quarta-feira, maio 31, 2023

Bacteriófagos – ciclos de vida

 

Bacteriófagos – ciclos de vida


Os virus, e assim os fagos, não possuem sistemas capazes de gerar ATP nem sistemas necessários para a síntese dos próprios constituintes ( ácidos nucleicos e proteínas ), pelo que precisam de encontrar células que sirvam de hospedeiros e lhes proporcionem tais sistemas.

O ciclo de vida dos fagos apresenta várias etapas, sendo a primeira a adsorção, seguida da penetração do ácido nucleico viral no citoplasma bacteriano.

Na adsorção há interacção de proteínas virais com receptores de superfície presentes nas células hospedeiras. Quase a totalidade dos componentes da parede celular das bactérias infectadas servem de receptores, incluindo os flagelos, o pili, a cápsula, o LPS e proteínas de superfície que são potenciais receptores para os fagos. Esta grande variabilidade de receptores para os fagos, faz com que uma mesma bactéria possa ser infectada por uma variedade de fagos diferentes. Também se verifica que existem receptores alternativos para o mesmo fago na superfície da bactéria.

A adsorção apresenta 2 fases, sendo a primeira etapa a fase em que se faz a ligação reversível entre o fago e a bactéria e a segunda fase aquela em que a ligação é irreversível, sendo mediadas pelas fibras da cauda, a primeira etapa ou fase reversível, e da placa basal quando a ligação é irreversível, altura em que se processa uma alteração da conformação do fago e que assim permite a libertação do genoma viral.

Os fagos com cauda contrátil ( Mioviridae ) penetram a parede celular e injectam o genoma do fago no citoplasma bacteriano. Neste processo de penetração de genoma viral, estão envolvidos diferentes factores como o gradiente electroquímico, ATP e a lise enzimática da parede celular que é catalisada por enzimas que fazem a hidrolase do peptideoglicano viral.

O ácido nucleico do fago é, na maioria das vezes, injectado em conjunto com proteínas específicas, sendo que a transcrição e tradução da primeira parte do genoma viral é um requisito fundamental para a entrada do restante ácido nucleico do fago.


Após a infecção, o ciclo de vida do fago pode seguir 2 vias diferentes: ciclo lítico ou ciclo lisogénico.

Se o fago for virulento, o ciclo de vida seguirá obrigatoriamente a via lítica que leva à lise celular hospedeira com libertação de novos fagos recém formados. No caso do fago ser temperado, e por estarem presentes genes reguladores dos 2 tipos de ciclos, o ciclo que se segue é o lisogénico.

A escolha do tipo de ciclo de vida do fago é influenciada pelo ambiente e parâmetros fisiológicos como o estado de nutrição, metabólico e dimensão da célula infectada como a proporção dos fagos relativamente ao número de bactérias susceptíveis presentes.

O ciclo lítico é a via preferida quando o crescimento e metabolismo das células hospedeiras apresentam as condições adequadas à perpetuação dos vírus. Já o ciclo lisogénico é uma forma de sobrevivência na presença de condições adversas.

No ciclo lítico a transcrição viral inicia-se imediatamente após a penetração do genoma viral, sendo necessária a RNA polimerase da bactéria previamente modificada para poder reconhecer os promotores do ácido nucleico do fago.

No ciclo lítico, os primeiros genes que são expressos, codificam a síntese proteica reguladora que está envolvida nas alterações da célula hospedeira e replicação viral. Estas proteínas reguladoras inibem a replicação e transcrição do genoma bacteriano, e dessa forma o fago passa a controlar o metabolismo bacteriano. Depois desta fase inicial, começam a ser sintetizadas as proteínas estruturais e catalíticas do fago. A cabeça e a cauda são sintetizadas separada e independentemente, uma da outra, e após o ácido nucleico ser empacotado na cabeça, dá-se a junção destas estruturas fágicas por modo a ser construído o fago.

Na fase final do ciclo lítico são sintetizadas as proteínas holina e lisina, com propriedades de danificar a integridade da membrana citoplasmática e parede bacteriana, com consequente lise da bactéria e libertação dos viriões recém formados.

No ciclo lisogénico, o ácido nucleico é integrado no DNA bacteriano ou no plasmídeo da célula hospedeira e, desta forma, o profago tem um comportamento idêntico ao genoma bacteriano, sendo replicado em sintonia com ele. Neste ciclo é sintetizada uma proteína repressora que inibe o promotor necessário à expressão dos genes do ciclo lítico. O gene repressor tem uma capacidade de auto-regulação capaz de manter a estabilidade lisogénica indeterminadamente.

O estado lisogénico é muito estável mas não é irreversível´o que causa uma certa imprevisibilidade dos ciclos de vida dos fagos. Estímulos que podem reverter o ciclo lisogénico em ciclo lítico incluem danos celulares, temperatura e alterações fisiológicas.



Bacteriófagos e fagoterapia


A especificidade dos fagos em lisarem as bactérias dá-lhes a possibilidade de serem usadas no combate às mesmas nas infecções por elas causadas.

Os fagos virulentos são os preferencialmente usados.


A distribuição sérica dos fagos para o tecido alvo de tratamento segue uma cinética de ordem um, ou seja, a quantidade de fagos distribuída por unidade de tempo é directamente proporcional à concentração plasmática até que se dê a saturação da maquinaria necessária à translocação. Isto se verifica apenas quando a concentração viral plasmática é elevada.


A metabolização dos fagos é o processo que inclui a activação dos fagos associado à capacidade de auto-replicação in situ em conjunto com a inactivação dos fagos pelo sistema imunitário.


A administração do fago adequada na dose correcta, tal como os restantes antibacterianos, leva a uma redução do número de bactérias que lhe são susceptíveis, ou mesmo à sua total irradicação, num processo designado de infecção primária ou terapia passiva. A capacidade de replicação dos fagos conduz à lise bacteriana com libertação de novos fagos que conseguem infectar outras bactérias susceptíveis e a este processo de infecção de bactérias remanescentes por fagos recém sintetizados se denomina de infecção secundária ou terapia activa.

Inundation thershold ( Vi ) é a concentração sérica mínima de fagos que é necessário existir para que a infecção primária se processe e tem de ser superior à clearance dos fagos ( Vc ).

A infecção bacteriana por fagos depende do contacto destes com aquela e estas colisões, aleatórias, são tanto mais prováveis quanto maior for a concentração das bactérias susceptíveis presentes. Assim a eficácia da fagoterapia depende do tempo de proliferação ( TP ) necessário para ser atingido o limiar da proliferação ( Xt ), ou seja, que se atinja a concentração bacteriana mínima que possibilita a replicação dos fagos administrados.

A fagoterapia será ineficaz no caso de a administração da terapêutica for muito precoce ou a dose inicial demasiado baixa, sendo que os fagos vão sendo gradualmente eliminados antes do TP ser atingido. O tempo óptimo de administração dos fagos deve ser o mais próximo possível da altura em que o limiar de proliferação é alcançado.

Nas situações em que a dose inicial apenas conduza a uma diminuição da concentração bacteriana mediada pela infecção primária, os fagos que se libertam aquando da lise bacteriana, e que vão causar a infecção secundária, vão aumentando de forma exponencial até ao momento em que a população bacteriana é eliminada de forma total.

A administração de um outro antibacteriano antes de TP causa uma diminuição da concentração bacteriana, aumentando o tempo necessário para ser atingido o limiar de proliferação. A diminuição gradual dos fagos nesta fase anterior à proliferação conduz a uma impossibilidade da infecção secundária se processar, não havendo desta forma vantagem em se usar esta associação. No entanto, após ser atingido o limiar de proliferação, esta associação entre fago e outro antibacteriano revela um efeito sinérgico com maior eficácia terapêutica.

Devido à dificuldade de determinar com acuidade o TP, é sugerido que se usem pequenas doses repetidas até o limiar da proliferação ser atingido.



Dado que os fagos interagem com as células do sistema imunitário, eles são reconhecidos como partículas estranhas e assim mecanismos imunológicos procedem à sua eliminação sérica. As células fagocíticas do sistema imunológico inato, após activação por reconhecimento do material estranho que são os fagos, são capazes de induzir a morte e degradação dos fagos.

A resposta imunitária humoral é mediada pelo sistema complemento que leva à síntese de C 3 e origina a lise da célula alvo.

O sistema imunitário adquirido funciona na destruição dos fagos, por meio de impedir a adsorção dos fagos à superfície bacteriana através da ligação dos anticorpos à cauda viral.

Os fagos, para além da clearance que sofrem pelo sistema imunitário, também podem ser excretados por via renal ou hepática mas estas 2 vias são vias minoritárias.

terça-feira, maio 30, 2023

Utilização da fagoterapia: suas vantagens e desvantagens

 

Utilização da fagoterapia: suas vantagens e desvantagens


A fagoterapia é uma terapêutica que usa os fagos que por contacto com as bactérias patogénicas específicas são infectadas e destruídas. Os fagos provocam a lise bacteriana com libertação de viriões que dão continuidade ao ciclo incluindo mesmo a migração para outros locais do organismo humano.

