quarta-feira, maio 31, 2023

Bacteriófagos – ciclos de vida

 

Bacteriófagos – ciclos de vida


Os virus, e assim os fagos, não possuem sistemas capazes de gerar ATP nem sistemas necessários para a síntese dos próprios constituintes ( ácidos nucleicos e proteínas ), pelo que precisam de encontrar células que sirvam de hospedeiros e lhes proporcionem tais sistemas.

O ciclo de vida dos fagos apresenta várias etapas, sendo a primeira a adsorção, seguida da penetração do ácido nucleico viral no citoplasma bacteriano.

Na adsorção há interacção de proteínas virais com receptores de superfície presentes nas células hospedeiras. Quase a totalidade dos componentes da parede celular das bactérias infectadas servem de receptores, incluindo os flagelos, o pili, a cápsula, o LPS e proteínas de superfície que são potenciais receptores para os fagos. Esta grande variabilidade de receptores para os fagos, faz com que uma mesma bactéria possa ser infectada por uma variedade de fagos diferentes. Também se verifica que existem receptores alternativos para o mesmo fago na superfície da bactéria.

A adsorção apresenta 2 fases, sendo a primeira etapa a fase em que se faz a ligação reversível entre o fago e a bactéria e a segunda fase aquela em que a ligação é irreversível, sendo mediadas pelas fibras da cauda, a primeira etapa ou fase reversível, e da placa basal quando a ligação é irreversível, altura em que se processa uma alteração da conformação do fago e que assim permite a libertação do genoma viral.

Os fagos com cauda contrátil ( Mioviridae ) penetram a parede celular e injectam o genoma do fago no citoplasma bacteriano. Neste processo de penetração de genoma viral, estão envolvidos diferentes factores como o gradiente electroquímico, ATP e a lise enzimática da parede celular que é catalisada por enzimas que fazem a hidrolase do peptideoglicano viral.

O ácido nucleico do fago é, na maioria das vezes, injectado em conjunto com proteínas específicas, sendo que a transcrição e tradução da primeira parte do genoma viral é um requisito fundamental para a entrada do restante ácido nucleico do fago.


Após a infecção, o ciclo de vida do fago pode seguir 2 vias diferentes: ciclo lítico ou ciclo lisogénico.

Se o fago for virulento, o ciclo de vida seguirá obrigatoriamente a via lítica que leva à lise celular hospedeira com libertação de novos fagos recém formados. No caso do fago ser temperado, e por estarem presentes genes reguladores dos 2 tipos de ciclos, o ciclo que se segue é o lisogénico.

A escolha do tipo de ciclo de vida do fago é influenciada pelo ambiente e parâmetros fisiológicos como o estado de nutrição, metabólico e dimensão da célula infectada como a proporção dos fagos relativamente ao número de bactérias susceptíveis presentes.

O ciclo lítico é a via preferida quando o crescimento e metabolismo das células hospedeiras apresentam as condições adequadas à perpetuação dos vírus. Já o ciclo lisogénico é uma forma de sobrevivência na presença de condições adversas.

No ciclo lítico a transcrição viral inicia-se imediatamente após a penetração do genoma viral, sendo necessária a RNA polimerase da bactéria previamente modificada para poder reconhecer os promotores do ácido nucleico do fago.

No ciclo lítico, os primeiros genes que são expressos, codificam a síntese proteica reguladora que está envolvida nas alterações da célula hospedeira e replicação viral. Estas proteínas reguladoras inibem a replicação e transcrição do genoma bacteriano, e dessa forma o fago passa a controlar o metabolismo bacteriano. Depois desta fase inicial, começam a ser sintetizadas as proteínas estruturais e catalíticas do fago. A cabeça e a cauda são sintetizadas separada e independentemente, uma da outra, e após o ácido nucleico ser empacotado na cabeça, dá-se a junção destas estruturas fágicas por modo a ser construído o fago.

Na fase final do ciclo lítico são sintetizadas as proteínas holina e lisina, com propriedades de danificar a integridade da membrana citoplasmática e parede bacteriana, com consequente lise da bactéria e libertação dos viriões recém formados.

No ciclo lisogénico, o ácido nucleico é integrado no DNA bacteriano ou no plasmídeo da célula hospedeira e, desta forma, o profago tem um comportamento idêntico ao genoma bacteriano, sendo replicado em sintonia com ele. Neste ciclo é sintetizada uma proteína repressora que inibe o promotor necessário à expressão dos genes do ciclo lítico. O gene repressor tem uma capacidade de auto-regulação capaz de manter a estabilidade lisogénica indeterminadamente.

