domingo, dezembro 16, 2012

Alterações dos níveis séricos do ião cloreto


Alterações dos níveis séricos do ião cloreto



O principal anião extracelular é o cloro, que se apresenta numa concentração de 95-105 mEq/l ( média 103 mEq/l ).
As alterações da concentração do cloro, geralmente, são paralelas às do sódio quando não há distúrbios ácido-base, nomeadamente alcalose metabólica, com excesso de bicarbonato, e acidose metabólica, com deplecção do bicarbonato, em cujos casos o sódio sérico pode ser normal.
A quantificação do cloro sérico é útil no diagnóstico diferencial dos desiquilíbrios ácido-base, e é mesmo essencial para calcular o anião gap.
As alterações séricas das concentrações do cloro têm pouca importância clínica, mas são um sinal de uma alteração básica da homeostasia de fluídos e do equilíbrio ácido-base, podendo dar indicações preciosas na diferenciação da causa dessas alterações.

O cloro move-se entre os compartimentos intra e extracelular, acompanhando o sódio e o potássio, e combinando-se com iões positivos formando o cloreto de sódio, ácido clorídrico, cloreto de potássio, cloreto de cálcio e outras importantes moléculas. O cloreto encontra-se em concentrações elevadas no LCR e também na bílis, suco pancreático e suco gástrico.
Juntamente com o sódio, de carga eléctrica oposta, o cloro ajuda a manter a osmolaridade sérica e o balanço hídrico. O componente líquido do LCR, secretado pelos plexos coroideus, é formado por água que estes plexos captam, dependendo esta captação dos iões sódio e cloro.
O cloro é secretado, no estômago, pela mucosa gástrica como ácido clorídrico, provindo a acidez adequada para a digestão e activação enzimática. O cloro ajuda a manter o equilíbrio ácido-base e colabora no transporte do dióxido de carbono nos eritrócitos.
As concentrações de cloro são relativamente estáveis, não variando com a idade.
A regulação do cloro depende da ingestão e excreção do cloro e sua reabsorpção nos rins.
Grande parte do cloro é absorvida nos intestinos, dando-se apenas uma mínima perda pelas fezes.
Os níveis de cloro podem ser afectados, indirectamente, pela secreção da aldosterona, que provoca reabsorpção do sódio pelos túbulos renais, o que origina uma reabsorpção passiva dos iões de cloro, por terem carga eléctrica contrária à do sódio.
O cloro é reabsorvido e/ou excretado numa relação inversa à do bicarbonato.


Quando a concentração de cloro diminui, os rins passam a reter bicarbonato, aumentando a concentração deste. Pelo contrário, quando o nível de cloro sobe, os rins excretam mais bicarbonato e a concentração deste ião desce. Desta forma, as alterações da concentração de cloro, com proporcional e inversa alteração da concentração de bicarbonato, pode levar ao desencadear de instalação de uma acidose ou alcalose.
A hipoclorémia é a condição em que a concentração de cloro sérico é inferior a 96 mEq/l. A hipoclorémia pode interferir com as concentrações de sódio, potássio, cálcio e outros electrólitos. Também alterações de natrémia podem influenciar na concentração do cloro sérico. Perdas de cloro podem ocorrer pela pele, através do suor, tracto gastrointestinal ou rins.


Vómitos sucessivos podem levar a alcalose metabólica por perda de iões H+, que fazem parte da molécula de ácido clorídrico.
Em alto risco de hipoclorémia estão as crianças com vómitos prolongados, por obstrução, e nos casos de fístulas drenantes e ileostomias, que provocam perda de cloro do tracto gastrointestinal. Alguns diuréticos, nomeadamente furosemida, ácido etacrínico e hidroclorotiazida, também podem causar hipoclorémia por perda renal.
O déficit de sódio e potássio, bem como a alcalose metabólica, podem causar hipoclorémia. Paracentese, feita de forma demasiado rápida, pode originar hipoclorémia.

A hipoclorémia pode ser absoluta ou dilucional. A hipoclorémia absoluta ( deplecção de cloro ) é causada por falta de aporte do ião, geralmente em dietas prolongadas sem sal, ou com pouco sal, ou por aumento da eliminação por poliúria, vómitos ou manobras de aspiração gástrica. Nestas duas últimas situações pode haver, concomitantemente, alcalose metabólica por perda de ião H+.
A hipoclorémia dilucional, por intoxicação hídrica, pode aparecer por administração excessiva de água em doentes anúricos ou oligúricos. Nesta hipoclorémia dilucional, a quantidade absoluta de cloro não diminui, mas a concentração é menor por estar diluído.
A hipoclorémia é grave quando a concentração sérica do cloro cai abaixo dos 80 mEq/l. O estado de deficiência de cloro, caracteriza-se por diminuição do tônus muscular liso, principalmente intestinal e dos vasos sanguíneos, causando clinicamente íleo adinâmico e, tardiamente, hipotensão arterial.
A hipoclorémia é, frequentemente, observada em situações de acidose metabólica provocada por aumento da produção ou diminuição da excreção dos ácidos orgânicos, como acontece na cetoacidose diabética ou na insuficiência renal. A fracção da concentração do ião cloreto está diminuída, porque a fracção complementar de β-hidroxibutirato, acetoacetato, lactato e fosfato está aumentada. Também a secreção gástrica persistente ou o vómito prolongado levam a perdas significativas de cloreto, que resulta em alcalose hipoclorémica com baixa de cloro sérico e aumento do ião bicarbonato.
A hipoclorémia pode suceder em muitas situações, como:
  • vómitos de repetição; estenose pilórica, íleo obstrutivo, hiperemese gravídica, uremia, pancreatite aguda
  • aspiração naso-gástrica
  • diarreias agudas e prolongadas
  • íleo intestinal, sem vómitos, por transudação para o lúmen intestinal
  • hipersudorese com ingestão de bebidas sem sal
  • fístulas digestivas altas ( gástricas, duodenal, biliar, pancreática )
  • infecções agudas, de forma transitória
  • acidose metabólica ( cetoacidose diabética, acidose láctica ) com acúmulo de aniões orgânicos
  • acidose respiratória crónica, com eliminação de cloro pela urina
  • tubulopatias que levam a perda de sais
  • doença de Addison
  • hiperaldosteronismo
  • síndrome de Cushing
  • hiperparatiroidismo em fase avançada
  • queimaduras extensas
  • utilização de diuréticos
  • secreção inadequada de ADH
  • insuficiência cardíaca congestiva
  • insuficiência hepática aguda grave

