Alterações
dos níveis séricos do ião cloreto
O principal anião
extracelular é o cloro, que se apresenta numa concentração de
95-105 mEq/l ( média 103 mEq/l ).
As alterações da
concentração do cloro, geralmente, são paralelas às do sódio
quando não há distúrbios ácido-base, nomeadamente alcalose
metabólica, com excesso de bicarbonato, e acidose metabólica, com
deplecção do bicarbonato, em cujos casos o sódio sérico pode ser
normal.
A quantificação do
cloro sérico é útil no diagnóstico diferencial dos desiquilíbrios
ácido-base, e é mesmo essencial para calcular o anião gap.
As alterações
séricas das concentrações do cloro têm pouca importância
clínica, mas são um sinal de uma alteração básica da homeostasia
de fluídos e do equilíbrio ácido-base, podendo dar indicações
preciosas na diferenciação da causa dessas alterações.
O cloro move-se
entre os compartimentos intra e extracelular, acompanhando o sódio e
o potássio, e combinando-se com iões positivos formando o cloreto
de sódio, ácido clorídrico, cloreto de potássio, cloreto de
cálcio e outras importantes moléculas. O cloreto encontra-se em
concentrações elevadas no LCR e também na bílis, suco pancreático
e suco gástrico.
Juntamente com o
sódio, de carga eléctrica oposta, o cloro ajuda a manter a
osmolaridade sérica e o balanço hídrico. O componente líquido do
LCR, secretado pelos plexos coroideus, é formado por água que estes
plexos captam, dependendo esta captação dos iões sódio e cloro.
O cloro é
secretado, no estômago, pela mucosa gástrica como ácido
clorídrico, provindo a acidez adequada para a digestão e activação
enzimática. O cloro ajuda a manter o equilíbrio ácido-base e
colabora no transporte do dióxido de carbono nos eritrócitos.
As concentrações
de cloro são relativamente estáveis, não variando com a idade.
A regulação do
cloro depende da ingestão e excreção do cloro e sua reabsorpção
nos rins.
Grande parte do
cloro é absorvida nos intestinos, dando-se apenas uma mínima perda
pelas fezes.
Os níveis de cloro
podem ser afectados, indirectamente, pela secreção da aldosterona,
que provoca reabsorpção do sódio pelos túbulos renais, o que
origina uma reabsorpção passiva dos iões de cloro, por terem carga
eléctrica contrária à do sódio.
O cloro é
reabsorvido e/ou excretado numa relação inversa à do bicarbonato.
Quando a
concentração de cloro diminui, os rins passam a reter bicarbonato,
aumentando a concentração deste. Pelo contrário, quando o nível
de cloro sobe, os rins excretam mais bicarbonato e a concentração
deste ião desce. Desta forma, as alterações da concentração de
cloro, com proporcional e inversa alteração da concentração de
bicarbonato, pode levar ao desencadear de instalação de uma acidose
ou alcalose.
A hipoclorémia
é a condição em que a concentração de cloro sérico é inferior
a 96 mEq/l. A hipoclorémia pode interferir com as concentrações de
sódio, potássio, cálcio e outros electrólitos. Também alterações
de natrémia podem influenciar na concentração do cloro sérico.
Perdas de cloro podem ocorrer pela pele, através do suor, tracto
gastrointestinal ou rins.
Vómitos sucessivos
podem levar a alcalose metabólica por perda de iões H+,
que fazem parte da molécula de ácido clorídrico.
Em alto risco de
hipoclorémia estão as crianças com vómitos prolongados, por
obstrução, e nos casos de fístulas drenantes e ileostomias, que
provocam perda de cloro do tracto gastrointestinal. Alguns
diuréticos, nomeadamente furosemida, ácido etacrínico e
hidroclorotiazida, também podem causar hipoclorémia por perda
renal.
O déficit de sódio
e potássio, bem como a alcalose metabólica, podem causar
hipoclorémia. Paracentese, feita de forma demasiado rápida, pode
originar hipoclorémia.
A hipoclorémia pode
ser absoluta ou dilucional. A hipoclorémia absoluta ( deplecção de
cloro ) é causada por falta de aporte do ião, geralmente em dietas
prolongadas sem sal, ou com pouco sal, ou por aumento da eliminação
por poliúria, vómitos ou manobras de aspiração gástrica. Nestas
duas últimas situações pode haver, concomitantemente, alcalose
metabólica por perda de ião H+.
A hipoclorémia
dilucional, por intoxicação hídrica, pode aparecer por
administração excessiva de água em doentes anúricos ou
oligúricos. Nesta hipoclorémia dilucional, a quantidade absoluta
de cloro não diminui, mas a concentração é menor por estar
diluído.
A hipoclorémia é
grave quando a concentração sérica do cloro cai abaixo dos 80
mEq/l. O estado de deficiência de cloro, caracteriza-se por
diminuição do tônus muscular liso, principalmente intestinal e dos
vasos sanguíneos, causando clinicamente íleo adinâmico e,
tardiamente, hipotensão arterial.
A hipoclorémia é,
frequentemente, observada em situações de acidose metabólica
provocada por aumento da produção ou diminuição da excreção dos
ácidos orgânicos, como acontece na cetoacidose diabética ou na
insuficiência renal. A fracção da concentração do ião cloreto
está diminuída, porque a fracção complementar de
β-hidroxibutirato,
acetoacetato, lactato e fosfato está aumentada. Também a secreção
gástrica persistente ou o vómito prolongado levam a perdas
significativas de cloreto, que resulta em alcalose hipoclorémica com
baixa de cloro sérico e aumento do ião bicarbonato.
