais.
Na PV os progenitores celulares mostram capacidade de crescimento na ausência de eritropoietina, formando as colónias eritróides endógenas, que são colónias eritróides independentes da eritropoietina, e são hipersensíveis a outras citoquinas, incluindo IGF-1, IL-3, SCF ( stem cell factor ), GM-CSF e TPO ( trombopoietina ). Estas colónias eritróides endógenas não são específicas da PV e aparecem noutras doenças mieloproliferativas.

Adicionar legenda


Outras propriedades incluem um aumento da expressão de inibidores da apoptose BCL-XL que pode contribuir para uma sobrevivência dependente da eritropoietina das células de linhagem eritróide.
A expressão de Mpl ( receptor da trombopoietina ) pelas plaquetas e megacariócitos nos doentes que sofrem de policitemia vera mostra-se reduzida comparativamente com indivíduos saudáveis. Este dado contudo também não é específico de PV e apresenta-se noutros SMP.
Nos granulócitos, nos doentes com PV, a síntese de RNA pelo gene PRV-1 ( policitemia rubra vera 1 ) mostra-se hiperexpressado.



Em condições normais, a ligação ao receptor da eritropoietina pelos seus ligandos induz rápida fosforilação de Akt e subsequente estimulação das vias de sobrevivência das colónias eritróides. Células vermelhas do sangue na PV apresentam uma fosforilação aumentada de Akt/PKS bem como da Glicogene syntase cinase 3, o que leva a uma vida média eritrocitária aumentada.
Subregulação da expressão JAK2 por iRNA ( RNA de interferência ) leva a uma marcada inibição da formação das colónias eritróides endógenas em doentes com PV.
Na presença da mutação JAK2V617F a actividade da autoinibição do JAK2 é quebrada.
Stem cells hematopoiéticas de doentes com doença mieloproliferativa são hipersensíveis a um leque de factores de crescimento e usam JAK2 para a sinalização.
Há evidências de interrupção do sinal de transdução de JAK2, incluindo activação constitutiva de STAT 3, hiperrregulação de BCL-XL e aumento de actividade de akt. Verificou-se existir fosforilação constitutiva do factor de transcrição STAT 5.

Receptores das vias de apoptose também aparecem alterados na presença da mutação JAK2V617F nos eritroblastos de doentes com PV.
A prevalência da mutação JAK2V617F é mais elevada em doentes com LMA que evoluíram de PV ou MI do que em todas as outras situações.



O nível da actividade de JAK2V617F não é sempre igual. Níveis baixos de actividade quinase propiciam um fenótipo megacariócitico e assim a que o síndrome mieloproliferativo seja a trombocitose essencial; já altos níveis de actividade quinase levam a que seja desenvolvida a PV ( fenótipo eritróide ). Actividade sustentada, dependendo do nível e duração da expressão, levam a que o SMP seja a mielofibrose idiopática.
A zigose parece ter funções importantes na determinação fenotípica, sendo que a homozigose leva a uma actividade quinase aumentada, enquanto que esta actividade é diminuída em heterozigose. Este facto também é capaz de explicar a situação de que é possível a evolução de trombocitose essencial ( heterozigotia; baixa actividade ) para policitemia vera ( homozigotia; actividade quinase alta ) dado que os clones homozigóticos se sobrepõem e, com o tempo, passariam a ser os únicos existentes.



A actividade de JAK2V617F pode ser aumentada por duplicação de alelo mutado por recombinação mitótica, trissomia 9p, desregulação das fosfatases, SOCS e polimorfismos ou mutações em receptores de citoquinas.
Começam a acumular-se evidências de que o factor inicial da SMP não é a mutação JAK2V617F mas sim um outro factor ainda desconhecido.


JAK2 WT ( selvagem, não mutado ) é necessário à estabilização da forma matura do TPOR ( receptor da trombopoietina ) , sua localização na superfície celular e reciclagem.