Os fagos, ao contrário de todos os restantes agentes antibacterianos, aumentam a sua quantidade na presença das bactérias alvo, sendo conhecido que o impacto dos fagos sobre bactérias não alvo e outras células é nulo ou muito reduzido.




Os fagos são parasitas naturais das bactérias. A infecção bacteriana pelos fagos inicia-se pela adsorção através de interacção mediada por adesinas virais que se ligam de forma reversível a receptores específicos localizados na superfície celular e que são geralmente proteicos ou glucídicos. À fase de adsorção segue-se a transferência de material genético viral para o citoplasma bacteriano donde prossegue, dependendo do tipo de fago ( virulento ou temperado ). Nos fagos temperados, o material genético do fago insere-se no da bactéria dando origem a um profago, ficando reprimido até entrar em ciclo lítico. Os fagos virulentos, que não originam profagos, dão origem a uma replicação viral imediata, terminando com rápida lise bacteriana e libertação de fagos filhos.

Enquanto os fagos temperados, por terem uma fase em que estão sob a forma de profago, têm a capacidade de transferir factores virulentos bacterianos existentes em determinadas sequências genéticas para outras bactérias que não possuem estas sequências genéticas e assim não possue estes factores virulentos.

Ao contrário, os fagos virulentos por não passarem por estado de profago, não possuem nem transferem genes de factores virulentos entre bactérias.

Após a infecção, os fagos virulentos causam degradação do genoma e outras macromoléculas da bactéria hospedeira e desta forma o metabolismo bacteriano é comprometido.

A variedade de hospedeiros dum qualquer determinado fago é limitada, geralmente restrita a uma só espécie bacteriana ou certas estirpes duma espécie. Podem, no entanto, raramente existir fagos capazes de infectar uma gama maior de hospedeiros podendo atacar um subconjunto mais vasto de uma espécie ou mesmo várias espécies.


O ciclo do fago, composto por 5 etapas, pode ser bloqueado por mecanismos da bactéria que os adquire numa acção de defesa, bem como pode a bactéria alterar os seus receptores ao fago por forma a que a adsorção não se processe.

Estas são as vias pelas quais a bactéria se pode defender da infecção pelos fagos e que leva a uma replicação de vírus.

Por sua vez, os fagos podem sofrer mutações capazes de ultrapassar estas defesas da bactéria. De salientar que os fagos apresentam mutações mais frequentes de que as bactérias que infectam.


Os fagos são classificados baseando-se na morfologia e no ácido nucleico que possuem.


O exito da fagoterapia está em relação directa com o fornecimento de uma densidade de fagos suficiente no local da bactéria que se tem como alvo por forma a ser destruída a um ritmo e magnitude adequadas.

A densidade dos fagos aumenta para atingir uma densidade adequada por meio de uma replicação in situ, denominada terapia activa, ou por meio de dosagem farmacológica convencional, denominada terapia passiva. Estas diferentes terapias têm de ser eficazes para ultrapassarem os mecanismos de perda de fagos que sempre ocorrem.

O limiar da proliferação ( XP ) representa a densidade mínima de bactérias susceptíveis acima do qual o número de fagos aumenta por replicação. Acredita-se que o limiar é idêntico para a generalidade das combinações fago-bactéria.

Tempo crítico de proliferação ( TP ) é o tempo que decorre entre a administração dos fagos no local onde está a infecção até o limiar de proliferação ser atingido. De salientar que os fagos administrados demasiado precocemente podem levar a uma remoção sistémica antes do limiar da proliferação ser atingido e assim a eficácia da terapêutica ser menor ou nula.

Na fagoterapia deve-se estimar a magnitude de TP e se , in vitro, este for muito alto, deduz-se que a fagoterapia activa não é viável.


Nas situações em que não se consegue saber nem a dose ideal nem o timing ideal, o principal é ser capaz de assegurar o tempo crítico de proliferação, ou seja, é preferível administrar doses repetidas para se ter a certeza que esse tempo é atingido do que administrar um número mais reduzido de doses elevadas.


A fagoterapia é uma terapêutica segura, não havendo relatos de efeitos secundários importantes, indução de alguma doença ou lesão das células humanas. Importante é evitar a transferência de genes causadores de patogenecidade bacteriana ou aumento da sua virulência e por estes factos são apenas usados fagos obrigatoriamente líticos na fagoterapia.


Fagoterapia para MRSA


Infecções por MRSA são difíceis de lidar devido à sensibilidade da antibioterapia ser reduzida e apresentarem grande prevalência em infecções associadas a cuidados de saúde para outras patologias, muitas vezes graves.

O cocktail Pyophage, que tem na sua constituição fagos que combatem Staphylococcus potentes, como o sB1-saph fago K, é utilizado com sucesso dada a sua actividade anti-S. aureus. Resistência aos fagos usados no combate da MRSA é muito rara. Os fagos usados na fagoterapia para MRSA são obrigatoriamente líticos, capazes de infectar um largo espectro de S. aureus e actuando também num máximo de estirpes clinicamente relevantes.

Os estudos da fagoterapia no combate à MRSA, mostram resultados positivos de mais de 80% a 100% de eficácia, envolvendo S. aureus multirresistentes.

A fagoterapia para MRSA pode usar aplicação local ou aplicação mais sistémica como via intraperitoneal.


A fagoterapia usada nas infecções cirúrgicas tem indicação prioritária nas situações em que há dificuldade de penetração dos antibióticos, seja por circulação sanguínea fraca e/ou presença de uma barreira fibrogranular ( como no pé diabético ), osteomielite crónica ( onde há fraca vascularização ) e lesões de grande superfície.


Infecções gastro-intestinais resolvidas por fagoterapia


Fagoterapia tem sido muito usada no combate de diarreias incapacitantes, podendo a via de administração ser a via oral.

Infecções crónicas de longa duração por P. aeruginosa em casos de fibrose quística, estão associadas a menor resistência a fagos do que em casos de infecções agudas. P. aeruginosa clinicamente isolada, é mais susceptível a fagoterapia do que quando isolada do ambiente.


Vantagens e desvantagens da fagoterapia


A fagoterapia apresenta sobre outras terapêuticas, e nomeadamente a antibioterapia, as seguintes vantagens principais:

  1. elevada especificidade para as bactérias que infecta com mínima acção sobre a microflora comensal

  2. não dá origem a infecções oportunistas

  3. não estão descritos efeitos laterais significativos

  4. acima do limiar da proliferação, há replicação dos fagos com aumento da sua concentração nos locais de infecção ( terapia activa )

  5. a ubiquidade dos fagos possibilita a descoberta mais fácil e menos onerosa do que o que acontece com os antibióticos

  6. complexo equilíbrio entre bactérias e seus fagos possibilita a perpetuação da sua evolução

  7. bactérias mutantes resistentes a fagos podem estar associadas a uma virulência menor e maior susceptibilidade ao sistema imunitário humano

  8. mutações bacterianas não conduzem a maior susceptibilidade ao fago-bactéria

  9. fagos podem ser geneticamente alterados para assim poderem contornar limitações e/ou torná-las mais virulentas

  10. componentes do fago, como as endolisinas, podem apresentar propriedades anti-microbianas

  11. a fagoterapia pode ser efectuada por meio de cocktails de fagos

  12. a fagoterapia pode utilizar as mais diversas vias de administração

  13. as bactérias infectadas por vírus líticos não conseguem readquirir viabilidade

  14. a fagoterapia, pelo menos em alguns casos, ultrapassa a barreira que o biofilme representa

  15. impacto ambiental reduzido ou quase nulo

  16. a fagoterapia é uma terapêutica barata


A fagoterapia também apresenta alguns pontos negativos, como sejam:

  1. a fagoterapia requer uma identificação bacteriana precisa e completa devido à grande especificidade dos fagos

  2. podem haver bactérias que por mutações que sofreram sejam resistentes a fagos específicos

  3. os fagos apresentam a capacidade de transferir genes de toxinas entre bactérias

  4. a fagoterapia é menos lucrativa para as empresas farmacêuticas do que os antibióticos, o que leva a um menor investimento

  5. existe um grande desconhecimento da comunidade médica ocidental no que diz respeito aos fagos

segunda-feira, maio 29, 2023

ADAMTS 13

 

ADAMTS 13 ( a disintegrin and metalloproteinase with a thrombospondin type 1 motif, member 13 )


ADAMTS 13 é uma enzima, sintetizada no fígado, presente no sangue humano e é responsável pela quebra do factor de von Willebrand ( vWF ), uma proteína envolvida na coagulação sanguínea.

