Alterações da eritropoiese, granulopoiese e trombopoiese
Englobam-se neste grupo de patologias, alterações hematológicas não neoplásicas, sejam congénitas ou adquiridas, que afectam uma linhagem celular predominantemente, seja ela eritróide, granulocítica ou megacariocítica.
O diagnóstico, nestas situações, é baseado no esfregaço do sangue periférico e estudo do mielograma e biópsia óssea, bem como em outros análises de vária ordem.
Anemia por deficiência de ferro
Esfregaço de sangue periférico em anemia por deficiência de ferro
A anemia por deficiência de ferro resulta de baixo aporte, aumento das perdas ou uma combinação das 2 situações. O diagnóstico é feito, geralmente, pelo estudo do sangue periférico e análises bioquímicas. Em casos mais complexos, o mielograma pode dar ajudas importantes, mas já o mesmo não se pode dizer da biópsia óssea que apenas poderá, e nem sempre, dar informações marginais.
No sangue periférico observa-se, de início, anemia normocrómica normocítica que, com o agravar do déficit do ferro, passa a hipocrómica microcítica. Os eritrócitos mostram anisocitose, anisocromia, poiquilocitose particularmente com presença de eliptócitos. Podem ser observados trombocitose ou trombocitopenia e neutrófilos hipersegmentados.
Anemia por deficiência de ferro
No mielograma observa-se um aumento moderado da celularidade, devido ao aumento da eritropoiese com micronormoblastos, com os eritroblastos sendo mais pequenos que os normais e apresentando escasso citoplasma, ou vacuolização citoplasmática. Há uma ligeira diseritropoiese. Na coloração de Perls, observa-se uma grande diminuição dos depósitos de ferro, ou mesmo ausência destes depósitos intracelulares, e há uma ausência dos depósitos extracelulares.
Anemia ferropénica
Na anemia por deficiência de ferro, na medula óssea podem ser observados metamielócitos gigantes mas, para além desta particularidade, a granulopoiese e a trombocitopoiese são normais.
Metamielócito gigante típico da anemia ferropriva
Os doentes, onde os depósitos de ferro medulares são diminuídos mas a eritropoiese é normal, devem ser vistos como tendo deplecção de ferro e não deficiência de ferro.
Anemia sideroblástica
Anemia sideroblástica: depósitos de ferro
Anemia sideroblástica, quando componente de uma SMD, apresenta-se como uma anemia refractária, com sideroblastos em anel ou citopenia refractária com displasia multilinhagem. A anemia sideroblástica pode ser herdada ou secundária a drogas ou álcool, cloranfenicol, isoniazida, ácido fusídico e linezolid. Deficiência de cobre, muitas vezes resultado de excesso de zinco, pode causar eritropoiese sideroblástica adquirida. O mielograma é o melhor exame para diagnóstico de anemia sideroblástica.
Sideroblasto em anel
No sangue periférico, na anemia sideroblástica, observa-se hipocromia e microcitose, o que distingue a anemia sideroblástica adquirida ou congénita da observada quando faz parte de um SMD em que há macrocitose.
Sideroblasto em anel
O esfregaço do sangue periférico pode ser dimórfico, com eritrócitos hipocrómicos e microcíticos. A anemia pode ser moderada a grave, nos casos congénitos, enquanto nas situações adquiridas a anemia é menos grave, indo de leve a moderada.
Coloração de Perls observando-se depósitos de ferro
No mielograma observa-se leve hipercelularidade e ligeira hiperplasia eritróide. Alguns eritroblastos são micronormoblastos com hemoglobinização alterada e vacuolização citoplasmática. Sideroblastos em anel podem ser observados. Os depósitos de ferro estão aumentados e os plasmócitos podem conter hemossiderina.
Corpos de Pappenheimer
Anemia hemolítica
A anemia hemolítica, que pode ser hereditária ou adquirida, tem vários factores etiológicos, mecanismos patogénicos e dados morfológicos variados. O estudo de sangue periférico é de muita importância, mas o mielograma ajuda pouco.
