segunda-feira, fevereiro 25, 2019

Variantes de Hemoglobinas


Variantes de Hemoglobinas

A hemoglobina é uma metaloproteína tetramérica globular composta por 2 unidades alfa e 2 unidades não-alfa, contendo 4 grupos heme.



A hemoglobina varia na sua composição das cadeias consoante o estado evolutivo do ser humano. Assim, no embrião, a hemoglobina pode ser Hgb Gower I ( ξ2 ε2 ), Hgb Gower II ( α2 ε2 ) e Hgb de Portland ( ξ2 γ2 ), passando a Hgb fetal, no feto, com a composição Hgb F ( α2 γ2 ) e finalizando, na normalidade em Hgb A1 ( α2 β2 ) ou Hgb A2 ( α2 δ2 ).
No indivíduo adulto, a hemoglobina aparece em 96-98% com Hgb A1 ( α2 β2 ), 2-3% como Hgb A2 ( α2 δ2 ) e em menos de 1% se encontra Hgb F ( α2 γ2 ). Em latentes, a Hgb F se apresenta entre 50% e 80%, nos recém-nascidos, desce para 8% até aos 6 meses e fico nos 1-2% após os 6 meses de idade.
As variantes de hemoglobinas, ou hemoglobinopatias, são o resultante de mutações que afectam os genes responsáveis pela síntese das cadeias de globina que formam a hemoglobina e que podem ser divididas em:
  • alterações quantitativas: com diminuição ou mesmo ausência de uma ou mais cadeias de globina e originando a talassémia
  • alterações qualitativas: alterações estas que originam variantes estruturais das hemoglobinas, nomeadamente as Hgb S, C, D ou outras.
As hemoglobinopatias são as alterações monogénicas mais comuns encontradas, atingindo cerca de 6% da população mundial e são transmitidas de pais para filhos de forma autossómica recessiva.

As técnicas usadas no despiste de variantes da hemoglobina são:
  • técnicas de electroforese
  • técnicas de cromatografia
  • técnicas de estudo funcional da hemoglobina
          • teste de solubilidade da Hgb S
          • teste de estabilidade – teste de isopropanol
          • pesquiza de corpos de inclusão de Hgb H
          • estudos de afinidade para o oxigéneo molecular
A electroforese das hemoglobinas permite detectar Hgb S, D do Punjab, C, E ou de Lepore. Apresenta uma boa separação de Hgb A em relação à Hgb F e permite detectar variantes raras.
A técnica de cromatografia, quantifica fracções normais e anómalas, baseando-se na sua carga global e comportamento ácido-base. Permite uma quantificação relativa dos níveis de Hgb A1, Hgb F, variantes estruturais de Hgb e identificação de Hgb S, D, C e E.

HPLC de fase reversa, HPLC-RP, permite a identificação de variantes estruturais da hemoglobina, quantificação das variantes estruturais, identificação do tipo de cadeia globina alfa e não-alfa, detecção de variantes de hemoglobinas neutras e avaliar a presença de níveis de Hgb F aumentados, as cadeias Gγ, AγI, AγT da Hgb F.





A hemoglobina padrão é designada de Hgb A, sendo que todas as hemoglobinas que não são A são chamadas de variantes de hemoglobina.
Os indivíduos podem apresentar um padrão normal – Hgb AA – não tendo necessidade de encaminhamento para estudo genético e não apresentando doença falciforme; pode o doente apresentar-se como sendo Hgb AS ( heterozigoto para Hgb S ou traço falciforme ) tendo necessidade de estudo genético mas não apresentando doença falciforme ou sendo Hgb AC ( heterozigótico para Hgb C ) devendo efectuar-se estudo genético mas não tendo o doente doença falciforme; ou sendo Hgb A com outra variante qualquer, sendo que deverá o doente ser encaminhado para estudo genético de doença falciforme mas não apresentando doença falciforme. O doente também se pode mostrar como sendo Hgb SS ou Hgb SC, em que o doente tem doença falciforme ou o doente ainda poderá ter Hgb S e outra variante ou Hgb C e outra variante sendo que nestes casos também é um doente com doença falciforme e deverá haver estudo genético e consulta de Hematologia proposta ao doente.
A incidência de testes alterados é de cerca de 1 em cada 60 testes.

Adultos saudáveis no geral apresentam uma combinação de Hgb A1 e Hgb A2, sendo que a Hgb F também costuma aparecer em quantidades muito reduzidas. Hgb F em percentagens superiores a 2% do total já é considerado anormal.
A hemoglobina S é uma hemoglobina associada a anemia falciforme enquanto que a hemoglobina C é uma hemoglobina anormal associada a anemia hemolítica.