JAK2V617F promove de modo eficaz o tráfego de EPOR ( receptor da eritropoietina ) mas o mesmo não se verifica com TPOR, donde doentes homozigóticos para a mutação apresentam uma expressão de TPOR baixa na superfície celular o que concorda com o dado conhecido de que plaquetas e megacariócitos de doentes com PV e doentes com mielofibrose idiopática apresentam baixo nível de TPOR na superfície celular e uma deficiente maturação do receptor da trombopoietina.



Acredita-se que a linhagem linfóide não é atingida pelos efeitos da mutação JAK2V617F dado que a proteína mutada expressa em níveis endógenos requer uma co-expressão de receptores homodiméricos tipo 1, como sejam EPOR, TPOR ou G-CSFR para a independência de factores de crescimento e activação constitutiva da via JAK-STAT e estes receptores de tipo 1 não são expressados na linhagem linfóide, pelo que a mutação apenas atingiria a linhagem mielóide e megacariocítica.



Doentes JAK2V617F negativos podem desenvolver trombocitose essencial ou mielofibrose idiopática. Foi encontrada uma mutação Mpl em 9% dos doentes com mielofibrose idiopática JAK2V617F negativos. Esta mutação MPL W515L proporciona crescimento independente de citoquinas e hipersensibilidade à TPO e também sinalização aumentada intracelular.





Também foi descrita outra mutação Mpl, a MPL W515K sendo que foi verificado que em 5% dos doentes com mielofibrose idiopática e em 1% com trombocitose essencial se observam mutações Mpl, mutações estas ausentes na PV

terça-feira, fevereiro 05, 2019

JAK2V617F como determinante de IPF nas doenças mieloproliferativas

JAK2V617F como determinante de IPF na trombocitose essencial e na policitémia vera

Observou-se que as plaquetas imaturas são hemostaticamente mais activas do que as plaquetas maturas, tanto na trombocitose essencial como na policitémia vera.
Foi também verificado que a mutação JAK2V617F tem uma correlação positiva com a quantidade de IPF, o que pode contribuir para o fenótipo protrombótico que se verifica nestes doentes.

As plaquetas circulantes apresentam sempre uma certa anisocitose, tanto em tamanho como estrutura. Das plaquetas circulantes, aproximadamente 2% são plaquetas imaturas ( IPF ), também chamadas de plaquetas reticuladas, que são plaquetas recentemente libertadas da medula óssea. Estas plaquetas mais novas, apresentam uma superior actividade hemostática, comparativamente com plaquetas mais velhas, e assim mais maturas, com resposta à trombina aumentada e expressão de P-selectina maior.

Na policitémia vera, observa-se, a presença de trombocitose, aumento de IPF, hematócrito aumentado, leucocitose, aumento da percentagem de IPF e de H-IPF ( plaquetas jovens com mais alta quantidade de m-RNA e assim mais alta intensidade de fluorescência ) comparativamente com indivíduos saudáveis assim como nos doentes com trombocitose essencial.

Doentes JAK2V617F positivos apresentam contagens plaquetárias e contagens de IPF significativamente mais elevadas, bem como a percentagem de IPF e de H-IPF, comparativamente com os indivíduos saudáveis, enquanto que JAK2V617F negativos apresentavam contagem plaquetária e de IPF superior às dos indivíduos controlo saudáveis.

                                          # plaquetas         # IPF         % plaquetas          % IPF
JAK2V617F positivo                 ↑                   ↑                      ↑                      ↑
JAK2V617F negativo                ↑                   ↑                       -                      -

Mensuração de IPF é considerada de utilidade na valorização da resposta terapêutica e risco trombótico em pacientes com trombocitose, seja primária ou secundária, sendo que um aumento de IPF se associa a um risco mais elevado. Aumento de percentagem de IPF e H-IPF associa-se com uma aumentada agregação plaquetária em doentes com alto risco de doença arterial coronária.
Verificou-se que doentes que receberam transplante renal, que se encontram em alto risco de mortalidade cardiovascular, apresentam percentagens mais elevadas de IPF e H-IPF, associadas a uma agregação plaquetária mais elevada.
Os doentes com síndrome mieloproliferativo, nomeadamente policitémia vera ou trombocitose essencial, apresentam um turn over plaquetário aumentado e, por este motivo, apresentam um IPF superior comparativamente com indivíduos controlo saudáveis.