terça-feira, maio 30, 2023

Utilização da fagoterapia: suas vantagens e desvantagens

 

Utilização da fagoterapia: suas vantagens e desvantagens


A fagoterapia é uma terapêutica que usa os fagos que por contacto com as bactérias patogénicas específicas são infectadas e destruídas. Os fagos provocam a lise bacteriana com libertação de viriões que dão continuidade ao ciclo incluindo mesmo a migração para outros locais do organismo humano.

Os fagos, ao contrário de todos os restantes agentes antibacterianos, aumentam a sua quantidade na presença das bactérias alvo, sendo conhecido que o impacto dos fagos sobre bactérias não alvo e outras células é nulo ou muito reduzido.




Os fagos são parasitas naturais das bactérias. A infecção bacteriana pelos fagos inicia-se pela adsorção através de interacção mediada por adesinas virais que se ligam de forma reversível a receptores específicos localizados na superfície celular e que são geralmente proteicos ou glucídicos. À fase de adsorção segue-se a transferência de material genético viral para o citoplasma bacteriano donde prossegue, dependendo do tipo de fago ( virulento ou temperado ). Nos fagos temperados, o material genético do fago insere-se no da bactéria dando origem a um profago, ficando reprimido até entrar em ciclo lítico. Os fagos virulentos, que não originam profagos, dão origem a uma replicação viral imediata, terminando com rápida lise bacteriana e libertação de fagos filhos.

Enquanto os fagos temperados, por terem uma fase em que estão sob a forma de profago, têm a capacidade de transferir factores virulentos bacterianos existentes em determinadas sequências genéticas para outras bactérias que não possuem estas sequências genéticas e assim não possue estes factores virulentos.

Ao contrário, os fagos virulentos por não passarem por estado de profago, não possuem nem transferem genes de factores virulentos entre bactérias.

Após a infecção, os fagos virulentos causam degradação do genoma e outras macromoléculas da bactéria hospedeira e desta forma o metabolismo bacteriano é comprometido.

A variedade de hospedeiros dum qualquer determinado fago é limitada, geralmente restrita a uma só espécie bacteriana ou certas estirpes duma espécie. Podem, no entanto, raramente existir fagos capazes de infectar uma gama maior de hospedeiros podendo atacar um subconjunto mais vasto de uma espécie ou mesmo várias espécies.


O ciclo do fago, composto por 5 etapas, pode ser bloqueado por mecanismos da bactéria que os adquire numa acção de defesa, bem como pode a bactéria alterar os seus receptores ao fago por forma a que a adsorção não se processe.

Estas são as vias pelas quais a bactéria se pode defender da infecção pelos fagos e que leva a uma replicação de vírus.

Por sua vez, os fagos podem sofrer mutações capazes de ultrapassar estas defesas da bactéria. De salientar que os fagos apresentam mutações mais frequentes de que as bactérias que infectam.


Os fagos são classificados baseando-se na morfologia e no ácido nucleico que possuem.


O exito da fagoterapia está em relação directa com o fornecimento de uma densidade de fagos suficiente no local da bactéria que se tem como alvo por forma a ser destruída a um ritmo e magnitude adequadas.

A densidade dos fagos aumenta para atingir uma densidade adequada por meio de uma replicação in situ, denominada terapia activa, ou por meio de dosagem farmacológica convencional, denominada terapia passiva. Estas diferentes terapias têm de ser eficazes para ultrapassarem os mecanismos de perda de fagos que sempre ocorrem.

O limiar da proliferação ( XP ) representa a densidade mínima de bactérias susceptíveis acima do qual o número de fagos aumenta por replicação. Acredita-se que o limiar é idêntico para a generalidade das combinações fago-bactéria.

Tempo crítico de proliferação ( TP ) é o tempo que decorre entre a administração dos fagos no local onde está a infecção até o limiar de proliferação ser atingido. De salientar que os fagos administrados demasiado precocemente podem levar a uma remoção sistémica antes do limiar da proliferação ser atingido e assim a eficácia da terapêutica ser menor ou nula.

Na fagoterapia deve-se estimar a magnitude de TP e se , in vitro, este for muito alto, deduz-se que a fagoterapia activa não é viável.


Nas situações em que não se consegue saber nem a dose ideal nem o timing ideal, o principal é ser capaz de assegurar o tempo crítico de proliferação, ou seja, é preferível administrar doses repetidas para se ter a certeza que esse tempo é atingido do que administrar um número mais reduzido de doses elevadas.