As talassémias são patologias caracterizadas por alterações quantitativas da hemoglobina.
Na vida fetal, a hemoglobina que predomina é a Hgb F, composta por 2 cadeias alfa e 2 cadeias gama. Após o nascimento, as cadeias gama são substituídas por 2 cadeias β ou δ.
A talassémia resulta de uma mutação genética nos genes da globina com consequente diminuição, ou mesmo abolição, da síntese de uma das cadeias de globina, o que leva a uma eritropoiese ineficaz com produção de hemoglobina deficiente, hemólise e anemia que pode ser mais ou menos severa.

Basicamente existem 4 síndromes talassémicos:
  • alfa-talassémia, caracterizada por redução ( α+ talassémia ) ou ausência ( α0 talassémia ) da síntese das α-globulinas
  • beta-talassémia, em que se verifica redução ( β+ talassémia ) ou ausência ( β0 talassémia ) das cadeias β-globulina
  • delta/beta-talassémia, caracterizado por redução ( δ+/β+ talassémia ) ou ausência de síntese das cadeias δ-globulina ou β-globulina, respectivamente.

A persistência de Hgb F, que leva a que existam no adulto altas percentagens desta variante, não causa doença clínica mas, pelo contrário, reduz a severidade da talassémia e da ausência de células falciformes ( Hgb S ).

As alterações da síntese das globinas levam a que se verifique uma produção inadequada da hemoglobina A e assim ocorre hipocromia e microcitose. As cadeias da globina não afectadas pela alteração são produzidas em quantidades normais e a sua precipitação nos eritrócitos é responsável pela lise que ocorre no baço e consequente anemia hemolítica. De salientar que a talassémia dá uma maior resistência à parasitação pelo plasmódio.

Alfa-talassémia: as formas mais comuns da α-talassémia resultam da delecção de 1, 2, 3 ou 4 genes da cadeia α-globina nas 2 cópias do cromossoma 16. É uma doença muito comum na Ásia e bacia do Mediterrâneo e população africana indígena.
a) α-talassemia 2: deve-se à delecção de um alelo alfa; assintomático, os portadores, silenciosos clínica e laboratorialmente, podem agravar o tracto α-talassémico nos seus descendentes. Requer apenas aconselhamento genético
b) α-talassemia 1: resulta da delecção de 2 cópias do gene de α-globina no mesmo cromossoma; o doente apresenta anemia com leve hipocromia e microcítica sem aumento de Hgb A2. Requer apenas aconselhamento genético
  1. Hemoglobina H: resulta do cruzamento de um ascendente α-talassemia 2 com outro α-talassemia 1, originando a delecção de 3 genes da α-globina. Apenas se verifica existir uma pequena quantidade de Hgb A. Há um excesso de cadeias β formando-se a Hgb β4 , que é anormal e instável. Os doentes têm anemia hemolítica moderada a severa, que se exacerba com infecções, medicamentos e outros aspectos oxidantes.
  1. Hemoglobina de Barts ou hidrops fetalis ou Hgb γ4: é originada pela herança de α-talassemia 1 de ambos os progenitores, resultando em ausência total dos genes das α-globinas e assim não havendo Hgb F nem Hgb adulta, acumulando-se a Hgb γ4. Não há transporte de oxigéneo aos tecidos. O feto desenvolve severa insuficiência cardíaca congestiva e morte intrauterina. É uma doença exclusiva do sudeste asiático. 

Beta-talassémia: síndrome heterogéneo composto por mais de 50 variantes definidos por mutações genéticas específicas. A transmissão é hereditária e de padrão mendeliano podendo os doentes serem heterozigóticos ( traço β-talassémico ) ou homozigóticos ( β-talassémia intermédia ou β-talassémia acentuada ).
Os doentes com β-talassémia apresentam hipocromia e microcitose com cadeias α-globina em excesso que precipitam nos eritroblastos originando hemólise dos eritroblastos, na medula óssea, e dos eritrócitos no baço e sangue periférico ( anemia hemolítica ). A anemia é severa originando expansão da medula óssea. Observa-se o facies mongolóide característica nos doentes homozigóticos. Anemia severa com ICC, excesso de ferro resultando da aumentada absorpção no tubo digestivo e esfregaço de sangue periférico com presença de marcada hipocromia, microcitose, poiquilócitos, eritroblastos e invasão maciça da medula óssea por precursores eritróides.
Doentes heterozigóticos ( traço β-talassémico ) são assintomáticos. É importante fazer o diagnóstico diferencial com a carência de ferro. Hgb A1 está aumentada.
Variante de β-talassémia, como Hgb de Lepore ( comum no sudeste asiático ) é diagnosticado por electroforese de hemoglobinas. Traço β-talassémico requer unicamente aconselhamento genético.