Quando o ADAMTS 13 não está presente em quantidades suficientes, pode ocorrer uma doença rara denominada de púrpura trombocitopénica trombótica ( PTT ), na qual coágulos sanguíneos anormais se formam nos vasos sanguíneos, levando a complicações graves, como lesão renal, insuficiência cardíaca e derrame cerebral. A medição dos níveis de ADAMTS 13 no sangue pode ser útil no diagnóstico e tratamento da PTT.


O síndrome hemolítico urémico atípico ( SHUa ) é uma doença rara que pode ser causada por uma mutação genética que afecta o sistema complemento do organismo, que é uma parte importante do sistema imunológico. A SHUa pode levar a danos nos vasos sanguíneos, anemia hemolítica, trombose e insuficiência renal.


à proteína ADAMTS 13 é uma enzima que desempenha um papel importante na regulação da coagulação do sangue, que é um processo complexo que envolve várias proteínas e enzimas. A deficiência ou ausência de ADAMTS 13 pode levar a uma condição chamada de Púrpura Trombocitopénica Trombótica, que é outra doença rara que pode causar danos aos vasos sanguíneos, anemia hemolítica e coágulos sanguíneos.


Os pacientes com SHUa podem ter níveis reduzidos de ADAMTS 13, o que pode contribuir para os sintomas da doença. No entanto, a SHUa e a PTT são duas condições diferentes e são causadas por diferentes mecanismos biológicos. O tratamento da SHUa pode incluir terapias que visam reduzir a activação do sistema complemento, enquanto o tratamento da PTT pode envolver a reposição da enzima ADAMTS 13.

Susceptibilidade da Salmonella multirresistente frente a fago P22

 

Susceptibilidade da Salmonella multirresistente frente a fago P22


Presentemente tem-se vindo a verificar um forte aumento de bactérias, e nomeadamente Salmonellas, multirresistentes, devido ao incorrecto uso e indescriminado dos antibióticos. Devido a este aparecimento de resistências, tem-se vindo a procurar outros tratamentos antibacterianos e dentre eles a fagoterapia é uma importante alternativa.

Os bacteriófagos que se conhecem, específicos da Salmonella enterica pertencem à família Microviridae ( que são bacteriófagos isométricos, possuem DNA mas não RNA, e cabeça icosaédrica ). P22 é um fago que parasita sorovar ( sorovar é uma classificação de subespécies de bactérias ou vírus, baseado em diferenças antigénicas, que é frequentemente usada em microbiologia e epidemiologia para identificar diferentes cepas e rastrear surtos de doenças infecciosas ) Typhimurium e que está presente na família Podoviridae.


O P22 é um fago constituído por um ácido nucleico, DNA geralmente e somente raras vezes RNA, ao redor do qual existe uma cápsula proteica denominada cabeça que protege o ácido nucleico.

Os bacteriófagos P22 podem apresentar um ciclo de vida lítico ou lisogénico.


A fagoterapia apresenta diversas vantagens comparativamente com a antibioterapia. Assim, a fagoterapia é eficaz em bactérias resistentes aos antibióticos, não há infecção de outras bactérias como as da flora comensal intestinal, e reage rapidamente a uma possível resistência que as bactérias adquiram aos fagos pela capacidade apresentada por estes de poderem sofrer mutações; o custo da fagoterapia, tanto o do tratamento como o da investigação dos fagos, é reduzido relativamente ao dos antibióticos.


Dados os fagos não agirem sobre as células eucariotas, eles não apresentam efeitos colaterais no ser humano. Os fagos infectam exclusivamente procariotas: Bacteriae e Archae.


Estudos evidenciaram a capacidade do fago P22 conseguir actuar, e lisar, diferentes espécies de Salmonella e cepas multirresistentes.

sexta-feira, maio 26, 2023

Fagos e a transdução

 

Fagos e a transdução


Transdução é um processo biológico no qual material genético é transferido duma célula para outra por meio dum bacteriófago. O processo de transdução ocorre quando um vírus infecta uma bactéria e incorpora parte do seu próprio genoma.

Quando o vírus infecta outra bactéria, ele pode transferir esse material genético para a nova célula alterando assim o genoma da célula receptora.


Existem 2 tipos principais de transdução: transdução generalizada e transdução especializada. Na transdução generalizada, o vírus bacteriófago pode incorporar qualquer parte do material genético da célula hospedeira em seu próprio genoma e transferi-lo para outra bactéria. Na transdução especializada, o fago incorpora apenas material genético específico da célula hospedeira em seu próprio genoma e o transfere para outra célula bacteriana.


A transdução é um processo importante na pesquiza genética e na engenharia genética, pois pode ser usada para transferir material genético específico duma bactéria para outra. Além disso, a transdução pode ter implicações na evolução bacteriana, pois pode levar à transferência horizontal de genes entre diferentes espécies bacterianas.


A transdução especializada, ao contrário do que sucede com a transdução generalizada, só pode acontecer com fagos temperados dado que as partículas transdutoras especializadas formam-se pela excisão inadequada dos profagos na altura em que o ciclo lítico é induzido. Quando se dá a excisão do profago, por recombinação, a excisão não se dá exactamente nos extremos do profago mas sim se corta um fragmento de DNA que inclui o profago mais uma porção de genóforo bacteriano. Se no processo de excisão, a parte do genóforo bacteriano é significativa, então o profago não pode ficar todo incluído dentro do fago transdutor especializado dado que a viabilidade do fago só acontece se a quantidade de DNA contida está entre 73% e 110% do genóforo do fago. Assim sendo, podemos dizer que um fago transdutor especializado é um organismo que difere do que lhe deu origem, tendo alguns genes novos e outros que perde. Por esta particularidade, alguns fagos que perderam genes apenas podem desenvolver-se na presença de outros fagos, os fagos ajudantes ou “helper”, que possuem genes essenciais ao desenvolvimento do gene “inviável”.

As excisões aberrantes geradoras de fagos transdutores especializados são raras.

Os fagos especializados contêm somente os genes que se localizam imediatamente adjacentes ao local de integração do profago. O fago lambda geralmente se integra no local att , entre os operons bio ( que codifica a vitamina biotina ) e o gal ( que codifica o catabolismo da galactose ) e assim ao se induzir um lisogéneo λ normal, podem gerar-se fagos transdutores especializados que levam genes bio ou genes gal. Se o fago λ lisogenar cepas de E. coli desprovidas de attλ,então o fago λ pode integrar-se noutros locais secundários e assim se formarem fagos transdutores especializados que aportam genes adjacentes a esses locais e que não obrigatoriamente sejam bio ou gal.


Na fagoterapia, apenas fagos virulentos, obrigatoriamente líticos, são considerados eficazes.

Defesas não específicas, como ácido gástrico ou sistema retículo-endotelial, podem ocasionar redução da densidade dos fagos e assim resposta menos intensa.


Barreiras como hematoencefálica, intestinal ou outras não influenciam na capacidade dos fagos as atravessar e assim atingirem a corrente sanguínea e se dispersarem pelo organismo humano, qualquer que seja a forma de aplicação: per os, IM, EV, etc


Teoricamente não é necessária uma alta densidade de fagos para que seja eficaz uma eventual primo-infecção.




Vantagens e desvantagens da fagoterapia




quarta-feira, maio 24, 2023

Fago P22

 

A acção dos fagos sobre a Salmonella – fago P22


A primeira fase da infecção por fagos das bactérias é a adsorção que consta da fixação do fago à parede da bactéria.

Os fagos usam diversos tipos de locais receptores que variam entre proteínas, oligossacarídeos, ácido teicóico, peptideoglicanos ou lipopolissacarídeos que estão presentes nos diversos componentes da superfície da membrana celular da bactéria que é infectada e se comporta como um hospedeiro do fago.


O bacteriófago P22, fago P22 ou Enterobacteria phage P22, que são diferentes designações do mesmo fago, é um fago da família Podoviridae ( fago de cauda curta ) que parasita a Salmonella enterica subespécie enterica. A sua adesina é uma proteína homotrimérica de 215 kDa que se localiza na ponta da cauda, sendo que estes fagos possuem 6 fibras caudais de 13 nm que se fixam num único vértice do capsídeo.




É através da cauda que o P22 reconhece a sequência do antigéneo somático na membrana lipopolissacarídica da Salmonella enterica dos grupos A, B1 e D1.

A cauda de P22 tem uma acção endoglicosidase com propriedade de clivar e hidrolisar os polissacarídeos do antígeneo somático las ligações raminose-galactose α(1 3) glicosídicas e assim dar origem a dímeros de unidades repetitivas do produto principal, sendo esse sistema receptor-inactivador comum nos fagos polissacarídeos específicos. Este processo é irreversível.

Endolisinas são as enzimas que medeiam a lise provocada pelos fagos, podendo estas lisinas ser lisozimas, transglicosidades ( estas 2 atacam locais glicosídicos ) ou amidases ( que atacam locais peptídicos da parede bacteriana ).