No sangue periférico, as anemias hemolíticas apresentam policromasia e reticulocitose. Macrocitose é um dado comum, particularmente nos doentes com hemólise severa.
Anisocitose com macrocitose
No mielograma observa-se uma medula óssea hipercelular, consequente a hiperplasia eritróide que se observa sendo tanto maior a eritropoiese quanto menor a semi-vida eritrocitária. A eritropoiese é frequentemente macronormoblástica. Deseritropoiese pode ser marcada.
Quando a hemólise é extravascular, há um aumento dos macrófagos medulares, e estes contêm detritos celulares. Os depósitos de ferro costumam estar aumentados excepto nas situações de hemólise intravascular grave com perda de ferro do organismo.
Anemia megaloblástica
Anemia megaloblástica
Anemia megaloblástica é, geralmente, provocada por deficiência de vitamina B12 ou ácido fólico, podendo ser secundária a drogas que interferem com a síntese do DNA. Pode também cursar com LMA ou SMD. O estudo do esfregaço sanguíneo pode ser suficiente para o diagnóstico, podendo ser necessário o estudo do mielograma se não são observados no sangue periférico os sinais de eritropoiese megaloblástica, ou se dados atípicos estão presentes, levando a confusão com outras patologias.
Medula óssea em anemia megaloblástica
No sangue periférico há anemia macrocítica, com ovalócitos. Os casos de anemia megaloblástica mais leves, apresentam macrocitose sem anemia. Anisocitose e poiquilocitose são frequentes e, quando a anemia é grave, dacriócitos, fragmentos basofílicos e corpos de Howell-Jolly e megaloblastos circulantes estão presentes.
Dacriócitos
Corpos de Howell-Jolly
Neutrófilos hipersegmentados são frequentes no sangue periférico, sendo altamente sugestivos, embora não patognomónicos de anemia megaloblástica. Leucopenia e trombocitopenia podem ser observadas em casos graves.
Neutrófilo hipersegmentado
No mielograma observa-se hipercelularidade, com eritropoiese hiperplásica caracterizada pela presença de megaloblastos com cromatina mais primitiva do que a que seria normal para o padrão de maturação citoplasmático.
Megaloblastos podem estar completamente hemoglobinizados e sem basofilia citoplasmática. Eritropoiese é ineficaz com as células mais imaturas da linhagem eritróide hiper-representadas. Macrófagos, estão aumentados em número, e contêm restos de eritrócitos e seus precursores. Pela coloração de Perls observam-se grânulos sideróticos proeminentes e, por vezes, sideroblastos em anel. Depósitos de ferro estão aumentados. Os plasmócitos podem conter depósitos de ferro.
Na anemia megaloblástica, para além das alterações da linhagem eritróide descritas, também se verificam alterações da granulopoiese, com hiperplasia, embora menos acentuada que a verificada na eritropoiese. Metamielócitos gigantes são observados com um tamanho duplo ou triplo dos metamielócitos normais e, frequentemente, o núcleo dos metamielócitos tem formas atípicas em E ou Z mais que na forma normal de U. Mielócitos e promielócitos podem, também, ter um tamanho aumentado em relação com o normal, mas menos acentuado do que o dos metamielócitos. A presença de metamielócitos gigantes é particularmente importante para o diagnóstico, principalmente nos casos onde a uma anemia megaloblástica se sobrepõe um déficit de ferro.
Megacariócitos são hiperlobulares e apresentam cromatina mais fina . Diagnóstico diferencial da anemia megaloblástica com LMA M6 do grupo FAB é importante. Em ambas as doenças a medula óssea mostra aspectos de paragem da maturação e deseritropoiese marcadas, mas enquanto na LMA M6 do grupo FAB se observa um aumento dos mieloblastos, este aumento não se observa na anemia megaloblástica. Neutrófilos hipersegmentados e metamielócitos gigantes não são um dado da LMA. A confirmação é feita pelo doseamento da vitamina B12 e ácido fólico.
