JAK2V617F:
uma mutação somática
As
doenças mieloproliferativas são um grupo de doenças em que há uma
alteração primária ao nível da stem cell multipotencial ou stem
cell pluripotencial, e que leva a uma produção aumentada de um ou
mais tipos de células do sangue. As principais doenças
mieloproliferativas são a Policitémia Vera ( PV ), Trombocitose
Essencial ( TE ) e Mielofibrose Idiopática ( MI ).
PV
é caracterizada por aumento do número de eritrócitos, leucócitos
e plaquetas e clinicamente apresenta um aspecto pletórico, prurido e
esplenomegalia, podendo complicar-se com fenómenos tromboembólicos,
hemorragias e progredir, nos estadios terminais, para mielofibrose e
leucemia aguda.
Verifica-se
que em todas as doenças mieloproliferativas há uma desregulação
dos mediadores do sinal principais.
Na
PV os progenitores celulares mostram capacidade de crescimento na
ausência de eritropoietina, formando as colónias eritróides
endógenas, que são colónias eritróides independentes da
eritropoietina, e são hipersensíveis a outras citoquinas, incluindo
IGF-1, IL-3, SCF ( stem cell factor ), GM-CSF e TPO ( trombopoietina
). Estas colónias eritróides endógenas não são específicas da
PV e aparecem noutras doenças mieloproliferativas.
Outras
propriedades incluem um aumento da expressão de inibidores da
apoptose BCL-XL que pode contribuir para uma sobrevivência
dependente da eritropoietina das células de linhagem eritróide.
A
expressão de Mpl ( receptor da trombopoietina ) pelas plaquetas e
megacariócitos nos doentes que sofrem de policitemia vera mostra-se
reduzida comparativamente com indivíduos saudáveis. Este dado
contudo também não é específico de PV e apresenta-se noutros SMP.
Nos
granulócitos, nos doentes com PV, a síntese de RNA pelo gene PRV-1
( policitemia rubra vera 1 ) mostra-se hiperexpressado.
Em
condições normais, a ligação ao receptor da eritropoietina pelos
seus ligandos induz rápida fosforilação de Akt e subsequente
estimulação das vias de sobrevivência das colónias eritróides.
Células vermelhas do sangue na PV apresentam uma fosforilação
aumentada de Akt/PKS bem como da Glicogene syntase cinase 3, o que
leva a uma vida média eritrocitária aumentada.
Subregulação
da expressão JAK2 por iRNA ( RNA de interferência ) leva a uma
marcada inibição da formação das colónias eritróides endógenas
em doentes com PV.
Na
presença da mutação JAK2V617F a actividade da autoinibição do
JAK2 é quebrada.
Stem
cells hematopoiéticas de doentes com doença mieloproliferativa são
hipersensíveis a um leque de factores de crescimento e usam JAK2
para a sinalização.
Há
evidências de interrupção do sinal de transdução de JAK2,
incluindo activação constitutiva de STAT 3, hiperrregulação de
BCL-XL e aumento de actividade de akt. Verificou-se existir
fosforilação constitutiva do factor de transcrição STAT 5.
Receptores
das vias de apoptose também aparecem alterados na presença da
mutação JAK2V617F nos eritroblastos de doentes com PV.
A
prevalência da mutação JAK2V617F é mais elevada em doentes com
LMA que evoluíram de PV ou MI do que em todas as outras situações.
O
nível da actividade de JAK2V617F não é sempre igual. Níveis
baixos de actividade quinase propiciam um fenótipo megacariócitico
e assim a que o síndrome mieloproliferativo seja a trombocitose
essencial; já altos níveis de actividade quinase levam a que seja
desenvolvida a PV ( fenótipo eritróide ). Actividade sustentada,
dependendo do nível e duração da expressão, levam a que o SMP
seja a mielofibrose idiopática.
A
zigose parece ter funções importantes na determinação fenotípica,
sendo que a homozigose leva a uma actividade quinase aumentada,
enquanto que esta actividade é diminuída em heterozigose. Este
facto também é capaz de explicar a situação de que é possível a
evolução de trombocitose essencial ( heterozigotia; baixa
actividade ) para policitemia vera ( homozigotia; actividade quinase
alta ) dado que os clones homozigóticos se sobrepõem e, com o
tempo, passariam a ser os únicos existentes.
A
actividade de JAK2V617F pode ser aumentada por duplicação de alelo
mutado por recombinação mitótica, trissomia 9p, desregulação das
fosfatases, SOCS e polimorfismos ou mutações em receptores de
citoquinas.
Começam
a acumular-se evidências de que o factor inicial da SMP não é a
mutação JAK2V617F mas sim um outro factor ainda desconhecido.
JAK2
WT ( selvagem, não mutado ) é necessário à estabilização da
forma matura do TPOR ( receptor da trombopoietina ) , sua localização
na superfície celular e reciclagem.
JAK2V617F promove de
modo eficaz o tráfego de EPOR ( receptor da eritropoietina ) mas o
mesmo não se verifica com TPOR, donde doentes homozigóticos para a
mutação apresentam uma expressão de TPOR baixa na superfície
celular o que concorda com o dado conhecido de que plaquetas e
megacariócitos de doentes com PV e doentes com mielofibrose
idiopática apresentam baixo nível de TPOR na superfície celular e
uma deficiente maturação do receptor da trombopoietina.
Acredita-se
que a linhagem linfóide não é atingida pelos efeitos da mutação
JAK2V617F dado que a proteína mutada expressa em níveis endógenos
requer uma co-expressão de receptores homodiméricos tipo 1, como
sejam EPOR, TPOR ou G-CSFR para a independência de factores de
crescimento e activação constitutiva da via JAK-STAT e estes
receptores de tipo 1 não são expressados na linhagem linfóide,
pelo que a mutação apenas atingiria a linhagem mielóide e
megacariocítica.
Doentes
JAK2V617F negativos podem desenvolver trombocitose essencial ou
mielofibrose idiopática. Foi encontrada uma mutação Mpl em 9% dos
doentes com mielofibrose idiopática JAK2V617F negativos. Esta
mutação MPL W515L proporciona crescimento independente de
citoquinas e hipersensibilidade à TPO e também sinalização
aumentada intracelular.
Também
foi descrita outra mutação Mpl, a MPL W515K sendo que foi
verificado que em 5% dos doentes com mielofibrose idiopática e em 1%
com trombocitose essencial se observam mutações Mpl, mutações
estas ausentes na PV
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