Estas endolisinas intervêm tanto no processo da invasão da bactéria como no lise da bactéria com libertação dos fagos filhos.


Em fagos lambdóides, um só promotor, designado PR , é o responsável pela transcrição dos genes que conduzem à produção das enzimas. O cistron promotor proximal da transcrição é formado pelos genes S, R, Rz e Rz1, que são os genes da lise, genes estes também intervenientes na síntese do capsídeo e da cauda durante o processo de replicação intracelular do fago.

O gene R codifica uma enzima chamada transglicosidase, semelhante à lisozima ( como vimos atrás são ambas endolisinas que atacam os locais glicosídicos ), hidrolisa os receptores glicosídicos existentes na camada de peptídeoglicanos. O gene S influencia na permeabilidade da membrana plasmática, permitindo desta forma que as endolisinas se infiltrem e atinjam os receptores glicosídeos

terça-feira, maio 23, 2023

Generalidades sobre bacteriófagos

 

Generalidades sobre bacteriófagos


Os bacteriófagos são muito frequentes no tracto gastro-intestinal e constituem um importante componente da microbiota intestinal.


A primeira fase do ciclo biológico dos fagos é a adsorção, que se processa em 2 fases: reversível seguida de uma fase irreversível

A atracção electrolítica influencia muito na primeira etapa da adsorção. Na etapa irreversível, as ligações tornam-se mais estáveis e enzimas hidrolíticas actuam por forma a facilitar a transferência de material genético do fago através da parede bacteriana. Sejam as bactérias gram positivas ou gram negativas, praticamente todas as estruturas bacterianas da parede bem como estruturas acessórias ( pili, flagelos, cápsula ) podem ser usadas pelos fagos na adsorção como locais de ligação.

A segunda etapa do ciclo biológico é a penetração do ácido nucleico, sendo que nesta etapa o fago usa enzimas para perfurar a parede bacteriana, fazendo autênticos buracos por onde penetra o ácido nucleico.

Em fagos muito virulentos e que exibem logo o ciclo lítico, logo que o material genético do fago atinge o citoplasma bacteriano, inicia-se a biossíntese do material genético e das proteínas virais. Nos primeiros, poucos, minutos não se encontram fagos completos na célula infectada, sendo apenas encontrados componentes isolados. Na multiplicação viral, no chamado período eclipse, ainda não há fagos completos e infeciosos. Após este período de eclipse, e com a formação dos viriões, dá-se a lise da parede bacteriana, morte da bactéria, disseminação dos viriões recém formados e posterior infecção de novas bactérias.

No passo de empacotamento de material genético do fago pode haver inclusão de material genético do hospedeiro, o que faz com que esse fago, numa subsequente infecção, injecte seu material genético com partes do genoma do anterior hospedeiro, que será inserido no genoma do novo hospedeiro por recombinação, ocorrendo aquilo a que se designa de transferência genética horizontal.

Outros fagos promovem uma infecção crónica das bactérias estabelecendo uma relação de parasitismo. Estes fagos produzem, de modo contínuo, uma pequena quantidade de vírus, não matando as células hospedeiras e são libertados por brotamento.

Existe uma terceira opção de comportamento dos fagos em que estes originam o profago e em que o ciclo de vida é o ciclo lisogénico, em que proteínas sintetizadas silenciam a expressão da quase totalidade dos genes virais. O ciclo lisogénico, que se associa ao processo de tradução especializada, que permite transferir informação genética capaz de alterar características metabólicas, morfológicas e fisiológicas das bactérias, o que permite a adaptação destas a novos nichos ecológicos.


Conversão lisogénica é o fenómeno em que pela insersão de material genético, pelo processo de tradução, há modificação de propriedades do procariota infectado.

A esta fase, de inserção do genoma viral na bactéria, segue-se a fase de maturação, em que o fago é construído e à qual se segue a libertação dos fagos da célula hospedeira por lise desta.


Células infectadas por vários fagos, mais provavelmente seguem o ciclo lisogénico devido a uma mais alta expressão de C II e C III. C I, proteína repressora de lambda, bloqueia a expressão dos promotores PL e PR . C I bloqueia o mecanismo lítico e estabiliza o estado lisogénico. É preciso a presença contínua de C I para se manter o ciclo lisogénico.

As proteínas C I e Cro são proteínas reguladoras com função oposta. Enquanto C I presente aponta para o ciclo lisogénico, já a presença de Cro ajuda a que o ciclo lítico se desenvolva.

sábado, maio 20, 2023

 

Fagoterapia


Denomina-se fagoterapia à terapêutica antibacteriana que usa bacteriófagos como agentes terapêuticos.

Os fagos oferecem algumas vantagens comparativamente à antibioterapia, como por exemplo o estarem presentes no habitat dos seus hospedeiros bacterianos. Os fagos não são uma terapêutica vulgarmente usada pois apresentam algumas dificuldades, como sejam a pureza insuficiente das preparações de bacteriófagos, uma fraca estabilidade e viabilidade dessas preparações fágicas e uma falta de entendimento da heterogenecidade e modo de acção dos fagos.


Os fagos podem modificar os seus ácidos nucleicos com a finalidade de escaparem a enzimas que a bactéria que infectam produzem e são capazes de destruir o ácido nucleico viral. Verificou-se, por exemplo, no fago λ existir uma substituição de citosina por 5-hidroximetilcitosina com esta função de escapar à destruição pelas enzimas bacterianas.

O DNA de T4 após a sua formação é bombeado para o interior da cabeça proteica do fago com dispêndio de energia. Após a entrada do DNA na cabeça, esta é selada, sendo então adicionadas as fibras da cauda e demais componentes do fago por automontagem.




O genoma fágico codifica 2 proteínas com propriedades de romperem as paredes celular e bacteriana, respectivamente holina e lisina.

Cada bactéria infectada é capaz de gerar 100 viriões num espaço de tempo de 25 minutos.




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Na multiplicação dos fagos operada dentro do seu hospedeiro, primeiro se expressam os genes antes da síntese de cópias de material genético viral, ao qual se segue a expressão dos genes intermediários com função de codificarem as proteínas estruturais e por fim se expressam os genes tardios que levam à síntese das lisinas, que têm como função a rotura da parede celular e assim permitir a libertação da progérie viral. Este é um processo contínuo, o que significa que simultaneamente à síntese das lisinas se processa a produção das proteínas estruturais com função de aderirem ao fago por forma a que quando se dá a lise celular, os viriões sejam libertados, bem como fragmentos de material genético, capsídeos e proteínas estruturais não infecciosas.


A existência de uma pequena troca de informação genética entre o fago e o seu hospedeiro pode levar a uma mudança na sua estrutura e funcionamento que origina um comportamento da célula hospedeira alterado, passando a que a célula hospedeira evidencie funções que apenas existem após a interrrelação entre fago e hospedeiro.



Ernest Hankin, em 1896, foi o primeiro a referir a existência de fagos. Apenas 2 décadas depois os bacteriófagos foram identificados como tendo potencial como agentes antibacterianos, tendo sido Twert e Herelle, em estudos separados, os cientistas responsáveis por este facto.

Os fagos podem ter 2 tipos de ciclos de vida: lítico e lisogénico. No ciclo lisogénico, o DNA do fago integra-se no DNA bacteriano formando o profago. O profago, que fica essencialmente inactivo, tem no entanto a capacidade de levar à codificação de um repressor que impede a síntese de enzimas de replicação de material genético e proteínas do capsídeo. Se a célula entra em processo de stress, o repressor deixa de actuar, entrando-se em fase lítica com sintetização de cópias de material genético do fago, suas proteínas estruturais e assim multiplicação viral com posterior lise celular e disseminação dos fagos.




As bactérias, apesar de serem hospedeiros naturais dos seus fagos específicos, desenvolveram defesas contra eles. A interacção entre os fagos e as bactérias tem um carácter invasivo e de predação. A bactéria, numa acção de defesa contra o fago, evita qualquer contacto com esses fagos acontecendo isto por meio de uma modificação dos receptores dos fagos na parede celular ou pela secreção de uma barreira que impede a adsorção do fago à bactéria. Esta barreira é constituída por uma camada, na parede bacteriana, com enzimas de restrição ou uma camada de muco capaz de acção antiaderente impeditiva da adsorção. Por sua vez os fagos, numa tentativa de sobrevivência, foram-se adaptando por forma a superar aquelas defesas da bactéria.

Os fagos causaram uma variante específica que permite que a capacidade de replicação em células da mesma linhagem melhore. Pelo contrário a capacidade de replicação é mais restricta em células de estirpe diferente.

O mecanismo clássico restritivo dos fagos é a clivagem endonucleotídica do DNA do fago quando não é especificamente metilado em locais determinados.