A hipoclorémia pode
suceder em muitas situações, como:
- vómitos de repetição; estenose pilórica, íleo obstrutivo, hiperemese gravídica, uremia, pancreatite aguda
- aspiração naso-gástrica
- diarreias agudas e prolongadas
- íleo intestinal, sem vómitos, por transudação para o lúmen intestinal
- hipersudorese com ingestão de bebidas sem sal
- fístulas digestivas altas ( gástricas, duodenal, biliar, pancreática )
- infecções agudas, de forma transitória
- acidose metabólica ( cetoacidose diabética, acidose láctica ) com acúmulo de aniões orgânicos
- acidose respiratória crónica, com eliminação de cloro pela urina
- tubulopatias que levam a perda de sais
- doença de Addison
- hiperaldosteronismo
- síndrome de Cushing
- hiperparatiroidismo em fase avançada
- queimaduras extensas
- utilização de diuréticos
- secreção inadequada de ADH
- insuficiência cardíaca congestiva
- insuficiência hepática aguda grave
O cloro, assim como
o sódio, é ingerido, geralmente por via oral, sob a forma de sal.
A perda pela
respiração cutânea é, praticamente, de água sem electrólitos e
é insensível. A saída da água pelos pulmões, é de água com
dióxido de carbono sem sais. A perda de água, cutânea e pulmonar,
aumenta com a febre e a taquipneia. A febre aumenta a evaporação e
a frequência respiratória. Cada grau de temperatura, acima de 37
graus centígrados, por 4 horas, corresponde a um aumento de perda
hídrica de 500 ml, nesse período de tempo.
A sudorese causa
perda de água, acompanhada de electrólitos, podendo a perda de
iões, nomeadamente sódio e cloro, ser muito grande. Perdas de água
pelo tubo digestivo podem estar aumentadas nos casos de diarreia
profusa, fístulas, vómitos, aspiração naso-gástrica, íleo
adinâmico, obstrução intestinal, podendo as perdas ultrapassar os
6 litros de água por dia. A perda acentuada de suco gástrico, por
estenose secundária a úlcera péptica, pode resultar em alcalose
metabólica hipoclorémica pela perda de ácido clorídrico. Perdas
digestivas distais ao piloro podem levar a acidose metabólica.
Na hipoclorémia
pode haver hiperexcitabilidade dos nervos que pode levar a tetania,
reflexos hiperactivos dos tendões profundos e hipertonicidade
muscular. Pode haver cãimbras musculares, debilidade e agitação ou
irritabilidade. Podem ocorrer náuseas, vómitos, coma e paragem
cardíaca nos casos graves de hipocloremia.
O laboratório
mostra-nos valores de concentração de cloro inferior a 96 mEq/l,
sódio inferior a 135 mEq/l e pH sérico superior a 7.45, com valores
de bicarbonato sérico superior a 26 mEq/l ( indicando alcalose
metabólica ).
O tratamento da
hipoclorémia de diluição faz-se sobretudo por eliminação de
excesso de água. O tratamento da hipocloremia absoluta faz-se por
administração do cloro, em quantidade para a manutenção e
recuperação, por forma a obter uma concentração de cloro normal,
sendo estimada com base no volume extracelular.
A hiperclorémia,
situação causada por perda exagerada de água ou entrada excessiva
de sais, em doentes com patologia renal ou com rins submetidos à
acção hormonal por stress, como é o caso de pos-operatórios
imediatos, é a situação patológica na qual a concentração de
cloro sérico é superior a 106 mEq/l. A situação associa-se a
outros transtornos ácido-base.
A hipercloremia se
associa a hipernatrémia. Um excesso de iões cloro cursam com baixa
de iões bicarbonato. O excesso de cloro é causado por excesso de
ingestão ou de absorpção, da acidose ou da retenção de cloro
pelos rins. Se o doente perde água, como no caso de anastomoses
entre o ureter e os intestinos, o aumento da concentração de cloro
ainda pode ser maior.
Desidratação,
sede, oligúria, contracções musculares, tremores, confusão
mental, estupor, febre geralmente moderada, acidose tubular renal,
insuficiência renal, alcalose respiratória, toxicidade aos
salicilatos, hiperparatiroidismo, hiperaldosteronismo e hipernatrémia
são condições patológicas que podem causar aumento de cloro
sérico.
A sintomatologia da
hipercloremia, raramente, é devida a si própria. Os sinais e
sintomas, mais evidentes, são os da acidose metabólica incluindo
taquipneia, letargia, debilidade, diminuição da capacidade
cognitiva e rápidas e profundas respirações. Hipertensão,
dispneia, taquicardia e edema são sinais de hipernatremia e
hipervolemia, que cursam geralmente nos casos de hipercloremia.
Na hipercloremia, o
laboratório dá-nos valores de cloro sérico superior a 106 mEq/l e
de sódio superior a 145 mEq/l; o pH sérico é menor que 7.35 com
uma concentração de bicarbonato sérico inferior a 22 mEq/l e um
anião gap normal ( 8-14 mEq/l ), sugerindo acidose metabólica.
Valores de 125 mEq/l, ou mais, de cloro sérico definem hipercloremia
grave.
O tratamento da
hipercloremia consta de tratamento da doença base acompanhado da
supressão de administração de cloro, e diluição deste no
compartimento extracelular por infusão de uma solução glicosada a
5%, feita de modo lento, para não causar edema cerebral.
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