A fagoterapia é uma terapêutica segura, não havendo relatos de efeitos secundários importantes, indução de alguma doença ou lesão das células humanas. Importante é evitar a transferência de genes causadores de patogenecidade bacteriana ou aumento da sua virulência e por estes factos são apenas usados fagos obrigatoriamente líticos na fagoterapia.


Fagoterapia para MRSA


Infecções por MRSA são difíceis de lidar devido à sensibilidade da antibioterapia ser reduzida e apresentarem grande prevalência em infecções associadas a cuidados de saúde para outras patologias, muitas vezes graves.

O cocktail Pyophage, que tem na sua constituição fagos que combatem Staphylococcus potentes, como o sB1-saph fago K, é utilizado com sucesso dada a sua actividade anti-S. aureus. Resistência aos fagos usados no combate da MRSA é muito rara. Os fagos usados na fagoterapia para MRSA são obrigatoriamente líticos, capazes de infectar um largo espectro de S. aureus e actuando também num máximo de estirpes clinicamente relevantes.

Os estudos da fagoterapia no combate à MRSA, mostram resultados positivos de mais de 80% a 100% de eficácia, envolvendo S. aureus multirresistentes.

A fagoterapia para MRSA pode usar aplicação local ou aplicação mais sistémica como via intraperitoneal.


A fagoterapia usada nas infecções cirúrgicas tem indicação prioritária nas situações em que há dificuldade de penetração dos antibióticos, seja por circulação sanguínea fraca e/ou presença de uma barreira fibrogranular ( como no pé diabético ), osteomielite crónica ( onde há fraca vascularização ) e lesões de grande superfície.


Infecções gastro-intestinais resolvidas por fagoterapia


Fagoterapia tem sido muito usada no combate de diarreias incapacitantes, podendo a via de administração ser a via oral.

Infecções crónicas de longa duração por P. aeruginosa em casos de fibrose quística, estão associadas a menor resistência a fagos do que em casos de infecções agudas. P. aeruginosa clinicamente isolada, é mais susceptível a fagoterapia do que quando isolada do ambiente.


Vantagens e desvantagens da fagoterapia


A fagoterapia apresenta sobre outras terapêuticas, e nomeadamente a antibioterapia, as seguintes vantagens principais:

  1. elevada especificidade para as bactérias que infecta com mínima acção sobre a microflora comensal

  2. não dá origem a infecções oportunistas

  3. não estão descritos efeitos laterais significativos

  4. acima do limiar da proliferação, há replicação dos fagos com aumento da sua concentração nos locais de infecção ( terapia activa )

  5. a ubiquidade dos fagos possibilita a descoberta mais fácil e menos onerosa do que o que acontece com os antibióticos

  6. complexo equilíbrio entre bactérias e seus fagos possibilita a perpetuação da sua evolução

  7. bactérias mutantes resistentes a fagos podem estar associadas a uma virulência menor e maior susceptibilidade ao sistema imunitário humano

  8. mutações bacterianas não conduzem a maior susceptibilidade ao fago-bactéria

  9. fagos podem ser geneticamente alterados para assim poderem contornar limitações e/ou torná-las mais virulentas

  10. componentes do fago, como as endolisinas, podem apresentar propriedades anti-microbianas

  11. a fagoterapia pode ser efectuada por meio de cocktails de fagos

  12. a fagoterapia pode utilizar as mais diversas vias de administração

  13. as bactérias infectadas por vírus líticos não conseguem readquirir viabilidade

  14. a fagoterapia, pelo menos em alguns casos, ultrapassa a barreira que o biofilme representa

  15. impacto ambiental reduzido ou quase nulo

  16. a fagoterapia é uma terapêutica barata


A fagoterapia também apresenta alguns pontos negativos, como sejam:

  1. a fagoterapia requer uma identificação bacteriana precisa e completa devido à grande especificidade dos fagos

  2. podem haver bactérias que por mutações que sofreram sejam resistentes a fagos específicos

  3. os fagos apresentam a capacidade de transferir genes de toxinas entre bactérias

  4. a fagoterapia é menos lucrativa para as empresas farmacêuticas do que os antibióticos, o que leva a um menor investimento

  5. existe um grande desconhecimento da comunidade médica ocidental no que diz respeito aos fagos

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