Neoplasias
de plasmócitos
Mieloma
múltiplo ou mieloma a plasmócitos ou mielomatose
Mieloma
múltiplo é uma patologia neoplásica originada, da proliferação
na medula óssea, de um clone de células neoplásicas relacionadas,
tanto morfológica como funcionalmente, com os plasmócitos. Na
maioria dos casos, as células neoplásicas secretam uma proteína
que tanto pode ser uma imunoglobulina completa ou uma das suas
cadeias leves. A clínica do mieloma múltiplo resulta tanto da
proliferação neoplásica das células como, de forma indirecta, dos
efeitos da proteína secretada, e frequentemente designada, de
paraproteína.
Células
da linhagem do plasmócito com linfoblastos e plasmócitos presentes
O
mieloma múltiplo é uma doença de indíviduos de idade média ou
avançada, sendo a média da idade de apresentação da patologia de
70 anos e sendo a incidência mais elevada nos homens que nas
mulheres e nos negros mais que nos brancos.
Clinicamente
apresenta-se com anemia, dor óssea, fracturas patológicas,
hipercalcémia, falência renal e infecções de repetição. Uma
minoria dos doentes apresentam hepatomegalia ou linfadenopatia, e
esplenomegalia está ocasionalmente presente. Doentes com lesões ósseas
apresentam osteoporose e lesões osteolíticas mas, ocasionalmente,
pode ser observado osteosclerose.
A
paraproteína secretada é, em 60% dos casos, IgG e, em 20% dos
casos, IgA. Em alguns doentes há secreção de excesso de cadeias
leves monoclonais ( proteína de Bence-Jones ) em adição à
imunoglobulina completa. Em cerca de 15-20% dos doentes, apenas é
secretada a proteína de Bence-Jones ( mieloma de Bence-Jones ). Numa
pequena minoria de doentes, são secretadas as IgM, IgD e IgE. Por
vezes os doentes podem ter 2 paraproteínas diferentes e outra
pequena minoria não apresenta paraproteína, nem no soro nem na
urina ( mieloma não secretor ). Cada paraproteína, como é
proveniente de proliferação monoclonal, contem apenas um único
tipo de cadeia leve, seja k ou λ.
A concentração das imunoglobulinas séricas está reduzida em cerca
de 90% dos doentes.
Mieloma
a plasmócitos pode ser diagnosticado quando 2 dos seguintes
critérios estão presentes:
- mais de 10% de plasmócitos na medula óssea
- paraproteína na urina ou soro
- lesões ósseas osteolíticas ou osteoporose
A
probabilidade do mieloma é alta se a concentração de paraproteína
IgG excede as 30 g/l ou de IgA 25 g/l, ou se as cadeias leves na
urina excedem 1 g/dia.
A
sobrevivência do doente com mieloma é de 3-4 anos, terminando em
doença refractária, por vezes com fase leucémica. Pode evoluir para
linfoma imunoblástico.
Célula
gigante de mieloma, com corpo de Dutcher, semelhante a megacariócito
No
sangue periférico, o doente com mieloma, apresenta anemia
normocrómica normocítica ou, mais raramente, macrocítica.
Observam-se frequentemente rouleaux e um background basofílico, devido
à paraproteína presente no sangue. Estes 2 dados não aparecem nos
doentes que apenas produzem proteína de Bence-Jones ou são não secretores. No esfregaço de sangue periférico podem ser observados,
em pequeno número, plasmócitos ou linfócitos plasmocitóides.
Linfoplasmócito
O esfregaço é, por
vezes, leucoeritroblástico. Pode haver, com o avançar da idade,
trombocitopenia e neutropenia. Por vezes evolui para um quadro de
leucemia de plasmócitos, onde se observam grande número de células
neoplásicas em circulação, mostrando elevada atípia.
No mielograma pode
ocorrer um amplo leque de alterações. Plasmócitos estão
geralmente aumentados em número, frequentemente variando de 30% a
90% das células da medula óssea. As células do mieloma podem ser
morfologicamente normais, com núcleos excêntricos, cromatina em
grumos e zona de Golgi típica dum plasmócito, ou podem ser
observadas displasias de grau variável.
É frequente uma
assincronia nucleocitoplasmática, estando o citoplasma maturo mas o
núcleo pode ter um padrão de cromatina difuso ou conter um nucléolo
proeminente. Outras alterações morfológicas incluem pleomorfismo
acentuado, aumento do tamanho das células, elevada razão
núcleocitoplasmática, multinuclearidade, lobulação nuclear, fagocitose pelas
Plasmócito
com eritrócito ingerido
células do mieloma e presença de figuras
mitóticas. Anormalidades citopasmáticas incluem basofilia uniforme
sem zona de Golgi visível, eosinofilia citoplasmática e margens
eosinofílicas flamejantes. O citoplasma dos plasmócitos pode ser
volumoso e conter grânulos azurófilos ou cristais, pode haver
vacúolos ou os sacos do retículo endoplasmático serem dilatados.
Plasmócito
com cristais de imunoglobulinas intracitoplasmáticos
Dois
plasmoblastos sendo um trinucleado
Três
plasmócitos multinucleados
Corpos de Russel
podem ser visíveis e são vistos como inclusões esféricas de
tamanho variável. Os plasmócitos, se contêm múltiplos pequenos
vacúolos ou inclusões esféricas contendo material
fracamente basófilo, denominam-se células Mott. Inclusões que
parecem ser intranucleares ( corpos de Dutcher ) podem estar
presentes. Os corpos de Dutcher, embora aparentemente intranucleares,
são na verdade invaginações citoplasmáticas para o interior do
núcleo.