O cloro, assim como o sódio, é ingerido, geralmente por via oral, sob a forma de sal.
A perda pela respiração cutânea é, praticamente, de água sem electrólitos e é insensível. A saída da água pelos pulmões, é de água com dióxido de carbono sem sais. A perda de água, cutânea e pulmonar, aumenta com a febre e a taquipneia. A febre aumenta a evaporação e a frequência respiratória. Cada grau de temperatura, acima de 37 graus centígrados, por 4 horas, corresponde a um aumento de perda hídrica de 500 ml, nesse período de tempo.
A sudorese causa perda de água, acompanhada de electrólitos, podendo a perda de iões, nomeadamente sódio e cloro, ser muito grande. Perdas de água pelo tubo digestivo podem estar aumentadas nos casos de diarreia profusa, fístulas, vómitos, aspiração naso-gástrica, íleo adinâmico, obstrução intestinal, podendo as perdas ultrapassar os 6 litros de água por dia. A perda acentuada de suco gástrico, por estenose secundária a úlcera péptica, pode resultar em alcalose metabólica hipoclorémica pela perda de ácido clorídrico. Perdas digestivas distais ao piloro podem levar a acidose metabólica.
Na hipoclorémia pode haver hiperexcitabilidade dos nervos que pode levar a tetania, reflexos hiperactivos dos tendões profundos e hipertonicidade muscular. Pode haver cãimbras musculares, debilidade e agitação ou irritabilidade. Podem ocorrer náuseas, vómitos, coma e paragem cardíaca nos casos graves de hipocloremia.
O laboratório mostra-nos valores de concentração de cloro inferior a 96 mEq/l, sódio inferior a 135 mEq/l e pH sérico superior a 7.45, com valores de bicarbonato sérico superior a 26 mEq/l ( indicando alcalose metabólica ).
O tratamento da hipoclorémia de diluição faz-se sobretudo por eliminação de excesso de água. O tratamento da hipocloremia absoluta faz-se por administração do cloro, em quantidade para a manutenção e recuperação, por forma a obter uma concentração de cloro normal, sendo estimada com base no volume extracelular.

A hiperclorémia, situação causada por perda exagerada de água ou entrada excessiva de sais, em doentes com patologia renal ou com rins submetidos à acção hormonal por stress, como é o caso de pos-operatórios imediatos, é a situação patológica na qual a concentração de cloro sérico é superior a 106 mEq/l. A situação associa-se a outros transtornos ácido-base.
A hipercloremia se associa a hipernatrémia. Um excesso de iões cloro cursam com baixa de iões bicarbonato. O excesso de cloro é causado por excesso de ingestão ou de absorpção, da acidose ou da retenção de cloro pelos rins. Se o doente perde água, como no caso de anastomoses entre o ureter e os intestinos, o aumento da concentração de cloro ainda pode ser maior.
Desidratação, sede, oligúria, contracções musculares, tremores, confusão mental, estupor, febre geralmente moderada, acidose tubular renal, insuficiência renal, alcalose respiratória, toxicidade aos salicilatos, hiperparatiroidismo, hiperaldosteronismo e hipernatrémia são condições patológicas que podem causar aumento de cloro sérico.
A sintomatologia da hipercloremia, raramente, é devida a si própria. Os sinais e sintomas, mais evidentes, são os da acidose metabólica incluindo taquipneia, letargia, debilidade, diminuição da capacidade cognitiva e rápidas e profundas respirações. Hipertensão, dispneia, taquicardia e edema são sinais de hipernatremia e hipervolemia, que cursam geralmente nos casos de hipercloremia.
Na hipercloremia, o laboratório dá-nos valores de cloro sérico superior a 106 mEq/l e de sódio superior a 145 mEq/l; o pH sérico é menor que 7.35 com uma concentração de bicarbonato sérico inferior a 22 mEq/l e um anião gap normal ( 8-14 mEq/l ), sugerindo acidose metabólica. Valores de 125 mEq/l, ou mais, de cloro sérico definem hipercloremia grave.
O tratamento da hipercloremia consta de tratamento da doença base acompanhado da supressão de administração de cloro, e diluição deste no compartimento extracelular por infusão de uma solução glicosada a 5%, feita de modo lento, para não causar edema cerebral.

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