No final do ciclo de crescimento dos fagos no seu hospedeiro, o DNA do fago é metilado nos locais de reconhecimento específico para o adaptar ao sistema específico de DNA do hospedeiro, tornando-se assim capacitados para infecção de outros hospedeiros possuidores do mesmo DNA do sistema restrição-modificação. A modificação do DNA controlado do hospedeiro, é a forma de superar a restrição do DNA, mais importante. Quando uma célula com DNA de diferente sistema de restrição de modificação é infectada por um fago, o DNA deste fago é restrito/restringido visto a sua metilação não está nas sequências do DNA reconhecidas pelo sistema.

A restrição e modificação dos fagos também podem se dar por mecanismo envolvendo a modificação das proteínas e não do DNA.




Vários são os factores capazes de interferir no ciclo de vida dos fagos e estes factores se agrupam em factores físico-químicos, nomeadamente acidez, salinidade e concentração de iões.

Estes factores são capazes de inactivar um fago por causarem uma supressão dos elementos estruturais ( cabeça, cauda e envelope ), por perda de lípidos e/ou DNA e por alterações estruturais.


O sistema imunitário é o principal obstáculo natural humano ao uso dos fagos pela possível rápida inactivação dos fagos por aquele sistema imunitário. Na tentativa de fuga a este sistema imunitário, os fagos, de modo natural ou por engenharia genética, têm produzido moléculas peptídicas, capazes de antagonizar a acção do sistema imunitário, localizadas no capsídeo do fago e que impedem a inactivação viral, sendo esses peptídeos umas moléculas antagonistas das vias do complemento, as interleucinas e outras citosinas bem como proteínas glicosiladas e factores de inibição.


A inactivação dos fagos por acção da pressão é obtida por interrupção das funções celulares responsáveis pela reprodução e sobrevivência dos fagos e atingem principalmente a cápside do fago com uma desestabilização do envelope viral ou da estrutura proteica do cápside, dos receptores utilizados na adsorção e na degradação de algumas proteínas do fago, isto é, a pressão inactiva os vírus por lhes alterar a estabilidade das proteínas da cápside viral com consequente perda de reconhecimento, por parte do fago, e ligação aos receptores que se encontram na superfície da célula hospedeira.


A frequência de mutação dos fagos é superior à frequência de mutações das bactérias, o que faz com que os fagos consigam rapidamente ultrapassar qualquer mecanismo de defesa que a bactéria tenha desenvolvido contra o fago.

quarta-feira, maio 17, 2023

Bacteriófagos - revisão da literatura

 

Bacteriófagos - revisão da literatura


Bacteriófagos, ou simplesmente fagos, são vírus capazes de destruir bactérias específicas. Os bacteriófagos multiplicam-se segundo um ciclo lítico ou lisogénico, utilizando obrigatoriamente o mecanismo bacteriano sendo dessa forma um parasita intracelular obrigatório.

Os bacteriófagos ligam-se às bactérias que infectam através de receptores específicos existentes na parede bacteriana aos quais se ligam e injectam o material genético através da parede bacteriana.

Estudos apontam para uma maior virulência dos bacteriófagos quando in vivo comparativamente com in vitro.

A cavidade oral é tida como sendo um dos melhores locais para a propagação dos fagos devido à microflora complexa existente, a temperatura em redor dos 36 graus centígrados e a consistência semi-sólida da placa bacteriana encontrada na superfície dentária.

Fagos têm sido usados como terapêutica no combate a diversas bactérias como a E. coli, Pseudomonas sp, Staphylococcus sp, Klebsiella sp, Proteus sp, entre outros.

A fagoterapia pode estar indicada em 3 situações:

  1. combater bactérias com resistências aos antibióticos

  2. combater bactérias resistentes a antibióticos apesar de em testes culturais se verificar serem sensíveis, resistência aquela conferida pela dificuldade de acesso dos antibióticos aos locais infectados que apresentam má vascularização como acontece em casos de osteomielite, úlceras diabéticas ou formação de biofilme

  3. em casos de contra-indicação da antibioterapia eficaz como sejam situações de hipersensibilidade ao fármaco, problemas do tracto gastro-intestinal ou quando há risco de infecção por Clostridium difficile

Fagoterapia está indicada, entre outras situações, nas úlceras de pele, infecções purulentas, MRSA, profilaxia em feridas, queimaduras, infecções com acesso difícil aos antibióticos, infecções do tracto respiratório ou genitourinário e em casos de sépsis.


Os bacteriófagos são vírus, quase na sua totalidade ( 96% dos casos ) apresentando uma cauda, um DNA dupla cadeia, com uma cabeça proteica icosaédrica onde o DNA se encontra, um pescoço que liga a cabeça à cauda, uma cauda tubular que permite a passagem do DNA da cabeça para o interior da célula bacteriana, fibras da cauda que são proteicas e apresentam a capacidade de ligação a receptores específicos existentes na parede bacteriana e a placa final que de estrutura proteica permite a ligação irreversível do fago à bactéria.

Os fagos, ao contrário dos agentes quimioterapêuticos, podem replicar-se no interior da célula que parasitam.

Os fagos podem seguir a via lítica, na qual há 5 fases:

  1. fase de fixação ou adsorção

  2. fase de injecção do material genético

  3. fase de replicação do DNA do fago

  4. fase de reunião e montagem

  5. fase de lise bacteriana

A fagoterapia é um tratamento “personalizado” com a administração de um fago específico do patogéneo previamente identificado in vitro ou em alternativa usa-se um cocktail formado por vários fagos distintos capazes de atacar uma ou mais bactérias diferentes patogénicas.


As lisinas são codificadas em fagos e são as responsáveis pela lise das bactérias atacadas pelo fago através de degradação rápida da parede celular de gram positivos susceptíveis.

Lisinas como PlyC são muito activas contra Streptococcus pyogenes. Foram descritas lisinas, como CF-301, ClyH, ClyF, phi 11 endolisina, SAL-2, Ply187AN-KSH3b e P128, activos contra Staphylococcus aureus. Muitas outras lisinas existem capazes de actuar contra muitas outras bactérias como Streptococcus suis, Streptococcus pneumoniae, Streptococus mutans, etc.


Os fagos actuam numa estreita variedade de hospedeiros alvo, sendo fortemente específicos desses hospedeiros. Não afectam a microflora normal específica do local humano onde se pretende que actuem. Um cocktail de fagos é necessário usar quando há necessidade de combater mais que uma bactéria. Os bacteriófagos apresentam as seguintes importantes propriedades:

  1. administração em dose única dado se multiplicarem no interior das bactérias que atacam e permanência na região enquanto a infecção bacteriana persistir

  2. não apresentam efeitos adversos indesejáveis paralelos com a acção bactericida sobre as bactérias comensais e dessa forma não há disbiose

  3. capacidade de atenuar a virulência bacteriana após o seu uso

  4. baixo custo económico

Os fagos também apresentam algumas desvantagens como sendo:

  1. desconhecimento, com certeza absoluta, de quão eficaz é a acção do fago ainda que se tenha identificado a bactéria patogénica em causa, dada a possibilidade de ser um fago temperado onde a infecção da bactéria não de forma obrigatória leva a um ciclo lítico de forma imediata

  2. obrigatoriedade de identificação exacta da bactéria patogénica, dada a alta especificidade do fago pela bactéria alvo

  3. espectro estreito dos hospedeiros bacterianos

  4. presença de toxinas nos lisados brutos

  5. rápido clearance dos fagos da via sanguínea pela acção do sistema reticuloendotelial dado o reconhecimento das proteínas presentes na superfície do fago pelo sistema imunitário do hospedeiro.


Lisinas são enzimas presentes no bacteriófago com capacidade de digerir a parede bacteriana e têm como objectivo a ruptura desta parede com consequente libertação dos fagos sintetizados no interior da bactéria infectada. A acção das lisinas revela-se como tendo uma potência superior à dos antibióticos, podendo potenciar a acção dos antibióticos.

Algumas lisinas possuem efeitos indesejáveis ao organismo humano, como seja agregação plaquetária, pelo que não são usadas em terapêutica.


Os fagos que são usados na fagoterapia apresentam uma expectativa de vida longa, um número de virions libertados em cada ciclo lítico elevado, curtos períodos de eclipse e latente que é o tempo que decorre entre a injecção intracelular do hospedeiro de material genético do fago e a lise com libertação e dispersão dos novos fagos filhos.

Parece que os fagos actuam de forma negativa sobre o sistema imunológico do hospedeiro.


O genoma viral pode ser DNA ou RNA, seja de cadeia simples ou dupla, linear, circular ou superenrolada, sendo que a quase totalidade dos fagos, cerca de 96%, são de dsDNA.


No processo de transferência do DNA viral para o interior da bactéria infectada estão envolvidos factores como sejam o gradiente electroquímico, moléculas de ATP ou a lise enzimática da parede bacteriana que é catalisada por hidrolases de peptideoglicanos virais. A maioria dos fagos injecta o DNA na bactéria associado a proteínas específicas, sendo que por vezes o DNA é introduzido de forma gradual, sendo a transcrição e tradução da primeira fracção um requesito essencial para se proceder à entrada do restante genoma.