Células
de Mott com múltiplos corpos de Russell
Corpo
de Dutcher
Hemossiderina está
presente, nas células de mieloma, ocasionalmente.
Não há um valor
percentual de plasmócitos na medula óssea que separe, com certeza,
uma situação de mieloma de uma situação de plasmocitose reactiva
ou de gamopatia monoclonal de significado indeterminado, sendo
necessário dados clínicos, radiológicos e bioquímicos para
estabelecer o diagnóstico.
O mielograma dá
informações, nos casos de mieloma, tanto para estabelecer o
diagnóstico como para fazer o prognóstico pois, tanto a percentagem
de plasmócitos como o seu grau de displasia, são correlacionados
com o prognóstico. 20% de plasmócitos, ou mais, é sinal de mau
prognóstico.
Plasmócito
com núcleo bilobado
A biópsia óssea
tem utilidade tanto no diagnóstico do mieloma como no prognóstico,
e dessa forma é recomendada mesmo que o aspirado seja suficiente
para um correcto estudo do mielograma. Tem também valor para avaliar
da terapêutica, servindo de padrão inicial.
A biópsia óssea
permite o estudo de infiltração da medula óssea pelas células de
mieloma. Três padrões principais de infiltração são
reconhecidos:
- intersticial com envolvimento, ou não, paratrabecular de plasmócitos
- nodular
- difuso
Padrões
de infiltração
No padrão
intersticial, as células do mieloma estão dispersas entre as
hematopoiéticas e as células gordas medulares; já no padrão
difuso, a arquitectura normal da medula é profundamente perturbada.
Na plasmocitose
reactiva, a infiltração intersticial e grande acúmulo de
plasmócitos são raros.
Redução da
hemopoiese associa-se ao mieloma, mesmo na ausência de infiltrado
acentuado da medula óssea; deposição aumentada de reticulina,
infiltrado linfóide e presença de granulomas são fenómenos que se
podem observar.
O padrão nodular de
infiltração correlaciona-se com uma doença mais agressiva, e pior
prognóstico, do que no padrão de infiltração intersticial, com ou
sem atingimento paratrabecular. O pior prognóstico é o do padrão
de infiltração difuso.
Leucemia
a plasmócitos
Leucemia a
plasmócitos é um termo que se emprega para uma situação de
novo leucémica ou para a fase terminal do mieloma quando as
células neoplásicas estão na circulação. Leucemia a plasmócitos
é definida pela presença no sangue periférico de, pelo menos, 20%
de plasmócitos ou um número absoluto de 2000 plasmócitos/μl.
Doentes com leucemia a plasmócitos apresentam clinicamente a
sintomatologia do mieloma ( dores ósseas, lesões líticas,
hipercalcémia e insuficiência renal ) mas com maior incidência de
repercursões extramedulares, hepatomegalia e esplenomegalia. O
prognóstico é muito mau.
No sangue periférico
observam-se muitas células plasmáticas neoplásicas, com morfologia
que varia desde plasmócitos diferenciados normais até formas muito
primitivas, mostrando muito pouco evidência de diferenciação em
plasmócitos. Anemia apresenta-se em quase todos os casos, e
neutropenia e trombocitopenia são comuns.. Rouleaux e um background
basofílico são frequentes.
Esfregaço
de sangue periférico mostrando rouleaux e plasmócitos
displásicos,
um com corpo de Dutcher
No mielograma
observa-se forte infiltrado com células neoplásicas mostrando as
características morfológicas descritas atrás, observando-se uma
redução do número de elementos hematopoiéticos normais. Na
biópsia óssea observa-se um infiltrado de plasmócitos que formam a
maioria das células presentes na medula óssea.
Macroglobulinemia
de Waldenstrӧm
Esta doença é
caracterizada por ser um linfoma, mais frequentemente linfoma
linfoplasmocítico, com secreção de grandes quantidades de IgM
originando hiperviscosidade. Menos frequentemente a macroglobulinemia
de Waldenstrӧm, com uma paraproteínemia de 3.2-8.8 mg/ml e sinais
de hiperviscosidade, é uma manifestação extranodal de um linfoma
marginal do tecido linfóide associado à mucosa ( linfoma MALT ). A
sintomatologia é característica de linfoma ou deriva da
hiperviscosidade originada no aumento da IgM. Hepatomegalia,
esplenomegalia e linfadenopatia são frequentes. A incidência de
macroglobulinemia de Waldenstrӧm é de cerca de um décimo da do
mieloma.
Infiltrado
linfocitário
No sangue periférico
é usualmente observada anemia normocrómica normocítica, com
formação de rouleaux e coloração do background basofílica. Pode
aparecer trombocitopenia. Crioprecipitados podem ser observados
quando a paraproteína tem características de crioaglutinina. A
contagem de linfócitos pode ser normal ou estar aumentada, sendo as
células neoplásicas pequenos linfócitos maturos com alguma
diferenciação de plasmócitos.
Macroglobulinemia
de Waldenstrӧm mostrando pequenos linfócitos maturos e um
cluster
de pequenos linfócitos maturos cercando um macrófago
A medula óssea é
infiltrada por células neoplásicas com morfologia de pequenos
linfócitos, com uma pequena porção destas células com
características plasmocíticas, estando o número de plasmócitos
aumentado. Inclusões intranucleares ou intracitoplasmáticas, PAS
positivas, são geralmente observadas. Células linfoplasmocitóides
em cluster cercando macrófagos são observadas.
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