Associação entre ingestão de carne vermelha e risco de cancro colo-rectal
Tem vindo, ao longo dos últimos anos, a ser feita a associação entre o cancro colo-rectal e a ingestão de carnes vermelhas, em particular carnes vermelhas curadas, como sejam hot-dogs, salsichas, presunto, fiambre e outras. Foi mesmo estabelecido um aumento do risco do cancro colo-rectal de 21% por cada 50 g/dia de carne processada ingerida, subindo essa percentagem para 29% por cada 100 g/dia.
Factores pró-cancerígenos existentes na carne, nomeadamente excesso de gordura, proteínas ou ferro, bem como mutagéneos induzidos pelo calor aplicado na confecção, foram propostos. O ferro-heme da carne ( ferro ferroso ), existente em altas concentrações na carne vermelha, tem uma acção catalítica na formação endógena de compostos cancerígenos N-nitrosos e na formação de aldeídos citotóxicos e genotóxicos pela lipoperoxidação. Devido ao sódio e nitritos existentes nas carnes vermelhas processadas, o calor aplicado na sua confecção produz aminas heterocíclicas e hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, que são potentes carcinogéneos.
Estas associações, contudo, não estão ainda bem estabelecidas como sugere o facto de aminas heterocíclicas encontradas em muito mais altas doses em carne branca assada ( ex.: frango assado ) não se relacionarem com o risco cancerígeno que se hipotetiza haver com as carnes vermelhas.
Metaanálises demonstraram haver relação positiva entre a ingestão de altas quantidades de carne vermelha processada e aumento do risco de adenomas do cólon.
Estudos sugerem que não é satisfatória a explicação entre risco de cancro colo-rectal e as gorduras saturadas ingeridas com a carne vermelha. Polimorfismos genéticos, que podem aumentar a susceptibilidade ao risco do cancro colo-rectal através de interacções ambientais, têm sido sugeridos. Estes polimorfismos genéticos podem, na verdade, modificar o risco de aparecimento de pólipos colo-rectais e estes são uma condição pré-cancerígena.
Para além da associação entre carne vermelha e aumento do risco de cancro colo-rectal, outros cancros foram associados ao consumo de carnes vermelhas, nomeadamente cancro da próstata, cancro do pâncreas ( neste caso não são as carnes vermelhas mas sim a carne de aves de capoeira ), cancro da bexiga, cancro do esófago, cancro do pulmão, carcinoma renal, cancro da mama ( ainda fracamente comprovada a associação ), cancro do endométrio ( nesta situação a associação não se faz com a carne vermelha mas sim com o ferro-heme, ferro total e fígado ). Em sentido contrário, revelando diminuição de risco foi estabelecida a associação de consumo total de peixe com carcinoma hepatocelular.
Mortalidade e consumo de carne
Não está ainda estabelecida uma relação entre o consumo de carne e o tempo médio de vida, dependendo, no entanto, de país para país esta conclusão. Assim, enquanto no Japão não se verifica um aumento da mortalidade por doença cardíaca, AVC ou cardiovascular, já na China foi associada a morte por doença isquémica cardíaca com o consumo de carne. Estudos com casuísticas maiores não conseguiram mostrar aumento da mortalidade total ou associada a cancro ou doença cardiovascular com o consumo de carne vermelha. No entanto, mais altos consumos de carne branca relacionaram-se positivamente com uma ligeira redução na mortalidade total e na relacionada com cancro.
O consumo da carne vermelha pode representar um marcador para a mortalidade mais que um factor de risco em si mesmo.
A associação entre consumo de carne vermelha e risco de cancro tem apresentado pontos fracos de associação, nomeadamente:
- o follow-up efectuado tem períodos curtos de duração
- não se observa esta associação nas mulheres
- há uma fraca associação entre o consumo de carne e cancro colo-rectal
- tem sido pouco avaliados os factores genéticos e sua associação com o meio ambiente
- tem sido dada pouca importância a outros factores causais, como a acção do ferro-heme
- a definição de carne vermelha tem tido um conceito muito amplo e difere de estudo para estudo
- outras variáveis presentes têm sido ignoradas, nomeadamente IMC, hábitos de exercício físico, hábitos alcoólicos, hábitos tabágicos, consumo de fibras, vegetais, frutas, etc, e o nível educacional
Nesta medida, e até ao presente, não é possível estabelecer uma relação entre o consumo de carne vermelha e um aumento do risco de cancro colo-rectal.
Vários estudos não suportam esta visão de fraca associação. Há mesmo estudos que estabelecem uma relação quase linear entre o consumo de carne vermelha e o risco de cancro colo-rectal, inclusivamente sem haver um consumo mínimo abaixo do qual o risco seria idêntico qualquer que fosse o consumo efectuado, sugerindo a ideia de “quanto menos a dose de carne vermelha menor o risco de cancro colo-rectal”. Estes estudos sugerem que um consumo mais alto de carne vermelha se associa a um risco de mortalidade total, cardiovascular ou por cancro mais elevado. Este risco pode ser justificado pela presença de vários componentes da carne, como sejam compostos N-nitrosos, ferro-heme, aminas heterocíclicas e hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, bem como gorduras saturadas e sódio. O aumento de risco de cancro colo-rectal associado ao consumo de carne vermelha foi, num estudo de grande casuística, comprovado ser independente dos hábitos de vida ( hábitos alcoólicos, hábitos de tabagismo, prática de exercício físico, IMC, e outros factores dietéticos ).
Um estudo europeu demonstrou uma relação positiva entre consumo de carne processada ( e não apenas carne vermelha ) e o risco de mortalidade de qualquer causa ( aumentando em 43% na mortalidade por cancro e 70% na mortalidade por doença cardiovascular ). A mortalidade aumenta com o aumento do consumo de carne. Os hábitos tabágicos acentuam esta relação, aumentando o risco. Foi verificado que o risco mais baixo não se verifica com um consumo nulo de carne vermelha, mas sim com uma dose de 10-20 g/dia de carne vermelha processada ( equivalente a 1-2 doses de carne por semana ).
A associação entre mortalidade e consumo de carne é mais forte em indivíduos magros do que em obesos, mas a explicação não foi ainda encontrada, sendo talvez devido a que a obesidade seja, em si mesma, um forte factor de risco de mortalidade.
À luz dos conhecimentos actuais deve-se, numa tentativa de redução do risco de cancro colo-rectal, limitar-se o consumo de carne vermelha de vaca, porco ou carneiro e evitar consumo de carnes processadas ( presunto, fiambre, salsichas, hot-dogs, salame ).
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