A decisão do fago seguir para ciclo lítico ou ciclo lisogénico sofre influência de parâmetros ambientais e fisiológicos como estado nutricional, metabólico e dimensão da célula hospedeira como a proporção de partículas virais relativamente ao número de bactérias susceptíveis.

O ciclo lítico é vantajoso quando o crescimento e metabolismo das células hospedeiras são adequadas à perpetuação do fago. O ciclo lisogénico é uma estratégia de sobrevivência por parte do fago em condições inadequadas.


Na fase final do ciclo lítico, são sintetizadas as proteínas holina e lisina, que são enzimas que lesam a integridade da membrana citoplasmática e da parede bacteriana respectivamente, e que dessa forma lisam a célula hospedeira e permitem a libertação dos fagos recém formados que vão infectar novas bactérias.

Enquanto que a entrada de material genético do fago vai levar à actividade dos promotores no ciclo lítico, já no ciclo lisogénico é a proteína repressora a sintetizada por forma a inibir o promotor necessário à expressão dos genes da via lítica. Na via lisogénica verifica-se que o gene repressor se auto-regula, o que permite que a estabilidade lisogénica permaneça indefinidamente. O ciclo lisogénico é muito estável, sendo que a reversão espontânea a ciclo lítico se verifica uma vez em cada 10 ⁸ gerações celulares.


Translocação, fenómeno que designa a passagem de microorganismos estranhos através da barreira epitelial para o sistema circulatório ou linfático, é um termo que se pode aplicar a administração sistémica como via per os, IM ou retal.

Comprovou-se a influência da estrutura proteica da cápside viral no reconhecimento por células humanas, como sejam os enterócitos, células M e dendríticas, células estas envolvidas no transporte dos fagos para a via sanguínea ou linfática, o que explica que nem todos os fagos são bem sucedidos no processo de translocação.

A variabilidade da biodisponibilidade é uma característica negativa quando é a via oral a usada na fagoterapia. A fagoterapia usa como via de referência a administração tópica dadas as limitações da via oral e a necessidade de uma pureza superior quando é usada a via EV.

O fago pode ter de se movimentar da via sanguínea para o local da infecção e este fenómeno se denomina distribuição. O aumento da permeabilidade tecidual provocado pela infecção bacteriana pode relacionar-se com este fenómeno denominado distribuição. A quantidade de fagos que é distribuída por unidade de tempo é directamente proporcional à concentração de fagos no plasma até à saturação da maquinaria necessária à translocação se verificar.

Metabolização é o fenómeno em que o conjunto de reacções enzimáticas necessárias promovem alterações químicas num fármaco podendo originar o metabolito activo ou facilitando a sua excreção. Os bacteriófagos, na fase de metabolização, podem sofrer uma activação que os leva à replicação in situ ou podem ser inactivados pelo sistema imunitário.


Para se proceder à infecção primária por parte dos fagos nas bactérias, é preciso que a concentração sérica mínima do fago exista, sendo esta concentração mínima chamada de Inundation threshold ( Vi ), sendo esta concentração mínima obrigatoriamente superior à sua clearance ( Vc ).

O contacto inicial do fago com a bactéria dá-se por colisões aleatórias e a probabilidade de um fago contactar e infectar uma bactéria está dependente da concentração de bactérias que são susceptíveis ao fago em questão, sendo assim a eficácia da fagoterapia função do tempo ( Tp ) que é preciso para a população bacteriana atingir o chamado limiar de proliferação ( Xt ), isto é, o tempo necessário a que a bactéria atinja a concentração mínima bacteriana para possibilitar a replicação dos fagos administrados.

Se a administração dos fagos for muito reduzida ou for administrada muito precocemente, os fagos vão sendo eliminados de forma gradual antes de ser atingido o Tp e assim a terapêutica vai falhar. A administração dos fagos deve-se efectuar o mais próximo possível da altura em que o limiar de proliferação é atingido.

No caso da dose inicial apenas reduzir a concentração bacteriana mediada pela infecção primária, os fagos que se libertam pela lise das bactérias sofrem um aumento exponencial até à completa eliminação da população bacteriana.

A administração do fago em conjunto com outro antibacteriano, nomeadamente antibiótico, antes de Tp, vai causar uma diminuição da concentração bacteriana com consequente prolongamento do tempo para ser atingido o limiar da proliferação ( Xt ). A eliminação dos fagos nesta fase de pré-proliferação impossibilita a infecção secundária não havendo vantagens, em termos terapêuticos, destas associações ( fago mais antibiótico ) nestas condições. Pelo contrário, a administração concomitante é sinérgica após o limiar de proliferação ser alcançado e assim a eficácia terapêutica torna-se mais forte.


Fagoterapia versus antibioterapia

Fagoterapia é uma terapêutica particularmente útil em casos de resistência bacteriana aos antibióticos.

O espectro de acção da fagoterapia é estreito, o que pode ser considerado uma vantagem dado que bactérias resistentes a uma série de fagos permanecem sensíveis a um outro fago que lhe é específico, ao contrário do que acontece com os antibióticos cujas resistências abrangem muitas bactérias. Esta alta especificidade dos fagos possibilita que a flora comensal não seja atacada. Dada a replicação intra-bacteriana dos fagos, uma pequena dose de fagos pode ser suficiente pois que se multiplica no organismo. Os fagos são eficazes em locais com pouca irrigação sanguínea ou em locais com formação de biofilmes, situações em que os antibióticos se mostram ineficazes. Uma vantagem dos fagos é o seu baixo preço.


Mecanismos de resistência bacteriana aos bacteriófagos

Existem diversos mecanismos de resistência bacteriana aos fagos dependendo estes mecanismos da associação entre o fago e a bactéria em questão.

Entre estes mecanismos temos:

  1. inibição da adsorção viral: bactérias adquirem genes capazes de codificar a síntese de uma proteína que altera a estrutura ou conformação dos receptores de superfície usados pelo fago para se ligarem à bactéria; outras bactérias impossibilitam esta adsorção através da síntese de polímeros que formam uma barreira e assim o fago não consegue ligar-se aos receptores

  2. inibição da entrada do DNA do fago no interior da bactéria: algumas bactérias codificam o sistema Sie cuja função é impedir a entrada do DNA do fago no interior da bactéria

  3. clivagem dos ácidos nucleicos virais

Os fagos são agentes bastante seguros clinicamente. No entanto efeitos indesejáveis podem surgir e neste caso podemos referir que o facto dos fagos lisarem bactérias pode originar a libertação de endotoxinas existentes no interior das bactérias que pela sua lise se libertam e que podem causar respostas inflamatórias



Os fagos podem ser classificados como monovalentes ou polivalentes, sendo os monovalentes os que se ligam apenas a um receptor celular e possuem em regra um espectro de infecção mais restrito enquanto os fagos polivalentes se podem ligar a mais de um receptor e dessa forma possuem um espectro infeccioso mais largo.

Os fagos com cauda iniciam o processo de infecção das bactérias por um processo de adsorção das proteínas localizadas na cauda, as RBP ( receptor binding proteins ) com receptores na face externa da membrana celular do hospedeiro. Estes receptores podem ser desde pilus, que caracterizam os fagos F+ ou “male specific”, ou outros componentes da superfície como lipopolissacarídeos ou peptideoglicanos, que são os chamados fagos somáticos. Após se processar a adsorção, o fago pode injectar o seu material genético no citoplasma do hospedeiro.

Por criotomografia electrónica foi demonstrado que o fago T4 tem a capacidade de alternar, entre conformação estendida e não estendida, as 6 fibras longas da cauda. Quando, na conformação estendida, a ligação ao receptor bacteriano é feita, e antes desta fibra se desligar, uma segunda fibra faz outra ligação, sendo que esta alternância da ligação das fibras ajuda o fago a encontrar o local óptimo para a ligação irreversível se fazer, sendo esta fase de ligação irreversível a etapa em que as enzimas hidrolíticas actuam por forma a que se processe a penetração do material genético na célula.

O ciclo lisogénico pode provocar imunidade no hospedeiro a novas infecções por fagos relacionados sendo que a alteração dos receptores celulares de hospedeiros pode ser o processo pelo qual se origina essa imunidade. Os genes do profago podem ser os responsáveis pela alteração dos receptores celulares e esta imunidade adquirida desta forma impede a adsorção de outros fagos à bactéria infectada.

