Variantes
de Hemoglobinas
A
hemoglobina é uma metaloproteína tetramérica globular composta por
2 unidades alfa e 2 unidades não-alfa, contendo 4 grupos heme.
A
hemoglobina varia na sua composição das cadeias consoante o estado
evolutivo do ser humano. Assim, no embrião, a hemoglobina pode ser
Hgb Gower I ( ξ2
ε2
),
Hgb Gower II ( α2
ε2
) e Hgb de Portland
(
ξ2
γ2
), passando a Hgb
fetal, no feto, com a composição Hgb F ( α2
γ2
) e finalizando, na
normalidade em Hgb A1
( α2
β2
) ou Hgb A2
( α2
δ2
).
No
indivíduo adulto, a hemoglobina aparece em 96-98% com Hgb A1
( α2
β2
), 2-3% como Hgb A2
( α2 δ2
) e em menos de 1%
se encontra Hgb F ( α2
γ2
). Em latentes, a
Hgb F se apresenta entre 50% e 80%, nos recém-nascidos, desce para
8% até aos 6 meses e fico nos 1-2% após os 6 meses de idade.
As
variantes de hemoglobinas, ou hemoglobinopatias, são o resultante de
mutações que afectam os genes responsáveis pela síntese das
cadeias de globina que formam a hemoglobina e que podem ser divididas
em:
- alterações quantitativas: com diminuição ou mesmo ausência de uma ou mais cadeias de globina e originando a talassémia
- alterações qualitativas: alterações estas que originam variantes estruturais das hemoglobinas, nomeadamente as Hgb S, C, D ou outras.
As
hemoglobinopatias são as alterações monogénicas mais comuns
encontradas, atingindo cerca de 6% da população mundial e são
transmitidas de pais para filhos de forma autossómica recessiva.
As
técnicas usadas no despiste de variantes da hemoglobina são:
- técnicas de electroforese
- técnicas de cromatografia
- técnicas de estudo funcional da hemoglobina
- teste de solubilidade da Hgb S
- teste de estabilidade – teste de isopropanol
- pesquiza de corpos de inclusão de Hgb H
- estudos de afinidade para o oxigéneo molecular
A
electroforese das hemoglobinas permite detectar Hgb S, D do Punjab,
C, E ou de Lepore. Apresenta uma boa separação de Hgb A em relação
à Hgb F e permite detectar variantes raras.
A
técnica de cromatografia, quantifica fracções normais e anómalas,
baseando-se na sua carga global e comportamento ácido-base. Permite
uma quantificação relativa dos níveis de Hgb A1,
Hgb F, variantes estruturais de Hgb e identificação de Hgb S, D, C
e E.
HPLC
de fase reversa, HPLC-RP, permite a identificação de variantes
estruturais da hemoglobina, quantificação das variantes
estruturais, identificação do tipo de cadeia globina alfa e
não-alfa, detecção de variantes de hemoglobinas neutras e avaliar
a presença de níveis de Hgb F aumentados, as cadeias Gγ, AγI, AγT
da Hgb F.
A
hemoglobina padrão é designada de Hgb A, sendo que todas as
hemoglobinas que não são A são chamadas de variantes de
hemoglobina.
Os
indivíduos podem apresentar um padrão normal – Hgb AA – não
tendo necessidade de encaminhamento para estudo genético e não
apresentando doença falciforme; pode o doente apresentar-se como
sendo Hgb AS ( heterozigoto para Hgb S ou traço falciforme ) tendo
necessidade de estudo genético mas não apresentando doença
falciforme ou sendo Hgb AC ( heterozigótico para Hgb C ) devendo
efectuar-se estudo genético mas não tendo o doente doença
falciforme; ou sendo Hgb A com outra variante qualquer, sendo que
deverá o doente ser encaminhado para estudo genético de doença
falciforme mas não apresentando doença falciforme. O doente também
se pode mostrar como sendo Hgb SS ou Hgb SC, em que o doente tem
doença falciforme ou o doente ainda poderá ter Hgb S e outra
variante ou Hgb C e outra variante sendo que nestes casos também é
um doente com doença falciforme e deverá haver estudo genético e
consulta de Hematologia proposta ao doente.
A
incidência de testes alterados é de cerca de 1 em cada 60 testes.
Adultos
saudáveis no geral apresentam uma combinação de Hgb A1
e Hgb A2, sendo que a Hgb
F também costuma aparecer em quantidades muito reduzidas. Hgb F em
percentagens superiores a 2% do total já é considerado anormal.
A
hemoglobina S é uma hemoglobina associada a anemia falciforme
enquanto que a hemoglobina C é uma hemoglobina anormal associada a
anemia hemolítica.
