sábado, junho 22, 2013

Trombocitose essencial

Trombocitose essencial

Trombocitose essencial é um síndrome mieloproliferativo crónico, tal como a policitémia vera e a mielofibrose primária, caracterizado por uma trombocitose persistente que, ao nível da medula óssea, cursa com hiperplasia megacariocítica e clinicamente apresenta tendência a acompanhar-se de complicações trombóticas e hemorrágicas.


Medula óssea em doente com trombocitose essencial observando-se
hipercelularidade por aumento de megacarioblastos e megacariócitos

Com uma incidência de 0.1 a 2.53 por cada 100000 habitantes e por ano, atinge principalmente pessoas com 60 anos ou mais, e com predomínio do sexo feminino. Só 15-20% dos doentes têm menos de 40 anos. Muitos destes doentes são assintomáticos e são diagnosticados por um hemograma de rotina. Esplenomegalia discreta apresenta-se em 5-10% dos doentes e pode ser, em muitos casos, o único sinal que se encontra no exame físico.
A trombose e a hemorragia são as causas mais frequentes de mortalidade e morbilidade destes doentes. As complicações vasculares podem ser trombóticas, hemorrágicas e oclusões microvasculares. A trombose arterial é mais frequente do que a venosa, afectando, por ordem decrescente de frequência, o território cerebrovascular, vascular periférico e coronário. Já a trombose venosa é mais frequente nas extremidades e, menos frequente, no território vascular esplénico e seios cerebrais. As oclusões microvasculares das arteríolas distais das extremidades ( eritromelalgia, isquémia digital ) ou da circulação cerebral ( originando um acidente isquémico transitório, parestesias, cefaleias ou alterações visuais atípicas ) são frequentes e características da trombocitose essencial.
A hemorragia, fenómeno relativamente raro, está relacionada com administração de antiagregantes plaquetários ou com o síndrome de Von Willebrand adquirido em doentes com trombocitoses superiores a um milhão e quinhentas mil plaquetas/μl.
O diagnóstico de trombocitose essencial é feito por exclusão, nomeadamente de trombocitoses secundárias, trombocitose acompanhante de outros síndromes mieloproliferativo ( LMC, policitémia vera, mielofibrose primária ) e alguns síndromes mielodisplásicos.


Critérios de diagnóstico de TE do PVSG ( Polycythemic Vera Study Group )

Plaquetas > 600000/μl
Hematócrito < 40% ou massa eritrocitária normal ( < 125% do valor normal )
Ferro medular presente ou ferritina sérica normal ou VGM normal
Ausência de cromossoma Filadélfia ou fusão BCR/ABL 1
Fibrose colagénea medular ausente ou menos de 1/3 da área da biópsia óssea, sem
     esplenomegalia nem síndrome leucoeritroblástico acompanhante
Ausência de evidências morfológicas ou citogenéticas de SMD
Ausência de causa para trombocitose reactiva



Critérios de diagnóstico de TE da OMS ( 2001 )

  1. Critérios positivos
Trombocitose persistente > 600000/μl
Biópsia medular com proliferação da série megacariocítica, com aumento dos mega-
       cariócitos maduros e de tamanho grande

2. Critérios de exclusão
Não evidência de policitémia vera
        massa eritrocitária normal ou hemoglobina inferior a 18.5 mg/dl nos homens ou
        16.5 mg/dl nas mulheres
        ferro medular presente, ferritina normal ou VGM normal
       se as condições anteriores não se cumprem, ausência de aumento da massa eritro-
       citária ou da hemoglobina para cifras de policitémia vera após tratamento com Fe
Não evidência de LMC ( cromossoma Filadélfia ou fusão BCR/ABL 1 )
Não evidência de mielofibrose idiopática
       ausência de del(5q), t(3;3)(q21;q26), inv(3)(q21;q26)
       ausência de displasia granulocítica, escassos megacariócitos
Ausência de causa de trombocitose reactiva por inflamação, infecção, neoplasia ou  esplenectomia



A descrição da mutação JAK2V617F nos síndromes mieloproliferativos BCR/ABL 1 negativos, levou a um avanço no diagnóstico da trombocitose essencial. Verificou-se que 50-60% dos doentes com trombocitose essencial apresentam aquela mutação JAK2V617F de forma heterozigótica e são homozigóticos em 1-3% dos casos.
Apesar da mutação JAK2V617F indicar a presença de uma trombocitose clonal, esta mutação não é específica dum fenótipo clínico e, portanto, ter a mutação JAK2V617F não é significativo de, obrigatoriamente, estarmos em presença de uma trombocitose essencial.
40-50% dos doentes com trombocitose essencial são JAK2V617F negativos.