A aquisição de resistência pelo hospedeiro aos fagos é uma consequência natural do processo infeccioso. Cocktails fágicos são indicados para prevenir o mecanismo de aquisição da resistência pelas bactérias quando se faz fagoterapia. Estes cocktails são compostos por diferentes fagos, que podem ter os mesmos alvos ou alvos diferentes para a mesma bactéria, aumentando assim as possibilidades de alvos na célula bacteriana e diminuindo as possibilidades de alvos na célula bacteriana de resistência e escape.



sexta-feira, maio 12, 2023

Fago λ da E. coli: genes e proteínas reguladoras

 

Fago λ da E. coli: genes e proteínas reguladoras


O repressor do fago λ da E. coli é um polipeptídeo cuja presença é totalmente essencial para que o gene regulador da síntese proteica do fago se expresse.

Verificou-se que as células não produzem continuamente a totalidade das proteínas, sendo que algumas são produzidas apenas de maneira intermitente. Não se sabia, até há pouco tempo, a razão deste facto e pensava-se que certas zonas do DNA ficavam inactivas em certas ocasiões.

Actualmente tem-se por razão desta síntese intermitente de algumas proteínas o facto de um mecanismo de síntese proteica existir, no qual um grupo de genes estruturais, denominados de cistrões, localizado em sectores vizinhos ao longo do DNA e ligados de forma estreita no mapa genético da célula, formam um operão que está sob o controlo dum gene operador que se localiza numa posição estratégica relativamente ao operão que ele controla.

Quando o operador está aberto, cada cistrão sintetiza o mRNA respectivo e este mRNA controla a síntese de um polipeptídeo. Na altura em que o operador se encontra na sua forma de fechado, a síntese do mRNA não se processa pois o operador se encontra ligado a um repressor, localizado no citoplasma, e que tem por função o bloqueio da translação. O repressor actua de forma negativa de maneira que a sua forma activa inibe a síntese proteica.

A actividade dos repressores é governada pelos efectores, que são metabolitos específicos. No caso das enzimas indutoras, o indutor inactivando o repressor actua como efector e dessa forma o gene operador fica livre permitindo que se produza a síntese proteica.

O apo-receptor é um outro tipo de repressor que intervem na regulação das enzimas repressoras e que são activadas na presença do seu efector a exemplo do que sucede nos processos de retroalimentação.


Os repressores apresentam pelo menos 2 locais alostéricos, sendo que um tem afinidade pela sequência de nucleotídeos de gene operador respectivo e o outro pela molécula do efector, sendo que assim quando o efector se liga ao repressor, este repressor apresenta uma afinidade pelo gene do operador modificado.


Exemplos destes mecanismos são o operão da lactose na E. coli ou da histidina na S. typhimurium.


A presença de um profago proporciona à célula hospedeira uma capacidade de resistência a uma outra infecção por vírus homólogos ou suas variantes.



Fago λ: constituição e propriedades


O repressor do fago λ é um polipeptídeo com peso molecular ao redor de 28000, na sua forma de monómero, ou de 112000 na sua forma tetrâmero. O coeficiente de sedimentação é de 6.2 s ou 2.4 s nas suas formas tetrâmero e monómero, respectivamente. Apresenta uma concentração intracelular de 10 ͞ moles/l. O repressor λ se encontra num rápido equilíbrio entre as suas formas monómero, dímero e tetrâmero, sendo que a forma de tetrâmero é mais abundante quando aumenta a concentração do repressor λ. A forma de monómero não se liga ao DNA do fago.

Quando o repressor se encontra associado por forma a se apresentar como dímero, une-se ao gene operador numa constante de equilíbrio de 3x10⁻⁴ moles/l para a reacção

R + O = RO

A semi-vida média da associação repressor-gene operador, in vitro, é de 10 minutos, sendo que se emprega o DNA completo do fago, e não só o gene do operador, aquela semi-vida sobe para 170 mn. A expressão de gene regulador depende da presença ou ausência da forma activa do repressor λ. Como indutores da perda do estado de lisogenia, in vitro, têm sido propostos análogos de nucleotídeos como 6-fluorodeoxiuridina, alteração da temperatura ou do pH e radiações UV.



Especificações de interacção entre repressor e gene operador


O repressor regula, de modo específico, uma sequência de bases, sejam pirimidinas ou purinas. Mutação destas bases impossibilitam a incorporação do repressor, não se ligando ao DNA do fago.

A cinética da união do repressor ao DNA segue uma curva sigmoide que sugere haver um efeito de cooperação entre as diferentes subunidades ( protómeros ) da molécula do repressor. Estão propostas as seguintes hipóteses explicativas para este facto:

  1. os monómeros se unem de forma individual de forma cooperativa com o gene operador

  2. os monómeros se ligam a um oligómero livre que posteriormente se unem a um gene operador



Modo de actuação do fago λ


O repressor une-se aos vários genes operadores e assim a transcripção dos 2 sets de genes tempranos ( ou temperados ) que é lida em sentidos opostos, é bloqueada, ou seja o repressor impede que a RNA polimerase DNA dependente faça a transcripção da mensagem genética existente no DNA do fago para uma molécula de mRNA que é traduzido ao nível dos ribossomas em proteínas precoces ( ou tempranas ) necessárias para a síntese proteica tardia, permanecendo em forma de profago o DNA do fago e a célula hospedeira fica em lisogenia.



Na via lítica podemos observar 3 estágios de expressão génica: inicial-imediato, inicial-retardado e tardio.

O estadio inicial-imediato apresenta 2 operadores: Ol e Or ( l de left; r de right ). O transcripto Ol forma a proteína N sendo que na ausência desta proteína N param os transcriptos iniciais-imediatos, dando a possibilidade a uma maior expressão dos genes λ e assim o estadio inicial-retardado é activado.

As proteínas para a replicação do DNA do lambda e sua recombinação são sintetizados no estadio inicial-retardado sendo neste estadio também transcrito o gene que codifica a proteína Q, outro regulador da expressão génica do fago λ e que impede o término da transcripção.


Tal como na via lítica, também na via lisogénica existem 3 estadios que são nomeadamente: estabelecimento, manutenção e libertação. O estadio de estabelecimento necessita da integração do DNA do fago no do hospedeiro bem como da inactivação da via lítica.

Apenas o gene cI é expresso no profago e este gene cI é capaz de fazer a codificação do repressor λ que se liga aos operadores Or e Ol da via lítica.

O repressor no operador Ol impossibilita a transcripção para a esquerda dos genes iniciais-imediatos o que resulta na não síntese da proteína N e o bloqueio da via lítica. O repressor quando se liga ao operador Or origina um impedimento da transcripção dos genes cro e Q. Desta forma, com o repressor ligando apenas o gene, cI é transcripto.

O gene cI, codificador do repressor, encontra-se entre os operadores da via lítica Ol e Or sendo que cada um destes operadores possuem 3 regiões com diferentes afinidades de ligação ao receptor.

O ponto de ligação com maior afinidade para o repressor tanto em Ol quanto em Or, é o mais próximo do início do primeiro gene estrutural do operão Ol1 e Or1, respectivamente. O promotor para o gene N encontra-se em Ol1 e o promotor para o gene cro fica em Or1.

A ligação do repressor a estes operadores, N e cro, leva ao bloqueio do RNA polimerase ao promotor e assim a transcripção dos genes N e cro não se iniciam. De forma diferente, a transcripção do gene cI não apresenta bloqueio pela ligação do repressor a estes pontos de alta afinidade.


É a própria síntese de repressor que controla o nível deste repressor por mecanismo de feed back.


A alta regulação existente depende das diferentes afinidades de Or1, Or2 e Or3 pelo repressor. O Or1 está preenchido em situação de baixos níveis de repressor e assim há o bloqueio da transcripção do gene cro e outros genes à direita deste gene cro.

A ligação de uma molécula de repressor ligada a Or1 favorece a ligação de outra molécula, a Or2, e desta forma a transcripção do gene cI se aumenta originando maior produção de repressores. Com a subida da concentração dos repressores, o Or3 vai ficando ocupado.





Fago Lambda


O fago liga-se à parede bacteriana reconhecendo o transportador da maltose ao qual se liga.

Várias polimerases bacterianas reconhecem vários promotores do fago, como o PL e PR ( promotor left e promotor right ) que intervem na produção dos mRNA virais.

O PL intervem na síntese da proteína N enquanto que na síntese da proteína cro age o PR. A transcripção nestes sistemas pára quando se encontra o terminator por virtude da detenção da polimerase.

Cro é um repressor capaz de reprimir a expressão de cII e cIII, que são proteínas que inibem a lisogenia e desta forma o ciclo lisogénico passar à via lítica mas esta repressão apenas se verifica na presença de altas concentrações de cro.

N é uma proteína com propriedades antiterminadoras e assim na sua presença a polimerase não se detém. Quando se sintetiza a proteína N, a transcripção se processa e a partir de PL se produz N e cIII enquanto que de PR se sintetiza cro, cII, O, P e Q.

Perante Q há um terminador que não termina de se ligar com a proteína N, pelo que a quantidade de Q sintetizada è menor do que a síntese das restantes proteínas.

Os genes O e P intervêm na replicação viral por forma semiconservadora e bidireccional. 