As
talassémias são patologias caracterizadas por alterações
quantitativas da hemoglobina.
Na
vida fetal, a hemoglobina que predomina é a Hgb F, composta por 2
cadeias alfa e 2 cadeias gama. Após o nascimento, as cadeias gama
são substituídas por 2 cadeias β ou δ.
A
talassémia resulta de uma mutação genética nos genes da globina
com consequente diminuição, ou mesmo abolição, da síntese de uma
das cadeias de globina, o que leva a uma eritropoiese ineficaz com
produção de hemoglobina deficiente, hemólise e anemia que pode ser
mais ou menos severa.
Basicamente
existem 4 síndromes talassémicos:
- alfa-talassémia, caracterizada por redução ( α+ talassémia ) ou ausência ( α0 talassémia ) da síntese das α-globulinas
- beta-talassémia, em que se verifica redução ( β+ talassémia ) ou ausência ( β0 talassémia ) das cadeias β-globulina
- delta/beta-talassémia, caracterizado por redução ( δ+/β+ talassémia ) ou ausência de síntese das cadeias δ-globulina ou β-globulina, respectivamente.
A
persistência de Hgb F, que leva a que existam no adulto altas
percentagens desta variante, não causa doença clínica mas, pelo
contrário, reduz a severidade da talassémia e da ausência de
células falciformes ( Hgb S ).
As
alterações da síntese das globinas levam a que se verifique uma
produção inadequada da hemoglobina A e assim ocorre hipocromia e
microcitose. As cadeias da globina não afectadas pela alteração
são produzidas em quantidades normais e a sua precipitação nos
eritrócitos é responsável pela lise que ocorre no baço e
consequente anemia hemolítica. De salientar que a talassémia dá
uma maior resistência à parasitação pelo plasmódio.
Alfa-talassémia:
as
formas mais comuns da α-talassémia resultam da delecção de 1, 2,
3 ou 4 genes da cadeia α-globina nas 2 cópias do cromossoma 16. É
uma doença muito comum na Ásia e bacia do Mediterrâneo e população
africana indígena.
a)
α-talassemia 2: deve-se à delecção de um alelo alfa;
assintomático, os portadores, silenciosos clínica e
laboratorialmente, podem agravar o tracto α-talassémico nos seus
descendentes. Requer apenas aconselhamento genético
b)
α-talassemia 1: resulta da delecção de 2 cópias do gene de
α-globina no mesmo cromossoma; o doente apresenta anemia com leve
hipocromia e microcítica sem aumento de Hgb A2.
Requer apenas aconselhamento genético
- Hemoglobina H: resulta do cruzamento de um ascendente α-talassemia 2 com outro α-talassemia 1, originando a delecção de 3 genes da α-globina. Apenas se verifica existir uma pequena quantidade de Hgb A. Há um excesso de cadeias β formando-se a Hgb β4 , que é anormal e instável. Os doentes têm anemia hemolítica moderada a severa, que se exacerba com infecções, medicamentos e outros aspectos oxidantes.
- Hemoglobina de Barts ou hidrops fetalis ou Hgb γ4: é originada pela herança de α-talassemia 1 de ambos os progenitores, resultando em ausência total dos genes das α-globinas e assim não havendo Hgb F nem Hgb adulta, acumulando-se a Hgb γ4. Não há transporte de oxigéneo aos tecidos. O feto desenvolve severa insuficiência cardíaca congestiva e morte intrauterina. É uma doença exclusiva do sudeste asiático.
Beta-talassémia:
síndrome heterogéneo composto por mais de 50 variantes definidos
por mutações genéticas específicas. A transmissão é hereditária
e de padrão mendeliano podendo os doentes serem heterozigóticos (
traço β-talassémico ) ou homozigóticos ( β-talassémia
intermédia ou β-talassémia acentuada ).
Os
doentes com β-talassémia apresentam hipocromia e microcitose com
cadeias α-globina em excesso que precipitam nos eritroblastos
originando hemólise dos eritroblastos, na medula óssea, e dos
eritrócitos no baço e sangue periférico ( anemia hemolítica ). A
anemia é severa originando expansão da medula óssea. Observa-se o
facies mongolóide característica nos doentes homozigóticos. Anemia
severa com ICC, excesso de ferro resultando da aumentada absorpção
no tubo digestivo e esfregaço de sangue periférico com presença de
marcada hipocromia, microcitose, poiquilócitos, eritroblastos e
invasão maciça da medula óssea por precursores eritróides.
Doentes
heterozigóticos ( traço β-talassémico ) são assintomáticos. É
importante fazer o diagnóstico diferencial com a carência de ferro.
Hgb A1 está aumentada.