O estado lisogénico é muito estável mas não é irreversível´o que causa uma certa imprevisibilidade dos ciclos de vida dos fagos. Estímulos que podem reverter o ciclo lisogénico em ciclo lítico incluem danos celulares, temperatura e alterações fisiológicas.



Bacteriófagos e fagoterapia


A especificidade dos fagos em lisarem as bactérias dá-lhes a possibilidade de serem usadas no combate às mesmas nas infecções por elas causadas.

Os fagos virulentos são os preferencialmente usados.


A distribuição sérica dos fagos para o tecido alvo de tratamento segue uma cinética de ordem um, ou seja, a quantidade de fagos distribuída por unidade de tempo é directamente proporcional à concentração plasmática até que se dê a saturação da maquinaria necessária à translocação. Isto se verifica apenas quando a concentração viral plasmática é elevada.


A metabolização dos fagos é o processo que inclui a activação dos fagos associado à capacidade de auto-replicação in situ em conjunto com a inactivação dos fagos pelo sistema imunitário.


A administração do fago adequada na dose correcta, tal como os restantes antibacterianos, leva a uma redução do número de bactérias que lhe são susceptíveis, ou mesmo à sua total irradicação, num processo designado de infecção primária ou terapia passiva. A capacidade de replicação dos fagos conduz à lise bacteriana com libertação de novos fagos que conseguem infectar outras bactérias susceptíveis e a este processo de infecção de bactérias remanescentes por fagos recém sintetizados se denomina de infecção secundária ou terapia activa.

Inundation thershold ( Vi ) é a concentração sérica mínima de fagos que é necessário existir para que a infecção primária se processe e tem de ser superior à clearance dos fagos ( Vc ).

A infecção bacteriana por fagos depende do contacto destes com aquela e estas colisões, aleatórias, são tanto mais prováveis quanto maior for a concentração das bactérias susceptíveis presentes. Assim a eficácia da fagoterapia depende do tempo de proliferação ( TP ) necessário para ser atingido o limiar da proliferação ( Xt ), ou seja, que se atinja a concentração bacteriana mínima que possibilita a replicação dos fagos administrados.

A fagoterapia será ineficaz no caso de a administração da terapêutica for muito precoce ou a dose inicial demasiado baixa, sendo que os fagos vão sendo gradualmente eliminados antes do TP ser atingido. O tempo óptimo de administração dos fagos deve ser o mais próximo possível da altura em que o limiar de proliferação é alcançado.

Nas situações em que a dose inicial apenas conduza a uma diminuição da concentração bacteriana mediada pela infecção primária, os fagos que se libertam aquando da lise bacteriana, e que vão causar a infecção secundária, vão aumentando de forma exponencial até ao momento em que a população bacteriana é eliminada de forma total.

A administração de um outro antibacteriano antes de TP causa uma diminuição da concentração bacteriana, aumentando o tempo necessário para ser atingido o limiar de proliferação. A diminuição gradual dos fagos nesta fase anterior à proliferação conduz a uma impossibilidade da infecção secundária se processar, não havendo desta forma vantagem em se usar esta associação. No entanto, após ser atingido o limiar de proliferação, esta associação entre fago e outro antibacteriano revela um efeito sinérgico com maior eficácia terapêutica.

Devido à dificuldade de determinar com acuidade o TP, é sugerido que se usem pequenas doses repetidas até o limiar da proliferação ser atingido.



Dado que os fagos interagem com as células do sistema imunitário, eles são reconhecidos como partículas estranhas e assim mecanismos imunológicos procedem à sua eliminação sérica. As células fagocíticas do sistema imunológico inato, após activação por reconhecimento do material estranho que são os fagos, são capazes de induzir a morte e degradação dos fagos.

A resposta imunitária humoral é mediada pelo sistema complemento que leva à síntese de C 3 e origina a lise da célula alvo.

O sistema imunitário adquirido funciona na destruição dos fagos, por meio de impedir a adsorção dos fagos à superfície bacteriana através da ligação dos anticorpos à cauda viral.

Os fagos, para além da clearance que sofrem pelo sistema imunitário, também podem ser excretados por via renal ou hepática mas estas 2 vias são vias minoritárias.

Sem comentários:

Enviar um comentário