Bacteriófagos - revisão da literatura
Bacteriófagos, ou simplesmente fagos, são vírus capazes de destruir bactérias específicas. Os bacteriófagos multiplicam-se segundo um ciclo lítico ou lisogénico, utilizando obrigatoriamente o mecanismo bacteriano sendo dessa forma um parasita intracelular obrigatório.
Os bacteriófagos ligam-se às bactérias que infectam através de receptores específicos existentes na parede bacteriana aos quais se ligam e injectam o material genético através da parede bacteriana.
Estudos apontam para uma maior virulência dos bacteriófagos quando in vivo comparativamente com in vitro.
A cavidade oral é tida como sendo um dos melhores locais para a propagação dos fagos devido à microflora complexa existente, a temperatura em redor dos 36 graus centígrados e a consistência semi-sólida da placa bacteriana encontrada na superfície dentária.
Fagos têm sido usados como terapêutica no combate a diversas bactérias como a E. coli, Pseudomonas sp, Staphylococcus sp, Klebsiella sp, Proteus sp, entre outros.
A fagoterapia pode estar indicada em 3 situações:
combater bactérias com resistências aos antibióticos
combater bactérias resistentes a antibióticos apesar de em testes culturais se verificar serem sensíveis, resistência aquela conferida pela dificuldade de acesso dos antibióticos aos locais infectados que apresentam má vascularização como acontece em casos de osteomielite, úlceras diabéticas ou formação de biofilme
em casos de contra-indicação da antibioterapia eficaz como sejam situações de hipersensibilidade ao fármaco, problemas do tracto gastro-intestinal ou quando há risco de infecção por Clostridium difficile
Fagoterapia está indicada, entre outras situações, nas úlceras de pele, infecções purulentas, MRSA, profilaxia em feridas, queimaduras, infecções com acesso difícil aos antibióticos, infecções do tracto respiratório ou genitourinário e em casos de sépsis.
Os bacteriófagos são vírus, quase na sua totalidade ( 96% dos casos ) apresentando uma cauda, um DNA dupla cadeia, com uma cabeça proteica icosaédrica onde o DNA se encontra, um pescoço que liga a cabeça à cauda, uma cauda tubular que permite a passagem do DNA da cabeça para o interior da célula bacteriana, fibras da cauda que são proteicas e apresentam a capacidade de ligação a receptores específicos existentes na parede bacteriana e a placa final que de estrutura proteica permite a ligação irreversível do fago à bactéria.
Os fagos, ao contrário dos agentes quimioterapêuticos, podem replicar-se no interior da célula que parasitam.
Os fagos podem seguir a via lítica, na qual há 5 fases:
fase de fixação ou adsorção
fase de injecção do material genético
fase de replicação do DNA do fago
fase de reunião e montagem
fase de lise bacteriana
A fagoterapia é um tratamento “personalizado” com a administração de um fago específico do patogéneo previamente identificado in vitro ou em alternativa usa-se um cocktail formado por vários fagos distintos capazes de atacar uma ou mais bactérias diferentes patogénicas.
As lisinas são codificadas em fagos e são as responsáveis pela lise das bactérias atacadas pelo fago através de degradação rápida da parede celular de gram positivos susceptíveis.
Lisinas como PlyC são muito activas contra Streptococcus pyogenes. Foram descritas lisinas, como CF-301, ClyH, ClyF, phi 11 endolisina, SAL-2, Ply187AN-KSH3b e P128, activos contra Staphylococcus aureus. Muitas outras lisinas existem capazes de actuar contra muitas outras bactérias como Streptococcus suis, Streptococcus pneumoniae, Streptococus mutans, etc.
