Bacteriófagos: composição, estrutura e fases da infecção
Bacteriófagos, como vírus que são, são parasitas intracelulares obrigatórios que têm necessidade de usar a maquinaria biossintética do hospedeiro, que neste caso são bactérias.
Pensou-se que os bacteriófagos seriam uma terapêutica antibacteriana eficaz mas isto tem-se revelado problemático dada a rápida remoção dos fagos do corpo humano, tendo assim um valor clínico terapêutico reduzido. Novas tecnologias têm sido desenvolvidas e espera-se que este problema seja ultrapassado por forma a se tornarem uma eficaz terapêutica antibacteriana, agora que bactérias multirresistentes se têm vindo a multiplicar.
Composição e estrutura do bacteriófago
Os fagos são compostos essencialmente por ácidos nucleicos ( em cerca de 95% dos casos é DNA ) e proteínas. O fago não pode conter simultâneamente DNA e RNA, podendo, no entanto, e contendo, um destes ácidos nucleicos no interior do capsídeo.
Os ácidos nucleicos dos bacteriófagos, muito frequentemente, são formados por bases modificadas, não usuais, comparativamente com as bases geralmente encontradas naqueles ácidos nucleicos noutros organismos. Estas bases modificadas são uma protecção que o fago arranjou, por forma a que o seu ácido nucleico fique protegido das nucleases do hospedeiro que degradam os ácidos nucleicos alheios durante a infecção que o fago faz.
O tamanho do ácido nucleico é variável consoante o fago em questão sendo que os fagos mais simples têm um ácido nucleico capaz de codificar 3 – 5 produtos génicos de tamanho médio, enquanto que os fagos mais complexos são capazes de codificar um número muito superior de produtos génicos, podendo atingir mais de 100 produtos génicos.
O número de proteínas de diferentes tipos, bem como a sua quantidade existente no bacteriófago, é variável consoante o fago em questão. Os bacteriófagos mais simples apresentam muitas cópias de uma ou duas proteínas diferentes, enquanto que fagos mais complexos podem apresentar muitos tipos diferentes de proteínas. Estas proteínas dos fagos têm acção na infecção e actuam também na protecção contra as nucleases de hospedeiros sobre os ácidos nucleicos do fago.
Características estruturais do bacteriófagos
Os bacteriófagos podem divergir muito entre si em tamanho e forma. Assim, e tomando como exemplo o fago T4:
Tamanho: T4 é um dos maiores fagos com cerca de 200 nm de comprimento e 80-100 nm de largura; a generalidade dos fagos tem um comprimento que varia entre 24 e 200 nm
Cabeça ou capsídeo: este componente encontra-se em todos os fagos e varia em tamanho e forma, sendo uns icosaédricos e noutros filamentosos; a composição da cabeça é de muitas cópias de uma ou mais proteínas diferentes. No interior da cabeça, e na sua protecção, encontra-se o ácido nucleico do fago
Cauda: a generalidade, mas não todos, os fagos apresentam uma cauda que pode ser mais comprida ou mais curta, contráctil ou não, e que se liga à cabeça. Consiste de um tubo ôco por onde passa o ácido nucleico para penetrar na bactéria e a infecta. Em fagos mais complicados, como T4, a cauda é envolvida por uma estrutura helicoidal proteica contráctil, em forma de baínha e que contrai durante a infecção da bactéria ajudando ao movimento do ácido nucleico para o interior da célula a infectar. No fim da cauda há uma placa-base e uma ou mais fibras da cauda, nos fagos mais complexos. Estas estruturas placa-base da cauda e fibras da cauda são importantes na ligação do fago à parede bacteriana. Estas estruturas não aparecem em todos os bacteriófagos, sendo que nestes casos de fagos mais simples, outras estruturas estão envolvidas na ligação do fago à bactéria.
Fases da infecção pelos bacteriófagos das células hospedeiras
Várias etapas existem na infecção bacteriana pelos fagos, nomeadamente:
Adsorção: esta é a primeira fase da infecção pelo fago das células bacterianas e consiste na ligação das fibras da cauda, ou outras estruturas análogas nos fagos que não as possuem, a receptores específicos da parede bacteriana, sendo uma etapa reversível. A especificidade do hospedeiro do bacteriófago é determinada, em regra, pelas fibras da cauda sendo que a natureza do receptor bacteriano varia com a bactéria em questão. Entre os referidos receptores se incluem LPS, pili e lipoproteínas, que são proteínas presentes na superfície externa da parede bacteriana. Esta ligação fibras da cauda – bactéria é uma ligação fraca e reversível.
Ligação irreversível: esta ligação é mediada pela placa-base sendo que os fagos mais simples, que não possuem placa-base, apresentam outra forma de se ligarem de forma mais forte e irreversível à bactéria que infectam
Contracção da bainha: após a ligação irreversível do fago à bactéria, dá-se a contracção da bainha ( nos fagos possuidores de bainha ) sendo a fibra proteica ôca da cauda, empurrada e, assim, perfurando a parede bacteriana. Os fagos não contrácteis, que não possuem as baínhas contrácteis ( Siphoviridae ) usam outros processos para conseguirem que o fago atravesse a parede bacteriana, como por exemplo acontece em alguns fagos que usam enzimas que digerem componentes da parede bacteriana.
Injecção do ácido nucleico: este entra na bactéria através da cauda que penetra na parede bacteriana; por regra o ácido nucleico é o único componente do fago que penetra na bactéria havendo raras excepções a esta regra.