Q é o regulador positivo da expressão dos genes tardios.


Uma vez que a replicação se faz por rondas, a dada altura há uma alta concentração de proteína Q, proteína esta antiterminadora tal como N, o que permite que se proceda à transcripção do mensageiro R2, que é o codificador das proteínas tardias do fago implicadas na produção da cabeça, cauda e da via lítica.

Simultaneamente ao acúmulo de Q, se acumula também cro, capaz de reprimir os promotores, e que se une às regiões operadoras. No Or ( operador direito ) a maior afinidade encontra-se no sítio 3 seguido pelo sítio 2 e por fim o sítio 1 que apresenta a menor afinidade pelo que a pequena concentração de cro se ligará de forma a reprimir o sítio 1 mas não sendo uma concentração de cro suficiente para inibir o sítio 3 , o que faz com que seja possível a expressão de todas as proteínas do mensageiro direito.

No operador esquerdo, Ol, a primeira molécula de cro que se lhe liga é capaz de reprimir a totalidade da transcripção.


Todos os promotores do operador direito, Or, inibem-se quando a proteína cro chega ao sítio 1. Nesta altura, com todos os promotores inibidos e havendo proteínas tardias, a replicação passa de semiconservadora bidireccional para replicação por círculo rodante.

O fago lambda tem DNA dupla cadeia sendo que a cadeia + se divide começando-se a juntar nucleotídeos no terminal 3' copiando a cadeia – de forma a que o terminal 5' se vai deslocando e assim formar uma cadeia +. Finalmente uma endonuclease separa o sítio Cos, de dupla cadeia, dando origem a um extremo coesivo ou escalonado que tornará a permitir que o cDNA se forme quando houver nova infecção.

Este acúmulo de proteína cro provoca a não expressão das proteínas lisogénicas cI e cII, passando-se desse modo à fase lítica. Quando se liga ao sítio 3 , um dos promotores que inibe é o que está associado ao gene cro conduzindo a que o aumento da concentração da proteína cro reprime a sua transcripção, mas esta já não é precisa uma vez que a lisogenia foi inibida e assim o vírus em breve se libertará do hospedeiro.

Os acontecimentos na fase lítica são então:

  1. entrada do DNA linear e circularização pelos extremos coesivos formando um sítio cos

  2. união da polimerase bacteriana aos promotores esquerdo e direito, PL e PR , produzindo-se mensageiros curtos devido a presença de terminadores sendo que o PL leva à síntese da proteína N e o PR leva à síntese da proteína cro

  3. dá-se o acúmulo da proteína N, que age como antiterminador, e assim se formam os mensageiros maiores pelos PL e PR sendo que PL tem interferência na síntese de N e cIII, enquanto que PR actua na síntese de cro, cII, O, P e em alguns ciclos a proteína Q

  4. as proteínas O e P permitem a replicação bidireccional semiconservadora tipo Theta

  5. Q acumula-se, agindo como antiterminador e assim PR sintetiza um mensageiro capaz de codificar as proteínas tardias da lise, cabeça e cauda

  6. simultaneamente com o acúmulo de Q, a proteína cro liga-se aos operadores direito e esquerdo, OL e OR , verificando-se que a união de OR ao sítio 1 inactiva todos os promotores enquanto que é necessário muito cro para que se ligue ao sítio 3 e assim inactivar todos os seus promotores incluindo o de cro

  7. a replicação passa a ser em círculo rodante dada a inibição dos promotores pela proteína cro e a síntese das proteínas tardias por acção de Q

  8. o concaténero de cadeia dupla se divide em fragmentos do tamanho do genoma do fago deixando os extremos coesivos no sítio cos.


Na fase lisogénica verificam-se outros passos que são de seguida inunciados:

cI é a proteína repressora principal do fago lambda e a sua concentração em conjunto com as de cro é que determinam a fase, lítica ou lisogénica, que o fago segue.

O gene de cI que se ubicua entre PL e PR e por isso se transcreve mediante o PE ( promotor do estabelecimento da lisogenia ). O PE é um promotor que cII induz, o que não se passa com PL nem PR, cujo transcripto de PE se acumula quando a proteína N se acumula permitindo que mRNA direito inclua cro, cII, O, P e algum Q.


Duas condições terão de existir para a lisogenia se verificar:

  1. os genes tardios não se expressam e dessa forma não há proteínas tardias; para que estes genes não se expressem, é preciso que cI se expresse dado ser um repressor de PR, e devem estar presentes altos níveis de cIII que evitam a degradação de cI

  2. que o genoma do fago se integre no genoma bacteriano; para esta integração se verificar, tem de se expressar o gene Int, gene de integração. Se existe cII e PE é induzido e cI é sintetizado, sendo que este inibe a síntese das proteínas tardias quando cI se liga a PR. Também cro tem a capacidade de reprimir a síntese de mRNA direito, que inclui cII, necessário para cI ser induzido e assim se dá a lisogenia.


A proteína cII é sensível a proteases; cIII é degradada pelas proteases e assim protege cII da acção das proteases. No entanto, se a concentração das proteases for muito elevada, estas são capazes de degradar quer cII quer cIII, pelo que a degradação de cII pelas proteases varia com a concentração das proteases dentro da bactéria.

Os níveis das proteases intrabacterianas dependem do nível nutritivo variando numa razão directa. Assim quando há muitos nutrientes, os níveis de proteases são elevados, o cII degrada-se, não se exprimem os genes tardios e o genoma do fago não se integra no bacteriano pelo que a lisogenia não se verifica sendo o ciclo lítico o que vigora. Em suma, se há muitos nutrientes há muitas bactérias e o fago lambda abandona o hospedeiro para infectar novas bactérias.

A proteína cI, na altura da sua síntese, vai aos operadores por forma a impedir outras sínteses no sítio 1, ao contrário de cro. Isto é, entre cro e cI a primeira proteína que se ligue ao sítio 1 determina o ciclo do vírus:

  • se a proteína que se liga é cro, é porque há muita quantidade de proteína cro e assim se sintetizam os genes tardios e a ligação de cro ao sítio 1 provoca que a terminação mude para circulo rodante e se dê a lise

  • se a proteína que se liga é cI, os genes tardios não se produzem; ao parar o OR também cII não se sintetiza sendo que esta é necessária para induzir PE a transcrição cI; cI no entanto apresenta uma função dupla: inactiva PR e activa o PM ( promotor da manutenção da lisogenia ). Esta dupla função de cI origina a que todos os promotores estão inactivos excepto o PM e dessa forma a transcrição de cI se pode continuar a processar. A determinado momento a transcrição de cI é detida já que PM fica inactivo mas cI foi acumulado em concentração suficiente


Com a divisão celular bacteriana em lisogénese, a concentração de cI diminui, o que leva a que PM se volte a expressar, transcrevendo-se mais cI até PM se tornar a reprimir. Este ciclo se repete até as proteases que se associam a um nível alto nutritivo degradem cI e o ciclo lisogénico seja substituído pelo ciclo lítico.


Em estado lisogénico, uma bactéria é imune a uma reinfecção por fago lambda pois o cI reprime o segundo fago infectante.


Na lisogénese verifica-se a interrupção da síntese das proteínas tardias pela não transcrição dos genes tardios mas também há a incorporação do genoma viral no bacteriano para a qual a transcripção do gene Int presente no mRNA esquerdo é necessária.

O gene Int codifica uma topoisomerase que produz a integração entre um sítio específico do fago lambda, chamado att, e os sítios gal e bio bacteriano. Para se fazer a separação dos genomas é precisa a proteína Xis, uma excisionase, capaz de alterar a afinidade da topoisomerase capaz de alterar a função dela de integração para desintegração. O gene xis, da proteína Xis, encontra-se no mRNA esquerdo.


O sistema de reparação SOS é um sistema de genes capazes de intervirem na reparação da lesão causada por agentes externos e que actuam por forma a mudar de fase lisogénica para a fase lítica. Nas condições normais o sistema de reparação SOS encontra-se inactivo pela acção da proteína LexA que reprime os genes SOS. A proteína RecA, participante na recombinação, na presença de dano do DNA potencia a actividade protease levando à degradação da proteína LexA com consequente activação dos promotores dos genes SOS e reparação do dano do DNA.

RecA degrada cI, o que vai permitir a transcrição dos genes tardios induzindo-se assim a lise.


Proteínas como cI e LexA são factores de transcrição capazes de activar e desactivar genes.

Quando danos no DNA são detectados, a LexA activa os genes do fago, replicando e lisando a célula.

Vários fagos são capazes de provocar o desenvolvimento do sistema de comunicação bacteriano através da proteína CtrA, proteína esta que integra vários sinais, quer internos quer externos, que accionam processos de desenvolvimento bacterianos, estando entre eles a produção de flagelos e pili que é onde os fagos se ligam na bactéria quando as infectam.