Os fagos actuam numa estreita variedade de hospedeiros alvo, sendo fortemente específicos desses hospedeiros. Não afectam a microflora normal específica do local humano onde se pretende que actuem. Um cocktail de fagos é necessário usar quando há necessidade de combater mais que uma bactéria. Os bacteriófagos apresentam as seguintes importantes propriedades:
administração em dose única dado se multiplicarem no interior das bactérias que atacam e permanência na região enquanto a infecção bacteriana persistir
não apresentam efeitos adversos indesejáveis paralelos com a acção bactericida sobre as bactérias comensais e dessa forma não há disbiose
capacidade de atenuar a virulência bacteriana após o seu uso
baixo custo económico
Os fagos também apresentam algumas desvantagens como sendo:
desconhecimento, com certeza absoluta, de quão eficaz é a acção do fago ainda que se tenha identificado a bactéria patogénica em causa, dada a possibilidade de ser um fago temperado onde a infecção da bactéria não de forma obrigatória leva a um ciclo lítico de forma imediata
obrigatoriedade de identificação exacta da bactéria patogénica, dada a alta especificidade do fago pela bactéria alvo
espectro estreito dos hospedeiros bacterianos
presença de toxinas nos lisados brutos
rápido clearance dos fagos da via sanguínea pela acção do sistema reticuloendotelial dado o reconhecimento das proteínas presentes na superfície do fago pelo sistema imunitário do hospedeiro.
Lisinas são enzimas presentes no bacteriófago com capacidade de digerir a parede bacteriana e têm como objectivo a ruptura desta parede com consequente libertação dos fagos sintetizados no interior da bactéria infectada. A acção das lisinas revela-se como tendo uma potência superior à dos antibióticos, podendo potenciar a acção dos antibióticos.
Algumas lisinas possuem efeitos indesejáveis ao organismo humano, como seja agregação plaquetária, pelo que não são usadas em terapêutica.
Os fagos que são usados na fagoterapia apresentam uma expectativa de vida longa, um número de virions libertados em cada ciclo lítico elevado, curtos períodos de eclipse e latente que é o tempo que decorre entre a injecção intracelular do hospedeiro de material genético do fago e a lise com libertação e dispersão dos novos fagos filhos.
Parece que os fagos actuam de forma negativa sobre o sistema imunológico do hospedeiro.
O genoma viral pode ser DNA ou RNA, seja de cadeia simples ou dupla, linear, circular ou superenrolada, sendo que a quase totalidade dos fagos, cerca de 96%, são de dsDNA.
No processo de transferência do DNA viral para o interior da bactéria infectada estão envolvidos factores como sejam o gradiente electroquímico, moléculas de ATP ou a lise enzimática da parede bacteriana que é catalisada por hidrolases de peptideoglicanos virais. A maioria dos fagos injecta o DNA na bactéria associado a proteínas específicas, sendo que por vezes o DNA é introduzido de forma gradual, sendo a transcrição e tradução da primeira fracção um requesito essencial para se proceder à entrada do restante genoma.
A decisão do fago seguir para ciclo lítico ou ciclo lisogénico sofre influência de parâmetros ambientais e fisiológicos como estado nutricional, metabólico e dimensão da célula hospedeira como a proporção de partículas virais relativamente ao número de bactérias susceptíveis.
O ciclo lítico é vantajoso quando o crescimento e metabolismo das células hospedeiras são adequadas à perpetuação do fago. O ciclo lisogénico é uma estratégia de sobrevivência por parte do fago em condições inadequadas.
Na fase final do ciclo lítico, são sintetizadas as proteínas holina e lisina, que são enzimas que lesam a integridade da membrana citoplasmática e da parede bacteriana respectivamente, e que dessa forma lisam a célula hospedeira e permitem a libertação dos fagos recém formados que vão infectar novas bactérias.
Enquanto que a entrada de material genético do fago vai levar à actividade dos promotores no ciclo lítico, já no ciclo lisogénico é a proteína repressora a sintetizada por forma a inibir o promotor necessário à expressão dos genes da via lítica. Na via lisogénica verifica-se que o gene repressor se auto-regula, o que permite que a estabilidade lisogénica permaneça indefinidamente. O ciclo lisogénico é muito estável, sendo que a reversão espontânea a ciclo lítico se verifica uma vez em cada 10 ⁸ gerações celulares.