Ciclo de vida do fago:
A multiplicação dos bacteriófagos processa-se por 2 ciclos, nomeadamente ciclo lítico e ciclo lisogénico.
Os fagos líticos, ou virulentos, são, por definição, os que no interior da bactéria infectada apenas se podem multiplicar e lisam a bactéria hospedeira no final do ciclo da vida.
O ciclo de vida lítico apresenta 3 fases:
Período de eclipse: neste período não se encontra nenhum fago, seja dentro ou fora da bactéria; o ácido nucleico fágico toma conta da maquinaria metabólica bacteriana e o mRNA e proteínas codificadas pelo fago são produzidos por forma a se formarem os componentes que originam novo fago. Ocorre uma expressão ordenada de síntese macromolecular dirigida pelo fago. O mRNA primeiramente sintetizado codifica as primeiras proteínas que são precisas para a síntese do ácido nucleico ( DNA ) do bacteriófago e também as necessárias para impedir a função de DNA, RNA e sínteses proteica bacterianas. Por vezes as primeiras proteínas sintetizadas sob comando do fago, degradam mesmo o cromossoma bacteriano. Após a síntese do DNA fágico, novos mRNA e novas proteínas são sintetizadas sendo estas proteínas as estruturais que compreendem as proteínas que procedem à elaboração e formação de novos fagos e as proteínas utilizadas na lise da parede bacteriana por forma a se dar a lise celular e dispersão dos fagos
Fase de acúmulo intracelular: nesta fase do ciclo lítico, o ácido nucleico do fago e as proteínas estruturais que foram sintetizadas, são montadas e partículas de fago se acumulam no interior da célula hospedeiras
Lise e libertação do fago: ao fim de algum tempo a bactéria lisa devido à acumulação de proteínas de lise do fago e os fagos recém formados são libertados e dispersos no meio. O número de fagos libertados por bactéria é de cerca de 1000
Ensaio de fago lítico:
ensaio em placa: fagos líticos são contabilizados num ensaio em placa sendo que uma placa é uma área clara resultante da lise da bactéria; cada placa é formada por um único fago infeccioso sendo denominado de unidade formadora de placa ( ufp ) e portanto infecciosa capaz de produzir uma placa.
O ciclo de vida lisogénico, também chamado de temperado, é aquele no qual os fagos se podem multiplicar pela via do ciclo lítico ou podem entrar em dormência no interior da célula hospedeira. Neste ciclo lisogénico não há transcripção da maioria dos genes e o genoma do fago permanece reprimido, sendo chamado de profago ao DNA do fago dado não ser um fago mas ter o potencial para o produzir sob determinadas condições. O DNA do fago integra-se, geralmente, no DNA bacteriano e sofre replicação em conjunto com o DNA bacteriano por forma a ser passado às células-filhas. A célula que contém o profago não é afectado e o estado de dormência pode persistir indefenidamente até alguma circunstância ser capaz de activar o profago.
Eventos que levam à lisogenia
Tomando o fago λ como exemplo temos:
circularização do cromossoma do fago: o DNA do fago é de dupla cadeia com pequenas regiões de cadeia única na extremidade 5'. Estas regiões de cadeia simples são complementares, denominadas extremidades coersivas, e desta forma podem emparelhar e fechar o círculo do DNA, com uma ligação forte covalente.
Recombinação sítio-específica: um evento recombinacional, que sofre catalização por uma enzima que o fago codificou, pode ocorrer entre um local específico do DNA de cromossoma bacteriano e um local específico do DNA do fago em forma circular sendo que daqui resulta que o DNA do fago passa a ser integrado no DNA bacteriano, como que fazendo apenas um ácido nucleico.
Repressão do genoma do fago: o fago tem a capacidade de modificar uma proteína repressora, chamada de repressor, que é sintetizada e se liga a um local específico do DNA do fago que se denomina de operador e essa proteína repressora tem a capacidade de desligar a transcripção da maioria dos genes do fago com a importante excepção do gene repressor, resultando daqui um genoma reprimido do fago que se encontra integrado no cromossoma do hospedeiro. De salientar que o fago temperado apenas e só é capaz de reprimir o seu próprio DNA e não o de outros fagos, sendo desta forma a repressão muito específica e isto se denomina imunidade à super-infecção pelo mesmo fago.
Eventos que actuam com vista ao fim da lisogenia:
Sempre que uma bactéria lisogénica se depara com condições adversas, esta situação de lisogenia pode terminar sendo este processo denominado de indução. Entre as situações que podem levar à indução se incluem desecação, exposição a raios UV ou radiações ionizantes, exposição a agentes químicos mutagénicos entre outros.
Estas condições de stress proporcionam a síntese de proteases ( proteína Rec A ) capaz de destruir a proteína repressora, o que permite a expressão dos genes do bacteriófago com reversão do processo de integração no DNA bacteriano ( denominado de excisão ) e multiplicação lítica com consequente lise bacteriana e dispersão dos fagos.
Conversão lisogénica:
Uma célula que passa a ser lisogenizada, raras vezes mas acontecendo, permite a expressão de genes extras que o fago transporta, sendo a este processo dada a designação de conversão lisogénica ou conversão fágica e pode ter significado clínico como acontece com o Vibrio que passa a Vibrio cholerae ou no caso de fagos lisogénicos que transportam genes capazes de modificar o antigéneo O da Salmonella.
Também a produção da toxina do Corynebacterium diphetheriae é mediado por um gene transportado por um fago
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