Verificou-se que doentes com trombocitose essencial e com a mutação JAK2V617F apresentam, à data do diagnóstico, valores mais altos de hemoglobina, leucócitos, neutrófilos, concentração de eritropoietina, concentração de ferritina, e maior tendência à microcitose, ou seja, um fenótipo mais semelhante ao da policitémia vera. Quando o paciente se apresenta com trombocitose e sem estes dados referidos, é mais frequente serem JAK2V617F negativos.
Estes doentes sem a mutação apresentam, no entanto, alterações características de síndrome mieloproliferativo, nomeadamente esplenomegalia, alterações citogenéticas, crescimento endógeno ou espontâneo de colónias de eritrócitos, sobreexpressão de PRV-1 e transformação para leucemia aguda e mielofibrose, todos estes dados sendo inequívocos de mieloproliferação.
A biópsia medular, dos doentes com a mutação JAK2V617F, apresenta maior celularidade global e mielopoiese, apesar de nem sempre se observarem diferenças entre o grupo com mutação JAK2V617F em relação aos doentes sem esta mutação, relativamente aos megacariócitos, seja no aspecto do núcleo ou tendência a agrupamento, ou no padrão da reticulina.
Os doentes com a mutação costumam ser mais velhos do que os que a não possuem, têm maior tendência a tromboses no ano anterior ao do diagnóstico e tendem, mais frequentemente, a evoluir para a policitémia vera, o que levou a ser proposta a hipótese de que a trombocitose essencial JAK2V617F positiva e a policitémia vera possam ser um contínuo biológico e não duas entidades distintas. Na trombocitose mutada, a eritrocitose pode ser influenciada por factores genéticos e/ou fisiológicos.
De referir que o número mínimo de plaquetas para o diagnóstico de trombocitose essencial JAK2V617F positiva, poder ser feito, é de 450000 plaquetas/μl, e não o limite mínimo anteriormente proposto de 600000 plaquetas/μl.

Critérios diagnósticos para Trombocitose Essencial

                                             JAK2V617F negativo              JAK2V617F positivo

Plaquetas                       > 600000/μl em 2 determinações             > 450000/μl
                                           com 1 mês de intervalo
Mutação                                            Não                                         Sim

Trombocitose reactiva                    Exclusão                                         -

Ferritina                                        > 20 μg/l                                         -

Exclusão de outras neo-                     LMC                                  PV, mielofibrose
plasias, essencialmente                 mielofibrose,                               mielodisplasia
                                                    PV, SMD                           JAK2V617F positiva

Diagnósticos diferenciais:
  1. Leucemia mielóide crónica: o rearranjo BCR/ABL 1 deve ser negativo nos casos de trombocitémia essencial, excluindo-se assim a LMC; não se aceita a existência de trombocitose essencial cromossoma Filadélfia positivo ou BCR/ABL 1 positivo uma vez que o oncogéneo vABL não se apresenta na trombocitémia essencial, mas sim a mutação JAK2V617F

    Leucemia mielóide crónica

  2. Policitémia vera: a exclusão de eritrocitose, com absoluta certeza, só se pode fazer quando se demonstra que a massa eritrocitária é inferior a 125% do valor calculado depois de excluir ou tratar uma ferropenia. A combinação de massa eritrocitária aumentada e JAK2V617F positivo é praticamente patognomónica de policitémia vera. A massa eritrocitária nem sempre se correlaciona com aumento da citémia. 7-19% dos doentes com trombocitose isolada, tinham policitémia vera, de acordo com os valores obtidos da massa eritrocitária, e teriam sido erradamente diagnosticados de trombocitose essencial se se tivesse em consideração apenas os valores de hemoglobina propostos pela OMS ( 18.5 mg/dl para os homens, 16.5 mg/dl para as mulheres ). Estes doentes eram todos JAK2V617F positivos, enquanto os negativos para esta mutação tinham uma citémia normal. Também para o diagnóstico diferencial da trombocitose essencial, relativamente à policitémia vera, podemos utilizar, com interesse, a concentração de eritropoietina diminuída, a presença de crescimento endógeno de colónias eritróides e a histologia medular. A concentração de eritropoietina diminuida e a presença de crescimento endógeno de colónias eritróides não são, no entanto, específicas da trombocitose essencial, e podem observar-se também na policitémia vera. O padrão histológico medular numa policitémia vera com início trombocitémico é de difícil avaliação e pouca reprodutibilidade interobservadores.

    Intensa hiperplasia hematopoiética global

  3. Trombocitose secundária: com o objectivo de excluir uma hipossiderémia, a concentração de ferritina deve ser normal ou aumentada na ausência de marcadores inflamatórios ( VS, PCR, fibrinogéneo ) 


    Trombocitose secundária

  4. SMD: além da displasia morfológica granulocítica e megacariocítica, deve constactar-se ausência de certas alterações citogenéticas que podem acompanhar a trombocitose


  5. Mielofibrose primária: a trombocitose essencial é de muito difícil diferenciação com a mielofibrose primária que mostre esplenomegalia, síndrome leucoeritroblástico, dacriócitos e fibrose medular. A biópsia medular pode dar informações importantes por mostrar marcada fibrose. A histologia típica da trombocitose essencial, denominada de true ET, caracteriza-se por hipercelularidade, com megacariócitos com núcleo multilobulado e aspecto maturo, com tendência a se agruparem, sem aumento da eritropoiese nem granulopoiese, e ausência de fibrose. O achado importante morfológico no reconhecimento das formas iniciais de mielofibrose primária é a observação de hipercelularidade, proliferação neutrófila e atipía dos megacariócitos que apresentam núcleos com lobulação anormal e cromatina atípica. A reticulina, nas formas ainda prefibróticas, não se encontra aumentada. CD34 é um marcador característico da mielofibrose primária, mas não é ainda observado nas formas pré-fibróticas.
  6. Trombocitoses familiares hereditárias: entidades transmissíveis de forma autossómica dominante, onde se observam mutações do gene c-Mpl ou do gene da trombopoietina, embora estas alterações genéticas não sejam sempre positivas.

Estudos clínicos retrospectivos mostram que a esperança de vida destes doentes não é alterada, relativamente à da população em geral, ainda que este facto talvez só se observe nos primeiros 10 anos da evolução da doença. De referir, no entanto, que a trombocitose essencial é uma doença de pessoas idosas. A esperança de vida, contudo, após a segunda década de evolução da doença, parece ser diminuída devido à transformação clonal mielóide.




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