Translocação, fenómeno que designa a passagem de microorganismos estranhos através da barreira epitelial para o sistema circulatório ou linfático, é um termo que se pode aplicar a administração sistémica como via per os, IM ou retal.
Comprovou-se a influência da estrutura proteica da cápside viral no reconhecimento por células humanas, como sejam os enterócitos, células M e dendríticas, células estas envolvidas no transporte dos fagos para a via sanguínea ou linfática, o que explica que nem todos os fagos são bem sucedidos no processo de translocação.
A variabilidade da biodisponibilidade é uma característica negativa quando é a via oral a usada na fagoterapia. A fagoterapia usa como via de referência a administração tópica dadas as limitações da via oral e a necessidade de uma pureza superior quando é usada a via EV.
O fago pode ter de se movimentar da via sanguínea para o local da infecção e este fenómeno se denomina distribuição. O aumento da permeabilidade tecidual provocado pela infecção bacteriana pode relacionar-se com este fenómeno denominado distribuição. A quantidade de fagos que é distribuída por unidade de tempo é directamente proporcional à concentração de fagos no plasma até à saturação da maquinaria necessária à translocação se verificar.
Metabolização é o fenómeno em que o conjunto de reacções enzimáticas necessárias promovem alterações químicas num fármaco podendo originar o metabolito activo ou facilitando a sua excreção. Os bacteriófagos, na fase de metabolização, podem sofrer uma activação que os leva à replicação in situ ou podem ser inactivados pelo sistema imunitário.
Para se proceder à infecção primária por parte dos fagos nas bactérias, é preciso que a concentração sérica mínima do fago exista, sendo esta concentração mínima chamada de Inundation threshold ( Vi ), sendo esta concentração mínima obrigatoriamente superior à sua clearance ( Vc ).
O contacto inicial do fago com a bactéria dá-se por colisões aleatórias e a probabilidade de um fago contactar e infectar uma bactéria está dependente da concentração de bactérias que são susceptíveis ao fago em questão, sendo assim a eficácia da fagoterapia função do tempo ( Tp ) que é preciso para a população bacteriana atingir o chamado limiar de proliferação ( Xt ), isto é, o tempo necessário a que a bactéria atinja a concentração mínima bacteriana para possibilitar a replicação dos fagos administrados.
Se a administração dos fagos for muito reduzida ou for administrada muito precocemente, os fagos vão sendo eliminados de forma gradual antes de ser atingido o Tp e assim a terapêutica vai falhar. A administração dos fagos deve-se efectuar o mais próximo possível da altura em que o limiar de proliferação é atingido.
No caso da dose inicial apenas reduzir a concentração bacteriana mediada pela infecção primária, os fagos que se libertam pela lise das bactérias sofrem um aumento exponencial até à completa eliminação da população bacteriana.
A administração do fago em conjunto com outro antibacteriano, nomeadamente antibiótico, antes de Tp, vai causar uma diminuição da concentração bacteriana com consequente prolongamento do tempo para ser atingido o limiar da proliferação ( Xt ). A eliminação dos fagos nesta fase de pré-proliferação impossibilita a infecção secundária não havendo vantagens, em termos terapêuticos, destas associações ( fago mais antibiótico ) nestas condições. Pelo contrário, a administração concomitante é sinérgica após o limiar de proliferação ser alcançado e assim a eficácia terapêutica torna-se mais forte.
Fagoterapia versus antibioterapia
Fagoterapia é uma terapêutica particularmente útil em casos de resistência bacteriana aos antibióticos.