Anemia das doenças crónicas
Caracteristicamente, é uma anemia normocrómica normocítica, que, quando grave, se apresenta hipocrómica microcítica. É secundária a doenças inflamatórias, infecciosas ou malignas.
O diagnóstico é baseado nos dados do esfregaço de sangue periférico e dados bioquímicos. Bioquimicamente determinam-se diminuição de ferro e transferrina, com ferritina aumentada ou normal. Concentração dos receptores da transferrina sérica são normais.
No esfregaço de sangue periférico observa-se hipocromia e microcitose, e pode ver-se a formação de rouleaux e a coloração basofílica do background, devidos ao aumento das proteínas séricas. Este aumento das proteínas séricas também provoca aumento da VS.
O estudo do mielograma, na anemia das doenças crónicas, revela uma normocelularidade. A eritropoiese é mantida ou podem haver micronormoblastos com redução da hemoglobinização.
Na coloração de Perls, observam-se depósitos de ferro aumentados. Os eritroblastos mostram, no entanto, granulações sideróticas diminuídas ou ausentes. Alterações inflamatórias inespecíficas, como aumento dos plasmócitos, mastócitos e macrófagos, são observadas.
Olá
ResponderEliminarTenho 40 anos e iz um hemograma que acusou: VCM 99,6 fl, HCM 34,2 pg e RDW 12,6%; na observação: anisocitose com discreta macrocitose. Todo o restante deu normal (sem anemia nem nada). Não bebo. Minha dúvida é: qual seria a causa do VCM alto? Poderia ser por deficiência de vitamina B12 mesmo não havendo anemia nem sintomas neurológicos? Por favor me dê uma opinião porque o médico em que eu fui disse simplesmente que isso não é nada! Obrigada, Flávia.
Agradecendo a pergunta, quero iniciar por dizer que tenho por princípio que os doentes devem considerar o seu médico, o melhor médico para eles próprios, e dessa forma terem total confiança no médico que escolherem.
EliminarTendo isto presente, a minha resposta à sua pergunta é a seguinte:
1. Os valores analíticos, por si só, isolados do resto do contexto, não devem dar indicação absoluta, salvo em casos excepcionais, devendo ser correlacionados com a clínica e outros eventuais exames realizados. As análises são meios complementares de diagnóstico, muito úteis, mas que devem ser vistas como tal, como complementares.
2. Como pode ver no post INTERVALOS DE REFEREÊNCIA EM VALORES DE LABORATÓRIO, deste blogue, os valores de referência variam dentro de um intervalo compreendido entre um valor mínimo e um valor máximo, deixando 2.5% dos indivíduos saudáveis normais fora desse limite, tanto na margem superior como na margem inferior, o que na verdade nem se deve aplicar ao seu caso ( se os valores de referência do laboratório onde realizou as suas análises forem idênticos aos que utilizo, cujos valores de referência são: VGM 83 - 101 fl; HGM 27 - 32 pg; RDW 11.6 - 14.0 % ).
3. O facto de ser mencionada presença de anisocitose e discreta macrocitose pode dever-se a factores tão inofensivos quanto uma hemorragia, correcta e adequadamente respondida pela medula óssea, com a produção de eritrócitos e apresentando, na altura da realização da análise, de uma ligeira reticulocitose, que originaria esses fenómenos mencionados. Caso queira, pode consultar para mais informações o post RETICULOCITOSE deste blogue.
Pelo exposto, penso que não se deverá passar nada de anormal, e corroboro da opinião do seu médico que, possuidor de muitas mais informações clínicas a seu respeito, terá uma opinião muito mais avalizada da sua situação do que a que eu poderei ter de momento.
Penso que não deverá ter, portanto, qualquer problema de deficiência de vitamina B12 ou ácido fólico e, caso pretenda, poderá obter mais algumas informações sobre estes déficits, neste blogue, nos posts intitulados POLIMORFONUCLEARES HIPERSEGMENTADOS e ÁCIDO FÓLICO.
Atenciosamente