Variante
de β-talassémia, como Hgb de Lepore ( comum no sudeste asiático )
é diagnosticado por electroforese de hemoglobinas. Traço
β-talassémico requer unicamente aconselhamento genético.
As hemoglobinas
variantes originam-se por substituição de um amino-ácido por outro
na superfície externa da molécula ( raramente podem haver
substituições de 2 amino-ácidos por outros 2 na mesma cadeia ). A
substituição na superfície externa, com excepção da Hgb S, C e E
não produzem alterações funcionais significativas. Substituição
de amino-ácidos na superfície externa envolvem resíduos polares e
não polares e causam instabilidade molecular da hemoglobina com
oxidação do grupo heme e formação excessiva de metemoglobina e
precipitação da globina instável que se pode observar por meio da
presença de corpos de Heinz.
Podem as
hemoglobinas variantes também serem causadas por substituição de
aminoácidos envolvidos na afinidade ao oxigéneo sendo estes cerca
de 50 tipos de hemoglobinas variantes e que apresentam afinidade
aumentada ou diminuída. As variantes com aumento de afinidade
originam eritrocitose enquanto que as com diminuição de afinidade
originam anemia hemolítica.
Outras alterações
podem ocorrer com vista à formação de variantes de hemoglobina
como sejam alterações que se caracterizam por oxidação espontânea
e contínua de ferro com formação excessiva de metahemoglobina;
alterações com fenótipos α- ou β- talassémicos, fusão entre 2
cadeias globina diferentes como a hemoglobina de Lepore ( Hgb por
fusão das cadeias δ e β ) ou a hemoglobina anti-Lepore ( por fusão
das cadeias β com δ ). Muitas outras alterações existem.
Hemoglobina C:
alterações na β-globina em que o aminoácido ácido glutâmico é
substituído pela lisina o que origina alteração da carga eléctrica
e desse modo a mobilidade é muito lenta em electroforese alcalina
comparativamente à mobilidade da Hgb A, S ou Lepore. O doente com
Hgb CC apresenta anemia hemolítica variável e esplenomegalia pode
ocorrer. A hemoglobina está nas 9-12 g/dl com hematócrito de
30-40%, reticulocitose de 3-7% e observam-se muitas células alvo. Na
hemoglobina CC não se detecta Hgb F elevada , na Hgb C/Tal a Hgb F é
elevada e acima de 5%.
Hemoglobina D:
variante de hemoglobina com mobilidade em electroforese de pH
alcalino igual à da Hgb S é separado em pH ácido. Totalmente
assintomático quando em Hgb AD, sendo que a fracção D pode
constituir 30-50% da hemoglobina total.
Hemoglobina
D em conjunto com β-talassémia causa anemia microcítica
hipocrómica, com valores de hemoglobina de 9.5-12 g/dl, VGM < 77
fl e HGM < 27 pg. Diagnóstico diferencial com Hgb SD em que
electroforeses em pH alcalino não separa as 2 fracções bem como o
teste de falciformação, que é positivo, não dá a indicação de
qual hemoglobina está em causa. Electroforese em pH, ácido é o
indicado para a diferenciação das variantes sendo a Hgb S mais
lenta do que a Hgb D.
Várias variantes da
Hgb D existem como a de Punjab, Los Angeles, Irão, Ibadan, etc.
Hgb
A1 α2 – β2 Os genes da
α-globina estão no cromossoma 16
Hgb
A2 α2A – δ2
HbF α2A – γ2 Os genes da
β-globina estão no cromossoma 11
HgG
Fetal α2G – γ2
Há 4 genes
codificadores da cadeia α-globina enquanto que a cadeia β-globina é
codificado por 2 genes.
Hemoglobina E é uma
das variantes de hemoglobina mais frequentes e atinge principalmente
as pessoas do sudeste asiático ( Laos, Cambodja, Tailândia ).
Apresentam, em homozigotia, anemia hemolítica suave, microcitose e
ligeira esplenomegalia. Em heterozigotia a hemoglobina E não causa
sintomatologia.
Hemoglobina F, a
hemoglobina do feto, está ao nível do adulto ao fim de 6 meses –
1 ano de idade. Pode estar elevado na β-talassémia e frequentemente
aparece elevado em doente com anemia falciforme ou β-talassemia.
Também pode estar elevada na situação de persistência de Hgb
fetal, distúrbio hereditário assintomático. Hgb F pode estar
aumentada em leucemias e SMP.
Hemoglobinopatia SC
cursa com anemia hemolítica leve e esplenomegalia moderada. Podem
ocorrer oclusões vasculares como as que ocorrem na anemia
falciforme.
Na hemoglobinopatia
SD pode ocorrer oclusão vascular ocasional e anemia hemolítica
moderada.
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