As hemoglobinas variantes originam-se por substituição de um amino-ácido por outro na superfície externa da molécula ( raramente podem haver substituições de 2 amino-ácidos por outros 2 na mesma cadeia ). A substituição na superfície externa, com excepção da Hgb S, C e E não produzem alterações funcionais significativas. Substituição de amino-ácidos na superfície externa envolvem resíduos polares e não polares e causam instabilidade molecular da hemoglobina com oxidação do grupo heme e formação excessiva de metemoglobina e precipitação da globina instável que se pode observar por meio da presença de corpos de Heinz.



Podem as hemoglobinas variantes também serem causadas por substituição de aminoácidos envolvidos na afinidade ao oxigéneo sendo estes cerca de 50 tipos de hemoglobinas variantes e que apresentam afinidade aumentada ou diminuída. As variantes com aumento de afinidade originam eritrocitose enquanto que as com diminuição de afinidade originam anemia hemolítica.
Outras alterações podem ocorrer com vista à formação de variantes de hemoglobina como sejam alterações que se caracterizam por oxidação espontânea e contínua de ferro com formação excessiva de metahemoglobina; alterações com fenótipos α- ou β- talassémicos, fusão entre 2 cadeias globina diferentes como a hemoglobina de Lepore ( Hgb por fusão das cadeias δ e β ) ou a hemoglobina anti-Lepore ( por fusão das cadeias β com δ ). Muitas outras alterações existem.

Hemoglobina C: alterações na β-globina em que o aminoácido ácido glutâmico é substituído pela lisina o que origina alteração da carga eléctrica e desse modo a mobilidade é muito lenta em electroforese alcalina comparativamente à mobilidade da Hgb A, S ou Lepore. O doente com Hgb CC apresenta anemia hemolítica variável e esplenomegalia pode ocorrer. A hemoglobina está nas 9-12 g/dl com hematócrito de 30-40%, reticulocitose de 3-7% e observam-se muitas células alvo. Na hemoglobina CC não se detecta Hgb F elevada , na Hgb C/Tal a Hgb F é elevada e acima de 5%.

Hemoglobina D: variante de hemoglobina com mobilidade em electroforese de pH alcalino igual à da Hgb S é separado em pH ácido. Totalmente assintomático quando em Hgb AD, sendo que a fracção D pode constituir 30-50% da hemoglobina total.
Hemoglobina D em conjunto com β-talassémia causa anemia microcítica hipocrómica, com valores de hemoglobina de 9.5-12 g/dl, VGM < 77 fl e HGM < 27 pg. Diagnóstico diferencial com Hgb SD em que electroforeses em pH alcalino não separa as 2 fracções bem como o teste de falciformação, que é positivo, não dá a indicação de qual hemoglobina está em causa. Electroforese em pH, ácido é o indicado para a diferenciação das variantes sendo a Hgb S mais lenta do que a Hgb D.
Várias variantes da Hgb D existem como a de Punjab, Los Angeles, Irão, Ibadan, etc.

Hgb A1        α2 – β2                              Os genes da α-globina estão no cromossoma 16
Hgb A2       α2A – δ2                        
HbF            α2A – γ2                             Os genes da β-globina estão no cromossoma 11
HgG Fetal  α2G – γ2 

Há 4 genes codificadores da cadeia α-globina enquanto que a cadeia β-globina é codificado por 2 genes.

Hemoglobina E é uma das variantes de hemoglobina mais frequentes e atinge principalmente as pessoas do sudeste asiático ( Laos, Cambodja, Tailândia ). Apresentam, em homozigotia, anemia hemolítica suave, microcitose e ligeira esplenomegalia. Em heterozigotia a hemoglobina E não causa sintomatologia.

Hemoglobina F, a hemoglobina do feto, está ao nível do adulto ao fim de 6 meses – 1 ano de idade. Pode estar elevado na β-talassémia e frequentemente aparece elevado em doente com anemia falciforme ou β-talassemia. Também pode estar elevada na situação de persistência de Hgb fetal, distúrbio hereditário assintomático. Hgb F pode estar aumentada em leucemias e SMP.

Hemoglobinopatia SC cursa com anemia hemolítica leve e esplenomegalia moderada. Podem ocorrer oclusões vasculares como as que ocorrem na anemia falciforme.
Na hemoglobinopatia SD pode ocorrer oclusão vascular ocasional e anemia hemolítica moderada.

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