O espectro de acção da fagoterapia é estreito, o que pode ser considerado uma vantagem dado que bactérias resistentes a uma série de fagos permanecem sensíveis a um outro fago que lhe é específico, ao contrário do que acontece com os antibióticos cujas resistências abrangem muitas bactérias. Esta alta especificidade dos fagos possibilita que a flora comensal não seja atacada. Dada a replicação intra-bacteriana dos fagos, uma pequena dose de fagos pode ser suficiente pois que se multiplica no organismo. Os fagos são eficazes em locais com pouca irrigação sanguínea ou em locais com formação de biofilmes, situações em que os antibióticos se mostram ineficazes. Uma vantagem dos fagos é o seu baixo preço.
Mecanismos de resistência bacteriana aos bacteriófagos
Existem diversos mecanismos de resistência bacteriana aos fagos dependendo estes mecanismos da associação entre o fago e a bactéria em questão.
Entre estes mecanismos temos:
inibição da adsorção viral: bactérias adquirem genes capazes de codificar a síntese de uma proteína que altera a estrutura ou conformação dos receptores de superfície usados pelo fago para se ligarem à bactéria; outras bactérias impossibilitam esta adsorção através da síntese de polímeros que formam uma barreira e assim o fago não consegue ligar-se aos receptores
inibição da entrada do DNA do fago no interior da bactéria: algumas bactérias codificam o sistema Sie cuja função é impedir a entrada do DNA do fago no interior da bactéria
clivagem dos ácidos nucleicos virais
Os fagos são agentes bastante seguros clinicamente. No entanto efeitos indesejáveis podem surgir e neste caso podemos referir que o facto dos fagos lisarem bactérias pode originar a libertação de endotoxinas existentes no interior das bactérias que pela sua lise se libertam e que podem causar respostas inflamatórias
Os fagos podem ser classificados como monovalentes ou polivalentes, sendo os monovalentes os que se ligam apenas a um receptor celular e possuem em regra um espectro de infecção mais restrito enquanto os fagos polivalentes se podem ligar a mais de um receptor e dessa forma possuem um espectro infeccioso mais largo.
Os fagos com cauda iniciam o processo de infecção das bactérias por um processo de adsorção das proteínas localizadas na cauda, as RBP ( receptor binding proteins ) com receptores na face externa da membrana celular do hospedeiro. Estes receptores podem ser desde pilus, que caracterizam os fagos F+ ou “male specific”, ou outros componentes da superfície como lipopolissacarídeos ou peptideoglicanos, que são os chamados fagos somáticos. Após se processar a adsorção, o fago pode injectar o seu material genético no citoplasma do hospedeiro.
Por criotomografia electrónica foi demonstrado que o fago T4 tem a capacidade de alternar, entre conformação estendida e não estendida, as 6 fibras longas da cauda. Quando, na conformação estendida, a ligação ao receptor bacteriano é feita, e antes desta fibra se desligar, uma segunda fibra faz outra ligação, sendo que esta alternância da ligação das fibras ajuda o fago a encontrar o local óptimo para a ligação irreversível se fazer, sendo esta fase de ligação irreversível a etapa em que as enzimas hidrolíticas actuam por forma a que se processe a penetração do material genético na célula.
O ciclo lisogénico pode provocar imunidade no hospedeiro a novas infecções por fagos relacionados sendo que a alteração dos receptores celulares de hospedeiros pode ser o processo pelo qual se origina essa imunidade. Os genes do profago podem ser os responsáveis pela alteração dos receptores celulares e esta imunidade adquirida desta forma impede a adsorção de outros fagos à bactéria infectada.
A aquisição de resistência pelo hospedeiro aos fagos é uma consequência natural do processo infeccioso. Cocktails fágicos são indicados para prevenir o mecanismo de aquisição da resistência pelas bactérias quando se faz fagoterapia. Estes cocktails são compostos por diferentes fagos, que podem ter os mesmos alvos ou alvos diferentes para a mesma bactéria, aumentando assim as possibilidades de alvos na célula bacteriana e diminuindo as possibilidades de alvos na célula bacteriana de resistência e escape.
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